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Ucrânia: Necrotério em Bucha faz autópsias que podem provar possíveis crimes de guerra

19.abr.2022 - Funcionários fazem pausa ao lado de sacos mortuários no necrotério de Bucha, na Ucrânia, em meio à guerra com a Rússia - Yasuyoshi Chiba/AFP
19.abr.2022 - Funcionários fazem pausa ao lado de sacos mortuários no necrotério de Bucha, na Ucrânia, em meio à guerra com a Rússia Imagem: Yasuyoshi Chiba/AFP

20/04/2022 09h39

"Número 365, é o seu?", um voluntário ucraniano pergunta por trás de sua máscara, mostrando um saco cinza com corpos ao pé de um trailer, onde uma dúzia de outros corpos aguardam uma vaga no necrotério pequeno e lotado de Bucha.

"Sim, é para mim", responde um homem. "E a outra, é sua?", continua o voluntário, com pressa para terminar sua tarefa.

"Não, é deles", responde Yevguen Pasternak. Aos seus 44 anos, comparece ao necrotério "todos os dias" há duas semanas para tentar encontrar suas tias Ludia e Nina.

Liudmila Bochok, "Ludia", de 79 anos, morreu em 5 de março por tiros na cabeça e nas costas, segundo sua certidão de óbito. Seu corpo foi encontrado no chão de sua casa.

Sua irmã Nina, de 74 anos e com transtorno mental, que morava com ela, foi encontrada na cozinha morta de insuficiência cardíaca, segundo sua certidão, consultada pela AFP.

Seu sobrinho está convencido de que ela morreu de medo, solidão ou fome, já que os russos executaram sua irmã.

Depois de duas semanas caóticas abrindo dezenas de sacos de cadáver, vendo dezenas de corpos pálidos, Yevguen encontrou Ludia na segunda-feira, nos fundos de um caminhão branco. Sua tia Nina, no entanto, não estava lá.

Cerca de 4.000 pessoas permaneceram nesta cidade nos arredores de Kiev durante a invasão russa. Após sua retirada em 31 de março, 400 corpos foram encontrados, diz à AFP o chefe da polícia local, Vitali Lobas.

No entanto, "25% ainda não foi identificado", confessa. "A maioria morreu de forma violenta", a tiros, sem fornecer um número preciso.

Carretas mortuárias

Os corpos dos habitantes de Bucha mortos durante a ocupação começaram a ser recolhidos em 3 de abril e as autópsias começaram no dia 8 do mesmo mês, no necrotério central regional, em Bila Tserkva.

Uma equipe de 18 especialistas da guarda francesa colaboram nessas análises, que devem servir para as investigações locais e internacionais por possíveis crimes de guerra nesta cidade.

No estacionamento deste humilde necrotério, os corpos chegam em carretas, semirreboques ou empilhados em veículos utilitários e caminhões não refrigerados.

"Estamos entre 0 e 5 graus", explica um funcionário, não autorizado a fornecer seu nome.

Uma vez descarregadas, os sacos são deixados no chão, onde podem ficar por horas, segundo a AFP.

Em meio a essas figuras humanas cobertas de plástico, cujo cheiro atrai cães vadios da região, Nadia Somalenko aguarda implacavelmente a certidão de óbito do marido.

Os russos tiveram que tirá-lo de casa porque ainda encontraram restos de uma refeição na mesa, explica.

A mulher fugiu para Kiev, mas seu marido Mykola, de 61 anos, não quis sair de casa. Ele não tinha medo dos russos, diz Nadia. Depois de uma manhã de espera, a certidão chega. Causa da morte? "Tiro na cabeça".

"Deixe-me ver!"

Quando um caminhão entra no estacionamento do necrotério, a pequena mulher abre a porta sozinha. Indiferente ao fedor, vai entre os sacos procurar o número 163.

"É nosso, nosso filho! Deixe-me ver! Deixe-me ver se é ele ou não", implora. Liudmila quer abrir o saco, mas o marido se aproxima para impedi-la. O homem abaixa o zíper alguns centímetros e tenta afastar a esposa com a mão.

Com um baque, o cadáver é colocado em uma maca suja. A mãe, chorando, a empurra pelo estacionamento do necrotério. Então, inexplicavelmente, começa a correr com ele, como se fosse um homem ferido precisando urgentemente de tratamento em algum lugar.

Causa da morte? "Morto a tiros", afirma o atestado de óbito, consultado pela AFP.

Cavar, enterrar, recomeçar

Sergei Kaplichny, dono de uma pequena funerária ao lado do necrotério, corre de um caixão para outro em sua jaqueta laranja. Os corpos de três moradores desta cidade executados sem motivo aparente por soldados russos aguardam para serem enterrados lá.

À esquerda, em um caixão vermelho, está a tia Ludia, assassinada na porta de sua casa. No meio, Mykola, que foi levado durante sua refeição. E à direita, em um caixão preto, Mikhailo Kovalenko, 62 anos, morto por um franco-atirador ao tentar fugir, explica o genro.

Um carro azul balança pela estrada do cemitério e estaciona ao pé das sepulturas, interrompendo brevemente as orações do padre. Dois voluntários saem do carro, cada um com uma pá na mão. Quatro novos caixões chegam e as sepulturas precisam ser cavadas com urgência e depois cobertas antes que a noite caia. Amanhã, quando o sol nascer, será hora de recomeçar.