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Lula e amigo trataram de contrato da Petrobras com empresa de Eike, diz delator

Instituto diz que Lula nunca atuou como intermediário de empresas em contratos - Ueslei Marcelino/Reuters
Instituto diz que Lula nunca atuou como intermediário de empresas em contratos Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

Em São Paulo

21/10/2015 07h27Atualizada em 21/10/2015 14h17

Apontado pela força-tarefa da Operação Lava Jato como um dos operadores de propinas no esquema de irregularidades na Petrobras, Fernando Soares, o Fernando Baiano, afirmou em sua delação premiada que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reuniu com seu amigo, o pecuarista José Carlos Bumlai, e com João Carlos Ferraz, então presidente da Sete Brasil, para tratar de negócios relativos à estatal e investigados pela operação.

O encontro ocorreu no primeiro semestre de 2011, na sede do Instituto Lula, em São Paulo, e antecedeu a cobrança de R$ 3 milhões por Bumlai para supostamente quitar débito de uma nora do ex-presidente. Segundo disse Baiano em delação, Bumlai o pressionou para receber esse valor e alegou que precisava saldar a dívida imobiliária de uma nora de Lula, mas não revelou o nome dela.

"Essa reunião [entre Lula, Bumlai e Ferraz] foi realizada em São Paulo no final do primeiro semestre de 2011", afirmou Fernando Baiano em seu termo de delação premiada fechado com a força-tarefa da Lava Jato. Ferraz queria tratar de negócios intermediados por ele, em nome do grupo OSX, do empresário Eike Batista.

Ainda de acordo com Baiano, uma das reuniões com a presença de Lula aconteceu logo após um almoço entre o próprio Baiano, Ferraz e Bumlai para tratar de contratos relativos à Petrobras. "Antes dessa reunião, o depoente [Baiano] encontrou João Carlos Ferraz e Bumlai. Esse encontro ocorreu em um restaurante italiano embaixo de um flat, onde almoçaram", registra o termo de deleção.

Segundo o delator, o encontro aconteceu no restaurante Tatini, no Jardim Paulista, em São Paulo. "Bumlai orientou José Carlos Ferraz sobre o que falar a Lula", revelou Baiano. "Depois José Carlos Ferraz e Bumlai foram para a reunião com Lula e essa reunião ocorreu no Instituto Lula", afirmou ele.

Ferraz era ex-funcionário da Petrobras. Foi o primeiro presidente da Sete Brasil, empresa criada pela estatal com bancos e fundos de pensão, para contratação de 28 navios-sonda pelo valor de US$ 22 bilhões. Ferraz e outro ex-executivo da Sete Brasil, Eduardo Musa, confessaram em delação premiada que esses contratos envolveram propina de 1%. Parte abasteceu os cofres do PT, afirmou o ex-gerente de Engenharia da Petrobras Pedro Barusco.

'Velocidade'

"Ferraz disse que a reunião com Bumlai e Lula tinha sido muito boa", afirmou Baiano. O delator disse ainda que, segundo relatos de Ferraz, Lula teria falado em "dar mais velocidade" nos assuntos da empresa. "Ferraz disse que Lula foi bastante amável com ele e teria assumido o compromisso de ajudar a dar mais velocidade nos assuntos da Sete Brasil, para viabilizar uma consolidação mais rápida da indústria naval brasileira", registra a deleção.

Segundo Baiano, Ferraz o informou que, em decorrência da primeira reunião com Lula, foi agendado e, posteriormente, realizado um outro encontro, também no Instituto Lula, dessa vez, com a participação do presidente "do Sindicato da Indústria Naval, do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Naval ou algo do tipo".

Negociações

Fernando Baiano relatou em seu termo de delação que as negociações começaram em 2011, depois de ele ter procurado Bumlai para ajudar a OSX a participar do pacote de contratos da Sete Brasil, que estava sendo fechado no início da primeira gestão Dilma Rousseff.

O delator afirmou que, em determinado momento, ainda em 2011, conversou com Bumlai sobre empecilhos para concretizar o negócio, que acabou não se concretizando. Ele entendia "ser necessária uma providência mais incisiva para concretização da negociação".

"O depoente considerava indispensável ‘um peso maior’ para que o negócio fosse ultimado", registrou a força-tarefa. Bumlai, então, "ficou de acertar uma reunião entre João Carlos Ferraz e o ex-presidente Lula.". Segundo Baiano, como pagamento, Bumlai receberia metade da propina paga pela OSX.

Fernando Baiano disse que foi no decorrer dessas negociações da OSX com a Sete Brasil, intermediadas por Bumlai em contatos diretos com Lula, que, "em uma das visitas" do pecuarista, ele teria mencionado a necessidade de um "adiantamento na comissão que seria paga pela OSX". "Nessa reunião, Bumlai afirmou que precisava do dinheiro porque estava sendo pressionado para resolver um problema", disse Baiano.

"Bumlai disse que estava sendo cobrado por uma nora do ex-presidente Lula para pagar uma dívida ou uma parcela de um imóvel", relatou Baiano. Bumlai teria dito que "tinha ficado de resolver esse problema" e falou em uma dívida de R$ 3 milhões.

O delator afirmou ter dito a Bumlai que "não poderia ajudar com R$ 3 milhões, mas que poderia contribuir com R$ 2 milhões para resolver o problema".

O valor, segundo ele, foi repassado para o pecuarista através da empresa de locação de equipamentos São Fernando, por meio da emissão de uma nota fiscal por serviços não prestados. "O valor pago não foi o valor exato de R$ 2 milhões.", disse Baiano.

Defesas

Procurada pelo jornal "O Estado de S. Paulo", a assessoria do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que ele não iria comentar "supostos trechos de documentos que estão sob sigilo judicial".

"Reiteramos que o ex-presidente Lula nunca atuou como intermediário de empresas em contratos, antes, durante ou depois de seu governo. Jamais autorizou que o sr. José Carlos Bumlai ou qualquer pessoa utilizasse seu nome em qualquer espécie de lobby. Não existe a dívida de R$ 2 milhões supostamente mencionada na delação", informou a assessoria do Instituto Lula.

A assessoria do pecuarista Bumlai também negou à reportagem as afirmações feitas por Fernando Baiano, em delação premiada: "A respeito das questões encaminhadas, insistimos que o empresário JCB (José Carlos Bumlai) nunca atuou em nome de OSX ou de Fernando Baiano em quaisquer demandas, nem pediu dinheiro usando o nome do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ou seus familiares, para beneficiar quem quer que fosse. Mais uma vez, informações já contestadas por nós são misturadas irresponsavelmente, na tentativa de criar novos fatos que, na prática, não existem", diz o texto.

O jornal não conseguiu contato ontem com representantes da empresa OSX, que, em outras ocasiões, negou irregularidades em seus negócios. O ex-presidente da Sete Brasil João Carlos Ferraz fechou acordo de delação premiada com a força-tarefa da Operação Lava Jato. Ele também não foi localizado ontem. As informações são do jornal "O Estado de S. Paulo".