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'Minha estranha experiência como professor do príncipe saudita Mohammed bin Salman'

Mohammed bin Salman virou líder da Arábia Saudita no ano passado - AFP
Mohammed bin Salman virou líder da Arábia Saudita no ano passado Imagem: AFP

19/12/2018 14h30

Carros de luxo, walkie-talkies e protocolos reais. Jornalista da BBC conta sua experiência ensinando inglês ao príncipe herdeiro da Arábia Saudita.

O controverso príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, era pouco conhecido fora do país até se tornar efetivamente seu líder, no ano passado.

O jornalista da BBC News Árabe, Rachid Sekkai - que ensinou inglês a ele na infância - descreve a seguir a experiência inusitada de ter experimentado a vida na corte real durante esse período.

Eu estava ensinando na prestigiada escola Al-Anjal, na cidade de Jidá, quando recebi uma ligação no início de 1996.

O governador de Riad, príncipe Salman bin Abdul Aziz Al Saud, havia se mudado temporariamente com sua família para a cidade portuária do Mar Vermelho e precisava de um professor de inglês para os filhos.

O homem que mais tarde se tornaria rei contatou a escola e me levaram imediatamente ao palácio para servir como professor particular para alguns dos filhos de seu primeiro casamento: o príncipe Turki, o príncipe Nayef, o príncipe Khalid e, é claro, o príncipe Mohammed.

Um motorista me pegava às 7h para me levar à escola de Al-Anjal, e quando as aulas terminavam no meio da tarde, ele me levava para o palácio.

Quando cruzávamos os portões, sob forte vigilância, o carro passava por uma série de casas impressionantes com jardins impecáveis mantidos por trabalhadores de uniformes brancos.

Havia um estacionamento com uma frota de carros de luxo exclusivos. Foi a primeira vez que vi um Cadillac rosa.

Ao chegar à fortaleza real, era acompanhado até o interior pelo diretor do palácio, Mansoor El-Shahry, um homem de meia-idade de quem o príncipe Mohammed, na época com 11 anos, gostava muito.

Rachid Sekkai fotografado na escola Al-Anjal, em Jidá. Após expediente na instituição, motorista o levava para dar aula aos príncipes - BBC - BBC
Rachid Sekkai fotografado na escola Al-Anjal, em Jidá. Após expediente na instituição, motorista o levava para dar aula aos príncipes
Imagem: BBC

Walkie-talkie

Mohammed parecia mais interessado em passar tempo com os guardas do palácio do que em assistir às minhas aulas. Como ele era o mais velho entre os irmãos, aparentemente lhe permitiam fazer o que bem entendesse.

Minha capacidade de prender a atenção dos príncipes mais jovens só durava até que Mohammed aparecesse.

Ainda me lembro dele usando um walkie-talkie durante nossas aulas. Ele havia tomado o aparelho de um dos guardas.

Mohammed usava o dispositivo para fazer piadas sobre mim e brincar com os irmãos e os guardas que estavam do outro lado da sala.

Elogios e críticas

Hoje, o príncipe de 33 anos é ministro da Defesa e herdeiro do trono saudita.

Desde que se tornou líder da Arábia Saudita no ano passado, MBS, como também é conhecido, tem tentado se posicionar como o modernizador do reino.

Enfrentando a oposição dos clérigos conservadores, ele liderou reformas econômicas muito necessárias e iniciou um programa de liberalização naquele país conservador.

Tem sido elogiado por algumas de suas medidas e também criticado pelo histórico da Arábia Saudita em relação aos direitos humanos.

As críticas nesse quesito se devem, por exemplo, a sua guerra aparentemente interminável no Iêmen e ao assassinato do jornalista e crítico saudita Jamaal Khashoggi na embaixada saudita na Turquia, em outubro passado.

A Arábia Saudita acusou 11 pessoas do assassinato e nega que o príncipe herdeiro tenha tido qualquer envolvimento no caso.

Em certa ocasião, fiquei surpreso quando Mohammed me contou que sua mãe, a princesa, dissera que eu parecia "um verdadeiro cavalheiro".

Não me lembro de tê-la encontrado em qualquer ocasião, porque as mulheres da realeza na Arábia Saudita não se deixam ver por estranhos. Na verdade, a única mulher que encontrei no palácio foi uma babá das Filipinas.

Eu não havia me dado conta de que eles me vigiavam, até que o futuro herdeiro do trono apontou para algumas câmeras de circuito fechado na parede. Daquele momento em diante, passei a me sentir reprimido nas minhas aulas.

Em pouco tempo me apeguei a Mohammed e a seus irmãos mais novos. Embora eu desse aulas aos príncipes em um mundo de privilégios, meus alunos do palácio eram muito parecidos com os demais: curiosos para aprender, mas ansiosos para brincar.

Passo em falso

Um dia, o diretor do palácio pediu que eu me encontrasse com o futuro rei. Ele queria saber como os filhos estavam progredindo nas aulas.

Eu pensei que poderia ser uma boa oportunidade para falar sobre as travessuras do príncipe Mohammed.

Esperei do lado de fora do escritório do príncipe Salman, junto com os outros professores dos príncipes que pareciam familiarizados com o protocolo da corte real.

Quando ele apareceu diante de nós, os professores instintivamente se levantaram. Espantado, eu observava um a um quando se aproximavam do governador de Riad, se inclinavam, beijavam a mão dele, falavam apressadamente sobre as crianças e seguiam adiante.

Quando chegou a minha vez, não pude me curvar como os outros, porque nunca havia feito aquilo antes. E antes de me sentir completamente congelado, me aproximei para pegar a mão do futuro rei e a apertei firme.

Me lembro de ver um leve sorriso de surpresa no rosto dele. No entanto, ele não fez qualquer tipo de censura ao gesto, um passo em falso que acabei dando.

Eu não mencionei o que o príncipe Mohammed fazia nas minhas aulas porque, naquela altura, já havia decidido deixar tudo e voltar para o Reino Unido.

Pouco depois, o diretor do palácio chamou minha atenção por não seguir a etiqueta real.

Além do príncipe Khaled, que se tornou o embaixador da Arábia Saudita nos Estados Unidos, seus outros irmãos optaram por ficar longe dos holofotes.

Agora, ao mesmo tempo em que lembro desse breve emprego no palácio como um episódio marcante da minha vida, vejo o meu ex-aluno Mohammed ascendendo no cenário mundial.