Dono de empresa recebida por Pazuello foi condenado por fraude em importação
O então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, abriu as portas do ministério para representantes de uma empresa que pretendia intermediar a venda ao governo de 30 milhões de doses da CoronaVac, vacina do laboratório chinês Sinovac já em uso no país graças à parceria com o Instituto Butantan.
A World Brands Distribuição, de Santa Catarina, está registrada em nome do empresário Jaime José Tomaselli. Ele foi um dos três condenados pela Justiça Federal de Itajaí (SC), em maio de 2014, por participar de um conluio que fraudou documentos de importação de produtos.
Segundo a decisão do juiz Marcelo Micheloti, notas fiscais de importação de "carrinhos de controle remoto, embalagens em cartela de papel com plástico e lâmpadas fluorescentes" eram falsamente emitidas em nome de uma das empresas de Jaime, a Marfim.
Os produtos, na verdade, eram adquiridos por outra firma, em uma operação que tinha por objetivo "ocultar a real adquirente e ludibriar a fiscalização estatal".
Jaime Tomaselli foi condenado a um ano e seis meses de prisão. A pena foi transformada em pagamento de R$ 54 mil em multa e prestação de serviços comunitários.
A decisão foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Um recurso especial e um habeas corpus foram negados pelo Superior Tribunal de Justiça.
Vídeo com empresários
Eduardo Pazuello recebeu os representantes da World Brands em 11 de março. Na oportunidade, gravou um vídeo ao lado deles para anunciar o interesse na aquisição dos imunizantes contra a covid-19. Na gravação, apenas uma pessoa identificada como "John" se manifesta em nome da empresa.
O vídeo foi revelado pela "Folha de S. Paulo". Segundo o jornal, o preço da dose negociado pela empresa seria quase três vezes maior do que o do Instituto Butantan. A companhia cobraria US$ 28 por dose da CoronaVac —cerca de R$ 155 naquele dia. O preço do Butantan é de aproximadamente R$ 58, convertidos.
"Saímos daqui hoje com o memorando de entendimento já assinado e com o compromisso do ministério de celebrar, no mais curto prazo, o contrato para podermos receber essas 30 milhões de doses no mais curto prazo possível para atender a nossa população", diz Pazuello.
No vídeo, "John" agradece pelas "portas abertas" que encontrou no ministério.
"Muito obrigado, ministro, pela oportunidade de nos receber também, como empresário, eu acho que sempre nós pensamos no trabalho, mas principalmente na contribuição social que podemos oferecer hoje. E junto em parceria com tanta porta aberta que o ministro nos propôs, eu acredito que nós podemos fazer essa parceria por um longo e duradouro tempo para vários produtos inclusive se necessário, tá?", declarou.
O site da World Brands está registrado em nome da Marfim.
Pazuello pediu demissão 3 dias após encontro
Três dias depois do vídeo, o general, que já vinha pressionado por conta da maneira como conduzia a pasta, pediu demissão do cargo. A exoneração foi efetivada no dia 23 de março. A gravação é um dos documentos analisados pela CPI da Covid, que apura erros e fraudes na gestão da pandemia pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido).
O vídeo contradiz uma informação apresentada pelo próprio Pazuello ao depor à CPI, em 19 de maio. O general afirmou aos senadores que não cabia ao ministro negociar diretamente a compra de vacinas.
A versão foi apresentada ao ser cobrado sobre não ter liderado tratativas com a Pfizer, que tentou por diversas vezes abrir negociações com o governo brasileiro para vender vacinas.
"Sou o dirigente máximo, eu sou o decisor, eu não posso negociar com a empresa. Quem negocia com a empresa é o nível administrativo, não o ministro. O ministro jamais deve receber uma empresa", afirmou.
Segundo a CNN, a reunião da World Brands no Ministério da Saúde foi solicitada pelo senador Eduardo Gomes (MDB-TO), líder do governo no Congresso. Ao "Estadão", a assessoria do parlamentar afirmou que ele não fez nenhum pedido formal de agenda, não conhece a empresa e não tem nada a ver com a história.
CPI apura negociações do Ministério da Saúde
A CPI busca apurar o que levou empresas e ONGs desconhecidas e sem expertise no ramo de vacinas a acessaram a cúpula do ministério com facilidade com promessas de venda de vacinas, enquanto multinacionais como a Pfizer não foram atendidas com agilidade.
No caso da vacina indiana Covaxin, a Precisa Medicamentos assinou contrato antes mesmo de a Anvisa dar aval ao produto. A intermediária do laboratório Bharat Biotech é controlada por Francisco Maximiano, empresário que é réu em um processo de improbidade por ter, no governo passado, recebido R$ 20 milhões e não ter entregue medicamentos de alto custo como previsto em contrato.
Os senadores também apuram a relação de integrantes e de ex-integrantes do governo com a Davati Medical Supply. A empresa dos EUA destacou um representante no Brasil para tentar vender até 400 milhões de doses da Astrazeneca ao governo.
A farmacêutica não trabalha com intermediários e, no País, já tem convênio com a Fiocruz. Segundo o depoimento do cabo da PM de Minas Gerais Luiz Paulo Dominguetti, o ex-diretor de logística do ministério Roberto Ferreira Dias cobrou propina de US$ 1 para viabilizar a negociação, que não andou.
Ao recorrer ao STJ, Jaime Tomaselli alegou que a operação não apresentou "potencialidade de quebra da cadeia do IPI". Argumentou que "a conclusão dos julgadores foi equivocada, pois as autoridades apreenderam as mercadorias e decretaram seu perdimento".
Além disso, o empresário pontuou, por meio dos advogados, que não há prova do crime "apenas por ter assinado um contrato de compra e venda de mercadoria, pois não sabia dos acertos ilícitos entabulados por terceiros". A reportagem não conseguiu contato com a empresa.
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