Basílica de São Marcos é símbolo de uma Veneza devastada pela água
As águas sujas e salgadas circundavam nesta quarta-feira (13) as tumbas de mármore da famosa cripta bizantina da Basílica de São Marcos, que sofreu graves danos durante a excepcional elevação da maré que alagou Veneza.
"Sofremos danos de milhões de euros", comentou Carlo Alberto Tesserin, encarregado do monumento, enquanto as bombas retiram a água marinha de sob os arcos da refinada pedra rosa e branca, sob o olhar ao mesmo tempo triste e irritado dos vigilantes.
A obra-prima da arquitetura do século X se encontra em um dos pontos mais baixos da cidade e portanto, entre os mais afetados pela maré alta.
"No ano passado, advertimos que a basílica envelhece 20 anos durante cada maré alta, mas desta vez, envelheceu muito mais", lamenta diante da AFP Tesserin, visivelmente triste.
A excepcional maré que assolou na noite de terça-feira a cidade conhecida como "Sereníssima" chegou a 1,87 metro sobre o nível de referência, obrigando centenas de turistas a cruzar na escuridão vielas cobertas de água.
Trata-se da segunda pior inundação de Veneza desde que começaram a ser registradas, em 1923. A pior foi em 4 de novembro de 1966, quando a maré subiu 1,94 metro acima do nível normal.
Enquanto o forte vento alimentava as ondas que se agitavam na praça, transformada em lago, a água entrava na basílica com uma força "nunca antes vista, nem sequer durante a inundação de 1966", conta Tesserin.
Indignado, lembra que os alertas feitos há um ano pelo recrudescimento do fenômeno da "Acqua Alta" não foram escutadas.
Esgoto doméstico e ratos afogados flutuavam nesta quarta-feira em meio aos becos inundados, enquanto jornalistas da AFP tentavam documentar os danos.
A célebre basílica, construída no ano 828 com uma variedade de estilos e materiais e reconstruída depois de um incêndio em 1063, torna-se particularmente vulnerável quando aumenta o nível da água.
"O dano externo que vemos hoje não é nada comparado ao sofrido em seu interior porque o sal corrói o mármore e os tijolos", explicou Tesserin.
A basílica, famosa por mosaicos dourados que adornam suas majestosas cúpulas e as decorações da tumba de São Marcos, é um museu vivo de arte bizantina.
"Especialistas tinham advertido em muitas ocasiões sobre os riscos que corre, mas não foram escutados", reiterou.
- Veneza afunda -O ministro italiano da Cultura, Dario Franceschini, anunciou que serão avaliados os danos causados ao patrimônio cultural da cidade, classificada como patrimônio mundial da Humanidade pela Unesco em 1987.
A cidade repousa sobre milhões de pilares cravados no lodo até chegar a um fundo mais sólido, os quais sustentam palácios e casas.
Mas a elevação do nível do mar e o fluxo constante de navios de cruzeiro têm contribuído para correr os pântanos e bancos de lodo circundantes.
A Sereníssima, que afunda gradativamente é, portanto, muito frágil aos caprichos do Mar Adriático.
O megaprojeto Mose, que devia salvar a cidade das marés altas, tem sido alvo de polêmicas diversas devido ao seu elevado custo, pois inicialmente deveria custar 2 bilhões de euros, mas este valor disparou por casos de corrupção que levaram à detenção, em 2014, do então prefeito, Giorgio Orsoni, e de outras 34 pessoas.
Os 78 diques flutuantes que deviam fechar a lagoa em caso de aumento das marés foi testado recentemente, mas o dispositivo causou vibrações perturbadoras e os engenheiros descobriram que algumas partes estavam oxidadas.
"Precisamos saber se MOSE funciona ou se é preciso implementar outro projeto", diz Tesserin.
Enquanto a Defesa Civil verifica o estado da cripta em busca de danos e equipes de voluntários trabalham para tirar a água da basílica, as autoridades temem novas inundações.
"Tememos a maré alta de novo esta noite e nos próximos dias. Sendo assim, para que Veneza sobreviva, devemos agir agora", pediu Tesserin.
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