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Coronavírus deixa prisões ainda mais isoladas; casos e mortes têm subnotificação

O Presídio de Itamaracá, em Pernambuco - Divulgação/Defensoria Pública
O Presídio de Itamaracá, em Pernambuco Imagem: Divulgação/Defensoria Pública

Em Brasília

21/08/2020 10h11

As precárias e superlotadas prisões brasileiras agora têm um agravante: a pandemia do novo coronavírus, que dificultou a ação dos serviços de saúde e deixou os presos mais isolados do que nunca dos seus familiares.

"Tenho medo de perder meu marido dentro do sistema (carcerário) porque desde sempre eles não têm um atendimento adequado, só que agora a preocupação é maior porque a gente está lidando com um inimigo invisível", disse à AFP Mônica (nome fictício), cujo marido está preso há quatro anos no estado de São Paulo.

Desde que foi detectado o primeiro caso da COVID-19 em um presídio no Rio de Janeiro, em abril, o vírus se alastrou rapidamente entre os mais de 748.000 presos no país - a terceira maior população carcerária no mundo.

As visitas e os transportes, por sua vez, tinham sido suspensos no final de março.

A superpopulação carcerária - que chega a 300%, em celas com péssima ventilação e iluminação - soma-se ao racionamento de água e a uma alimentação precária. Condições que tornam quase impossível evitar a propagação e contaminação pelo vírus.

"A saúde já era um problema grande antes da pandemia. Com a covid-19 agora a gente nem sabe o que vai acontecer", explica à AFP a especialista em Saúde Pública e Sanitarista Alexandra Sánchez, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Sem dados confiáveis

Mais de 17.300 presos estão infectados (2,3% do total de detentos) e quase cem morreram em decorrência do novo coronavírus, segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen).

Mas há subnotificação no número de casos, assim como em todo o país, o segundo mais afetado pela pandemia no mundo, com registro de mais de 112 mil mortes e 3,5 milhões de casos declarados.

Nas prisões, apenas 7,8% dos presos foram testados.

"Não se conhece a real situação", ressalta Sánchez.

Sol (nome fictício) está preocupada com o filho de 29 anos, preso por tráfico de drogas e que divide a cela com 42 pessoas na mesma penitenciária onde está o marido de Mônica.

"Mãe, estou doente, tem vários presos com dores no corpo e não há atendimento na enfermaria", disse-lhe o filho em uma das poucas cartas que recebeu desde abril.

Segundo levantamento recente, 38% dos 2.095 presidiários da penitenciária de Sorocaba II, em São Paulo, testaram positivos para o vírus.

"Essa taxa é altíssima, mostra a intensidade da circulação do vírus nessa unidade prisional. É impressionante", afirma Sánchez, lembrando que o número supera o registrado nas favelas do Rio, onde há maior prevalência da doença, que é de 25%.

Presos e carcereiros

As visitas suspensas, assim como as autorizações de trabalho para presos em regime aberto, gerou motins e fugas em massa. Também houve tumultos por medo de que agentes penitenciários fossem vetores de contaminação nas prisões, como de fato aconteceu.

Dos cerca de 110.000 agentes penitenciários, 7.143 foram infectados e 75 morreram de COVID-19, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

"A situação é desesperadora porque a gente fica sem notícia, eles omitem informação. Sabemos que não está tudo bem", lamenta Sol, que antes da pandemia visitava seu filho a cada 15 dias.

Visitas familiares são essenciais para fornecer aos presos alimentos e produtos de higiene. Para amenizar a situação, foi autorizado o envio desses produtos por correio, mas as encomendas não chegam a todos.

Direitos humanos

Em 8 de agosto, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) expressou "preocupação" com a rápida disseminação do vírus nas prisões brasileiras, e solicitou às autoridades que tomassem medidas para reduzir a superlotação ou que permitissem a libertação dos presos.

"Neste período de pandemia, o que se observa é uma potencialização das violações dos Direitos Humanos das pessoas presas", ressalta à AFP Leonardo Biagioni de Lima, Coordenador do Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública do estado de São Paulo.

Durante uma fiscalização realizada na Sorocaba II, a Defensoria constatou que presos com a COVID-19 ou que manifestavam sintomas compartilhavam celas com outros pacientes assintomáticos.

O Ministério da Justiça garante que tomou "todas as medidas" que cabíveis, embora peritos e defensores públicos assegurem que são insuficientes.

Lima critica o cumprimento "muito tímido" pelos tribunais de uma recomendação do CNJ para a libertação de presos que não cometeram crimes violentos.

O Ministério da Justiça afirma que libertou 49.747 presos (6,6%), mas os criminalistas garantem que a recomendação do CNJ poderia beneficiar um número muito maior de detentos, incluindo cerca de 2.000 mulheres grávidas ou lactantes.