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Resistência à hegemonia do PT fragmenta oposição

Ernani Ogata/Estadão Conteúdo
Imagem: Ernani Ogata/Estadão Conteúdo

Ricardo Galhardo e Pedro Venceslau

São Paulo

06/03/2019 11h00

Líderes de partidos de oposição a Jair Bolsonaro estimam ter entre 160 e 180 cadeiras na Câmara. O número seria suficiente para, no limite máximo, barrar a aprovação de emendas à Constituição e inviabilizar reformas. No mínimo, já poderia complicar a vida do governo - que ainda enfrenta dificuldades para montar uma base sólida de apoio na Casa. Isso seria verdade se a oposição estivesse unida, algo que não ocorreu até agora.

Disputas pela hegemonia no campo da esquerda - que nos últimos anos esteve sempre nas mãos do PT-, por espaços e postos no Parlamento e diferenças regionais ou de concepção estratégica estão por trás da falta de coesão das esquerdas. Outra forte razão é a perspectiva de candidaturas opostas nas eleições de 2022.

A divisão repete o segundo turno da campanha presidencial do ano passado, quando Guilherme Boulos (PSOL) e Marina Silva (Rede) apoiaram Fernando Haddad (PT), enquanto Ciro Gomes (PDT) resistiu a compor uma frente para enfrentar Bolsonaro. Seu partido acabou oferecendo "apoio crítico" ao candidato petista. A distância se aprofundou durante a disputa pelos cargos da mesa diretora da Câmara. Neste caso, os parlamentares se dividiram quanto ao apoio à reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ).

"Existe uma diferença de tática sobre como enfrentar Bolsonaro, isso é inegável. No caso de Ciro e do PCdoB, isso se expressou no apoio ao Maia", disse o presidente do PSOL, Juliano Medeiros. Ele vai insistir na proposta de um fórum de presidentes dos partidos, apresentada no início de 2018 e logo abandonada por falta de adesões.

Divisões

Os partidos se dividem em dois grupos. De um lado, o bloco liderado por PCdoB e PDT, que afirmam defender uma oposição "responsável" ao governo Bolsonaro, de olho nos votos que essa estratégia pode trazer entre eleitores de centro-esquerda. Eles integram um bloco na Câmara com outros seis partidos que totaliza 83 votos, mas admitem que alguns deles devem compor a base do governo.

De outro lado, estão PT, PSB, PSOL e Rede, com 97 cadeiras, que defendem uma oposição sistemática a Bolsonaro. Eles dizem contar ainda com parlamentares desgarrados de siglas como MDB, PSDB, Solidariedade, PPS, PV, PROS, PP e Podemos, que se dizem insatisfeitos com o governo federal.

A divisão afeta até as mobilizações de rua. Diante da dificuldade para ampliar as adesões para além do campo da esquerda, as frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, que reúnem partidos e movimentos de esquerda, desistiram da ideia de criar uma aliança em defesa de bandeiras da democracia que, na avaliação dos dois grupos, estariam sob ameaça com o novo governo. "Não há disposição política para uma frente permanente", disse Raimundo Bonfim, da Frente Brasil Popular.

Bonfim confirma que os motivos para o distanciamento são a opção de Ciro e do PDT por buscarem setores do eleitorado de centro, o incômodo causado pelo hegemonismo do PT e o afastamento do PCdoB em relação ao PT.

As frentes também não contam com a participação de entidades ligadas ao PCdoB na jornada de manifestações contra a reforma da Previdência, programada para este mês. A União Nacional dos Estudantes (UNE), historicamente ligada à sigla, não compareceu a três reuniões da Frente Brasil Popular.

Filiada ao PCdoB, a presidente da UNE, Marianna Dias, disse que a entidade não participou das reuniões por motivos "operacionais": a organização da Bienal de Cultura da entidade, que foi realizada em Salvador.

Lula

Segundo os políticos, a oposição deve se unir apenas em torno de temas pontuais, como a reforma da Previdência, mas não vai formar um bloco homogêneo. "Vamos nos rearticular em torno da Previdência. Já estamos mantendo conversas bilaterais", disse o deputado José Guimarães (PT-CE). O presidente do PDT, Carlos Lupi, vai na mesma linha. "Temos divisões de comportamento, mas não de visão estratégica."

Já o PSB, com seus 32 deputados e três governadores, vai defender a unidade na luta contra a reforma da Previdência, mas deve manter distância do "Lula Livre". "A proposta (da reforma) é tão ruim que não tem como ter divisão", disse o presidente da sigla, Carlos Siqueira. "Achamos lamentável o ex-presidente estar preso, mas o 'Lula Livre' é uma campanha mais específica do PT", disse ele.

A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), líder da minoria na Câmara, minimiza o racha e elenca uma série de ações conjuntas marcadas para os próximos meses, como uma greve geral em 1.º de maio. "O 'Lula Livre' é uma bandeira central da democracia. O que o Ciro acha disso não importa. Estamos todos juntos na oposição ao Bolsonaro."

Disputa

Não bastassem as dificuldades para negociar um acordo com os demais partidos de oposição, o PT - que elegeu a maior bancada da Câmara e teve 47 milhões de votos no segundo turno da eleição presidencial - ainda precisa resolver suas próprias diferenças internas.

A disputa pela presidência do partido já começou. A atual presidente, Gleisi Hoffmann, deve tentar a reeleição. A deputada federal conta com o apoio do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso em Curitiba, e de grupos organizados como o Movimento dos Sem Terra (MST), mas enfrenta resistências dentro de sua própria corrente, a Construindo um Novo Brasil (CNB).

Um grupo de governadores ligados à corrente defende um nome do Nordeste para presidir o PT. Os nomes colocados na mesa são os do senador Humberto Costa (PE) e do deputado José Guimarães (CE).

No ano passado, a ala da CNB contrária à Gleisi tentou emplacar o candidato derrotado à Presidência, Fernando Haddad, como sucessor da deputada, mas Lula vetou a articulação.

As diversas alas do PT não conseguem chegar a um acordo nem mesmo sobre o calendário para escolha das novas direções. A única certeza é que um plebiscito interno será realizado para decidir se o partido mantém o modelo de eleições diretas ou se volta a adotar o sistema de escolha de delegados.

Além disso, o PT tenta apaziguar a relação entre Gleisi e Haddad, hoje a maior figura do partido depois de Lula. A relação, que nunca foi boa, azedou de vez depois da tentativa frustrada de emplacar Haddad como presidente do PT.

Na última reunião da executiva nacional do partido, no dia 9 de fevereiro, os dois bateram boca por causa da viagem de Gleisi a Caracas para a posse de Nicolás Maduro. No dia seguinte, Gleisi anunciou que Haddad seria o coordenador dos Núcleos de Acompanhamento de Políticas Públicas do PT, mas o ex-prefeito recusou a tarefa. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.