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Por que gera tanto conflito chamar de genocídio o massacre de armênios?

24/04/2015 05h18

O massacre dos armênios pelos turcos otomanos durante a 1ª Guerra Mundial permanece até hoje um assunto extremamente sensível.

A Turquia se nega a reconhecer a matança de 1915-1916 como genocídio, enquanto historiadores ainda se mantêm divididos sobre a denominação.

Nesta sexta-feira, completam-se 100 anos do massacre e o assunto voltou fortemente ao noticiário mundial.

Até a celebridade americana Kim Kardashian, que tem ascendência armênia, visitou o país recentemente para atrair atenção para a causa.

Abaixo, a BBC explica os principais pontos do chamado 'genocídio' armênio.

O que aconteceu?

Há um consenso de que centenas de milhares de armênios morreram quando foram deportados em massa pelos turcos otomanos do leste da Anatólia (Ásia Menor) ao deserto da Síria em algum momento entre 1915 e 1916. Eles foram mortos ou morreram de fome ou doentes.

O número total de armênios mortos, entretanto, é alvo de disputa. Os armênios dizem que 1,5 milhão morreram. Já a Turquia estima a conta em 300 mil.

Segundo a Associação Internacional dos Estudiosos de Genocídio (IAGS, na sigla em inglês), o saldo foi "mais de 1 milhão".

Em uma carta endereçada ao então premiê turco Recep Tayyip Erdogan, em 2005, a IAGS disse querer "destacar que não apenas os armênios dizem que o genocídio armênio ocorreu, mas a esmagadora maioria dos pesquisadores que estuda genocídio".

O que é genocídio?

O artigo número 2 da Convenção de Viena sobre Genocídio, de dezembro de 1948, descreve o genocídio como atos com o objetivo de "destruir, parcial ou totalmente, um grupo étnico, racial, religioso ou nacional".

As mortes eram sistemáticas?

A polêmica sobre se ocorreu de fato um  "genocídio" se centra na questão da premeditação -- o grau com que a matança foi orquestrada.

Muitos historiadores, governos e o povo armênio acredita que houve um extermínio calculado, mas um grupo de estudiosos questiona isso.

Raphael Lemkin, um advogado judeu polonês que cunhou o termo "genocídio" em 1943, usa o termo para definir tanto as atrocidades contra os armênios quanto o extermínio de judeus pelos nazistas.

As autoridades turcas não negam que atrocidades tenham sido cometidas, mas argumentam que não houve uma tentativa sistemática de destruir o povo armênio. O governo do país diz que muitos muçulmanos inocentes também morreram em meio à guerra.

Qual era o contexto político?

Os Jovens Turcos -- um movimento encabeçado por oficiais das Forças Armadas que tomou o poder em 1908 -- implementou uma série de medidas contra os armênios em meio à derrocada do Império Otomano por causa da 1ª Guerra Mundial. O grupo, que se chamava Comitê de Unidade e Progresso (CUP), aderiu ao conflito ao lado da Alemanha em 1914.

A propaganda turca naquela época apresentava os armênios como "sabotadores" e uma "quinta coluna" pró-Rússia.

Os armênios, por sua vez, marcam o dia 24 de abril de 1915 como o que consideram o início do "genocídio". A data refere-se à prisão de 50 intelectuais e líderes comunitários armênios pelo governo otomano. Eles foram posteriormente executados.

Alguém foi responsabilizado pelos massacres?

Várias figuras do alto escalão do governo otomano foram levadas a julgamento na Turquia entre 1919 e 1920 por associação às atrocidades. Um governador local, Mehmed Kemal, foi considerado culpado e morto por enforcamento pelo massacre dos armênios no distrito de Yozgat, na região central da Anatólia.

O triunvirato dos Jovens Turcos -- os "Três Pashas" -- já havia fugido do país. Eles foram condenados à morte in absentia.

Historiadores vêm questionando os procedimentos judiciais desses julgamentos, a qualidade das provas apresentadas e o quanto as autoridades turcas tentaram agradar os Aliados vencedores.

Quais países reconhecem e quais não reconhecem o massacre como 'genocídio'?

Argentina, Bélgica, Canadá, França, Itália, Rússia e Uruguai estão entre os mais de 20 países que formalmente reconheceram o "genocídio" contra os armênios.

O Parlamento Europeu e a Sub-Comissão para a Prevenção da Discriminação e Proteção das Minorias da ONU também já o fizeram.

O Reino Unido, os Estados Unidos e Israel estão entre os que usam terminologias diferentes para descrever os eventos. Em referências ao massacre, o Brasil se diz solidário às vítimas do que classifica como tragédia, mas não menciona a palavra genocídio.

A Turquia reagiu fortemente depois que o papa Francisco classificou o episódio como "o primeiro genocídio do século 20" às vésperas do centenário.

O governo turco convocou seu embaixador no Vaticano para consultas e acusou o papa de ter "discriminado o sofrimento das pessoas".

Segundo o Ministério das Relações Exteriores do país, o pontífice "negligenciou as atrocidades que os turcos e os muçulmanos sofreram na 1ª Guerra Mundial e somente chamou a atenção para o sofrimento dos cristãos, especialmente o do povo armênio".

Em 2006, a Turquia condenou uma votação no Parlamento francês que tornaria crime negar que os armênios sofreram um "genocídio". O projeto de lei não foi aprovado -- mas a Turquia suspendeu relações militares com Paris.

Em dezembro de 2011, alguns parlamentares do UMP -- o então partido de direita no poder na França -- reviveram o projeto de lei, apesar das críticas contundentes do governo turco. A proposta chegou a ser aprovada pelo Senado em janeiro de 2012, mas posteriormente acabou sendo rejeitada pelo Conselho Constitucional, o mais alto órgão do Judiciário francês.

Em março de 2010, a Turquia convocou seu embaixador em Washington para consultas depois que um comitê do Congresso americano aprovou, por uma margem apertada de votos, uma resolução classificando o massacre como "genocídio".

O Comitê de Relações Exteriores da Câmara dos Representantes (o equivalente à Câmara dos Deputados nos Estados Unidos) endossou o pleito, apesar das objeções da Casa Branca.

Qual é o impacto político da disputa?

As mortes são consideradas um evento-chave da história moderna da Armênia e servem para explicar a diáspora.

Até hoje, os armênios são um dos povos mais dispersos do mundo.

Na Turquia, o debate público sobre o "genocídio" vem sendo sufocado.

O artigo 301 do Código Penal do país, que prevê penas para quem insultar "a qualidade do ser turco", vem sendo usado para processar escritores proeminentes que falam sobre o extermínio em massa dos armênios.

Entre eles, estão os ganhadores do prêmio Nobel Orhan Pamuk e Hrant Dink, este último morto em janeiro de 2007. Um adolescente ultranacionalista, Ogun Samast, foi condenado a 23 anos de prisão em julho de 2011 por ter assassinado Dink, um armênio-turco que editava um jornal bilíngue.

A União Europeia disse que a aceitação do "genocídio" armênio pela Turquia não é uma condição para a entrada do país no bloco comum.

Qual é o status das relações entre Armênia e Turquia?

Depois de décadas de hostilidade, houve uma ligeira reaproximação entre os dois países. Turquia e Armênia assinaram um acordo em outubro de 2009 estabelecendo relações diplomáticas e abrindo fronteiras.

Mas o documento ainda precisa ser ratificado pelo Parlamento dos dois países, e Ancara acusa a Armênia de tentar alterar os termos do pacto.

Um fator complicador é a suspeita mútua sobre o conflito Nagorno-Karabakh, uma região montanhosa no sul do Cáucaso disputada entre Armênia e Azerbaijão, este último apoiado pela Turquia.