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Suplicy, sobre renda básica: 'Se Bolsonaro fizer uma coisa boa, vou reconhecer'

O vereador Eduardo Suplicy tem participado de conversas via internet desde março - 26.jun.2020 - Reprodução/Facebook/eduardosuplicy
O vereador Eduardo Suplicy tem participado de conversas via internet desde março Imagem: 26.jun.2020 - Reprodução/Facebook/eduardosuplicy

Bruno Ribeiro

15/10/2020 18h00

Há mais de 30 anos, o vereador paulistano Eduardo Suplicy (PT) tem como principal bandeira a defesa da ideia de implementação de uma renda básica universal como saída para a pobreza do País, trazendo o tema para quase todas as discussões em que se envolve. Neste ano, por causa da pandemia do coronavírus e à crise econômica trazida pela doença, ele viu candidatos dos mais diferentes campos políticos a até a equipe econômica do governo Jair Bolsonaro, ferrenho crítico de seu partido, discutirem propostas que se assemelham às ideias que defende.

Desde os anos 1990, quando apresentou a primeira proposta do gênero, Suplicy acompanhou programas que davam estímulos para as crianças permanecerem na escola, terem atendimento médico ou que custeavam gás de cozinha, do governo Fernando Henrique Cardoso, serem unificados e ampliados no governo Lula de forma a criar o Bolsa Família. O programa é, na visão do ex-senador, "um passo" no sentido da renda básica.

O vereador de 79 anos, que tenta mais um mandato em novembro, na sua 11ª disputa eleitoral, falou com o Estadão no começo da noite de quarta-feira, 14, algumas horas após o prefeito da capital paulista, Bruno Covas (PSDB), que tenta a reeleição, divulgar no Twitter um pedido para que um projeto de lei de Suplicy, que cria uma renda básica temporária na cidade, seja colocado em votação.

O sr. tem acompanhado as discussões para criação de uma renda básica no País? O que tem achado desse movimento?

Acho muito positivo. No ano passado, em 3 de abril, quando o Paulo Guedes esteve no plenário da Câmara para uma audiência pública sobre a reforma da Previdência, o deputado Paulo Teixeira, do PT, perguntou que propostas ele tinha para erradicar a pobreza e o que ele achava da renda básica de cidadania. Primeiro, ele elogiou o Bolsa Família e o presidente Lula por tê-la implementado. Disse que o Suplicy apresentou uma renda básica que o Milton Friedman (economista da Universidade de Chicago) aprova. Ele disse que, se tirássemos o espírito de briga que havia entre nós, poderíamos ter entendimento. Achei super interessante e lhe escrevi uma carta. Ele próprio não me respondeu. Em Capitalismo e Liberdade, Milton Friedman argumenta que o capitalismo é o sistema mais compatível com a liberdade do ser humano. Mas não consegue resolver bem o problema da pobreza. Se quiser resolver, então o melhor é aplicar o imposto de renda negativo, que vai garantir uma renda mínima para todos. Quando, em abril passado, o Congresso aprovou o auxílio emergencial, surgiu um enorme interesse no debate sobre a renda básica. A ponto de, em 21 de julho passado, 220 parlamentares, de 23 dos 24 partidos representado no Congresso Nacional, formarem a Frente Parlamentar em Defesa da Renda Básica, presidida pelo João Campos (PSB-PE), filho do ex-governador Eduardo Campos, da qual fui convidado para ser o presidente de honra. Na terça-feira, dia 20, às 10 horas da manhã, vai ser lançado o manifesto da bancada de candidatos a vereador e a prefeito, a vereadoras e a prefeitas de todo o Brasil em favor da renda básica de cidadania, a bancada da renda básica.

De que forma o sr. analisa o fato de essa discussão ganhar força durante o governo Bolsonaro, histórico crítico das pautas da esquerda?

Sou oposição ao Bolsonaro e discordo de quase tudo o que ele tem falado. Quando ele, naquela reunião de ministros de 22 de abril que passou na televisão, falou que queria distribuir armas a todo povo brasileiro, eu fiquei assustado. Quando ele anunciou que estava com covid-19 e precisaria ficar pelo menos duas semanas no Palácio da Alvorada, falei: 'Ah, quem sabe ele possa ter um tempo para ler?'. Mandei para ele o livro A Utopia, de Thomas More (filósofo humanista do Renascentismo) de 1516. Mandei numa sexta-feira, o gabinete do presidente na quarta-feira me agradeceu, reconheceu que recebeu o livro. Não disse que tenha lido (risos). Por que eu mandei? O Thomas More, em 1516, traz um diálogo no livro sobre a pena de morte, dizendo que não estava diminuindo a criminalidade violenta, os assaltos, os roubos, os assassinatos, que o presente está querendo resolver com arma na mão. Então, daí, o viajante português (citado no livro) pondera: "Muito mais eficaz do que infligir esses castigos horríveis àquele que não tem outra alternativa senão de primeiro tornar-se um ladrão para daí ser transformado em cadáver, é você assegurar a sobrevivência das pessoas". Ele fundamentou a renda básica de cidadania. Só que até agora o presidente não disse que leu o livro, essa lição que mandei ainda para o Paulo Guedes (risos).

Muitos analistas atribuem a avaliação positiva do presidente ao fato de haver o auxílio emergencial, e dizem que uma renda básica permanente poderia fortalecê-lo eleitoralmente. Como se sentiria vendo sua pauta ser implementada por um governo como o dele, do qual o sr. discorda?

Pode até acontecer, mas o que quero é a renda básica de cidadania. Se o presidente Bolsonaro resolver abraçar a ideia, como o prefeito Bruno Covas resolveu sinalizar para o presidente da Câmara Municipal…. O projeto da renda básica é assinado por 30 vereadores, já foi votado duas vezes, mas não alcançou os 28 votos necessários. Fiz um apelo, até mandei um vídeo para o Bruno Covas, e fui ter um encontro com o secretário da Fazenda, Philippe Duchateau, e o Orlando Faria, da Casa Civil, e mostrei a eles que é viável, são só três meses, R$ 100 por mês emergencial. Daí, fiz dois discursos (na Câmara) na semana passada e hoje (quarta, 14), outro. Aí, o Orlando liga para a minha chefe de gabinete e fala 'olha, o prefeito resolveu que vai falar para o Eduardo Tuma que pode colocar na pauta para poder votar'. Eu fiquei super contente! E vou reconhecer, obviamente. E, se o Paulo Guedes e o Jair Bolsonaro concordarem que é uma coisa positiva (a criação de uma renda básica universal e permanente), vou elogiar, vou reconhecer. Se ele faz uma coisa boa, em benefício do povo brasileiro, o Brasil será, se for instituído a renda básica de cidadania, o primeiro país do mundo que a aprova para todos os seus habitantes.

A pandemia de covid-19 será um divisor de águas? O sr. avalia que pensaremos nela, no futuro, como o momento em que a discussão sobre renda básica realmente entrou na pauta da sociedade?

Muitos dos pensadores mais importantes do mundo vêm reconhecendo a importância da renda básica. Barack Obama, por ocasião dos 100 anos de Nelson Mandela, em um discurso tão lindo no estádio de Johanesburgo, disse que, com a velocidade cada vez maior da inteligência artificial, com os automóveis sem motorista, daqui a pouco nós precisamos pensar em novos meios de organização da sociedade, e inclusive numa renda básica para todos. Mohammad Yunis, inventor do microcrédito, prêmio Nobel da Paz (em 2006), deu entrevista no ano passado dizendo que, agora, é necessário, imprescindível, a renda básica. Mas a história vem de longe. Em 520 a.C, o mestre Confúcio, no Livro das Explicações e Respostas, diz que "a incerteza é ainda pior do que pobreza e pode alguém sair de casa senão pela porta? É de bom senso". Aristóteles, em Política, 300 anos antes de Cristo, diz que a política é a ciência de como alcançar o bem comum, a justiça para todos. Se formos à Bíblia Sagrada, a palavra mais citada, 513 vezes, é justiça na sociedade, justiça social, o rabino Henry Sobel me ensinou.

E qual a resposta do sr. para aqueles que acham que, com uma renda garantida, as pessoas deixarão de querer trabalhar?

(Os economistas) Abhijit V. Banerjee e Esther Duflo, em Good Economics for Hard Times, citam que muitas pessoas ficam fazendo a pergunta 'será que muitas pessoas não deixarão de trabalhar?' Só que eles realizaram uma pesquisa, com um número muito grande de pessoas, e 87% disseram que não iriam deixar de trabalhar. E toda a evidência nesse livro, que tem 400 páginas, sugere que a maioria das pessoas quer trabalhar não porque precisa de dinheiro, mas porque trabalhar traz um senso de objetivo, de a pessoa se pertencer, de dignidade. Não é porque a pessoa vai receber a renda básica que ela vai deixar de trabalhar. A pessoa não precisa se sujeitar a uma condição de trabalho que vá ferir sua dignidade, que coloque sua família em risco, que desagrade. Por isso que a renda básica vai aumentar o grau de liberdade para todos.