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Dez anos depois da Primavera Árabe, milhares de manifestantes continuam presos

8.fev.2013 - Manifestantes tunisianos entram em confronto com a polícia durante protesto em Túnis - Salah Habibi/AFP
8.fev.2013 - Manifestantes tunisianos entram em confronto com a polícia durante protesto em Túnis
Imagem: Salah Habibi/AFP

07/12/2020 08h23

Beirut, 7 dez 2020 (AFP) - Há 10 anos, milhões de manifestantes sonhavam com uma mudança política nos países árabes, mas em muitos as esperanças viraram frustração e dezenas de milhares deles continuam presos, sobretudo no Egito e na Síria.

No Cairo ou em Damasco, capitais históricas do mundo árabe, o autoritarismo não foi derrotado e os regimes prosseguem com a repressão sistemática contra as vozes dissidentes.

O Egito, governado por Abdel Fattah al Sisi, tem 60 mil "presos políticos", de acordo com organizações de defesa dos direitos humanos. O país de 100 milhões de habitantes é uma "prisão a céu aberto", afirmou em 2018 a ONG Anistia Internacional.

O movimento popular, que derrubou o presidente Hosni Mubarak em 2011, permitiu a libertação de milhares de prisioneiros, principalmente islamitas.

Porém, menos de três anos depois da revolução, o presidente democraticamente eleito Mohamed Morsi, do grupo islamita Irmandade Muçulmana, foi derrubado pelo exército de Abdel Fattah al Sisi após grandes manifestações. Uma repressão violenta provocou mortes e a detenção de milhares de islamitas.

Na Síria, o regime de Bashar al-Assad resistiu e a revolta se tornou uma guerra civil. Dez anos depois, os detidos continuam morrendo nas prisões, onde a tortura é frequente, de acordo com as ONGs.

Damasco usa "a tortura e os desaparecimentos forçados como um meio de subjugar a oposição há décadas", destacou a Anistia em 2017. "Porém, desde 2011, a magnitude e a gravidade das violações do governo sírio contra os detidos aumentaram drasticamente".

Um relatório do 'Human Rights Data Analysis Group' (Grupo de Análises de Dados dos Direitos Humanos) indica que 17.723 pessoas morreram nas prisões sírias de dezembro de 2011 até março de 2015, o que representa a média de 300 óbitos por mês.

O Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH), que tem uma ampla rede de fontes, calcula que "100 mil pessoas morreram nas prisões" do país desde 2011.

Detenções "sistemáticas"

Cairo e Damasco negam as acusações e afirmam que as ONGs são "parciais e recebem dinheiro do exterior".

"Não há prisões arbitrárias, há detenções de acordo com a lei", declarou o ministro egípcio das Relações Exteriores, Sameh Chukry, em novembro.

Em uma era de luta contra os jihadistas, estes governos alegam que estão apenas ajudando a "luta contra o terrorismo".

Mas diversas famílias passam anos procurando seus entes queridos. Em 2018, a esperança acabou na Síria para centenas delas, quando o governo informou que muitas pessoas estavam mortas há vários anos.

"Mesmo no luto, temos medo e precisamos esconder nossa dor", declarou Salwa (pseudônimo) à AFP, depois que a morte de seu sobrinho foi anunciada, um ativista sírio detido em 2011 e sobre o qual a família não tinha notícias desde então.

No Egito, desde a chegada à Presidência de Sisi em 2014, a repressão se propagou para dissidentes de todo tipo, islamitas, mas também ativistas de esquerda, intelectuais e artistas.

O ex-deputado e opositor Zyad al Elaimy, de 40 anos, foi detido em junho de 2019 por envolvimento na criação de uma "Coalizão da Esperança" para as eleições legislativas, segundo sua mãe Ekram Yousef. Ele é acusado de pertencer à Irmandade Muçulmana y de ter ajudado a financiar um complô para derrubar o regime.

Yousef, uma jornalista de 64 anos, lamenta que a vida de seu filho seja "arruinada sem motivo algum". Mas afirma que é o "preço elevado que se paga para que vencer a revolução".

O regime de prisão preventiva é utilizado "sistematicamente para castigar os considerados opositores políticos", segundo a Anistia Internacional.

"Emigrar"

As ONGs também denunciam uma "reciclagem de casos": as autoridades renovam as acusações contra dissidentes cujo período máximo de prisão preventiva supera os dois anos previstos pela lei, com o objetivo de mantê-los atrás das grades.

Alguns detentos, com o engenheiro Alaa Abdel Fattah Seif, de 39 anos, mal conseguem sentir a liberdade. Este nome central da revolta de 2011 foi liberado em março de 2019 sob controle judicial, antes de ser detido em setembro do mesmo ano.

Acusada de estimular manifestantes e de "divulgar informações falsas" sobre o coronavírus, sua irmã Sanaa Seif, de 26 anos, também foi detida em junho de 2020.

Sua mãe, Laila Soueif, não sabe nada sobre os dois, exceto que na semana passada o filho foi incluído na "lista de terroristas" do Estado egípcio.

Esta professora de Matemática da Universidade do Cairo estimula a emigração de "todos aqueles que não podem viver aqui", um exílio pelo qual optaram muitos ativistas.

"Se a revolução não tivesse acontecido, nem Alaa nem Sanaa teriam sido detidos", afirma Soueif.

Mas ela diz que não se arrepende de seu compromisso. "A revolução não está condenada ao fracasso", proclama.