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Jean Wyllys desiste de mandato: Governo brasileiro falhou em proteger deputado, diz relatora da Comissão Interamericana de Direitos Humanos

Jean Wyllys disse nesta quinta (24) que abriu mão de seu terceiro mandato de deputado federal - Luis Macedo / Câmara dos Deputados
Jean Wyllys disse nesta quinta (24) que abriu mão de seu terceiro mandato de deputado federal Imagem: Luis Macedo / Câmara dos Deputados

Ricardo Senra - Da BBC Brasil em Washington

24/01/2019 20h18

Em entrevista à BBC News Brasil, a advogada chilena Antonia Urrejola Noguera afirma que a Comissão cobrou proteção ao parlamentar pelo governo brasileiro por meio de medida cautelar. O texto, que narra uma série de ameaças ao congressista, foi enviado ao Brasil em 20 de novembro do ano passado.

Para a advogada chilena Antonia Urrejola Noguera, relatora especial do Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o país não foi capaz de garantir segurança e condições básicas para que o deputado federal Jean Wyllys (Psol-RJ) pudesse exercer suas funções.

Em entrevista à BBC News Brasil, Urrejola afirma que a Comissão havia cobrado, por meio de medida cautelar, que o governo brasileiro oferecesse proteção ao parlamentar. O texto, que narra uma série de ameaças ao congressista, foi enviado ao Brasil em 20 de novembro do ano passado.

"A Comissão Interamericana decretou uma medida cautelar para que o Estado tomasse medidas de proteção a favor de Jean e a resposta foi que ele já tinha medidas de proteção. Mas, eram exatamente essas medidas que o deputado indicava que eram insuficientes. Ele seguia recebendo ameaças", diz.

"Efetivamente, (Jean Wyllys) não se sentia em condições de ficar no Brasil. É lamentável. Além disso, é lamentável pelo que ele representa. É um deputado LGBTI, em um contexto em que ouvimos recentemente sobre pelo menos quatro assassinatos contra pessoas deste grupo".

Nesta quinta-feira, Jean Wyllys afirmou por meio de redes sociais e em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo que abriu mão de seu terceiro mandato consecutivo de deputado federal, para o qual foi eleito com 24.295 votos. "Quero cuidar de mim e me manter vivo", disse o deputado ao jornal, citando o assassinato de Marielle Franco e um aumento nas ameaças de morte que recebe.

Entre as provas enviadas pelo deputado à Comissão Interamericana, estão avisos. "Sua hora vai chegar. Falta pouco viadinho. Sai fora do Brasil enquanto dá tempo. Lixo escroto", dizia um deles.

Congressistas lamentam

Na Câmara, alguns colegas de Jean Wyllys comentaram a decisão do colega carioca. O atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), lamentou a decisão de Jean Wyllys. "Como presidente da Casa, e seu colega na Câmara, mesmo estando em posições divergentes no campo da ideias, reconheço a importância do seu mandato. Nenhum parlamentar pode se sentir ameaçado, ninguém pode ameaçar um deputado federal e sentir-se impune", disse Maia, em nota.

O deputado Wadih Damous (PT-RJ) disse que Jean Wyllys tinha comentado com ele a possibilidade de abandonar o mandato já em novembro de 2018, logo depois das eleições. "Eu testemunhei por diversas vezes as ameaças feitas a ele (...). Às vezes na rua ele era hostilizado". "É um ato de autopreservação, ele simplesmente não quer morrer. Agora, a que ponto chegamos aqui no país?", disse.

O líder da bancada do PT, Paulo Pimenta (RS), e a deputada do PCdoB, Jandira Feghali (RJ), emitiram notas em apoio a Jean Wyllys e cobraram explicações das autoridades brasileiras a respeito da segurança do parlamentar.

Colega de bancada de Wyllys, o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) escreveu que o colega foi "alvo de preconceito, mentiras e ameaças de morte" por "exercer um mandato com ideias e causas".

Leia a seguir os principais trechos da entrevista com a relatora da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Antonia Urrejola Noguera:

BBC News Brasil - Como vê o anúncio de que Jean Wyllys abriu mão do mandato de deputado federal e deixou o Brasil?

Antonia Urrejola - Bom, ele saiu do Brasil e deixou o cargo para o qual foi eleito democrática e recentemente. É muito lamentável. Não é possível que, em um estado democrático, autoridades eleitas não tenham as condições básicas para exercer suas funções. Me parece que a situação de Jean é exatamente uma destas situações em que o Estado não foi capaz de blindá-lo com a proteção requerida.

A Comissão Interamericana decretou uma medida cautelar para que o Estado tomasse medidas de proteção a favor de Jean e a resposta foi que ele já tinha medidas de proteção. Mas, precisamente, essas medidas que o deputado tinha são as que ele indicou que não o tornavam seguro. Que seguia recebendo ameaças. Quando solicitou a medida cautelar, nos enviou muitas informações mostrando que acreditava que sua própria vida corria perigo.

Efetivamente, (Jean Wyllys) não se sentia em condições de estar no Brasil. É lamentável. Além disso, é (uma situação) lamentável pelo que ele representa. É um deputado LGBTI, em um contexto em que ouvimos recentemente sobre pelo menos quatro assassinatos contra pessoas deste grupo. Então, é muito preocupante.

BBC News Brasil - Jean Wyllys procurou a Comissão para discutir a decisão?

Urrejola - Não, é uma decisão que, imagino, ele deve ter discutido com pessoas próximas, amizades, família. Não discutiu com a Comissão e nem creio que isso faria sentido. Creio que ele não se sentia seguro e é uma posição pessoal dele. Não nos cabe sugerir nada neste tipo de assunto, é algo pessoal.

BBC News Brasil - Jean Wyllys já mencionou várias vezes que o discurso do presidente Jair Bolsonaro seria um impulsionador da violência no país. A senhora concorda?

Urrejola - Veja, há uma situação de hostilidade e ameaças ao coletivo LGBTI no Brasil. O assassinato de Marielle Franco é um exemplo disso. Acho que há um discurso de incitação ao ódio e de estigmatização que cresceu durante o ano passado. Eu não me atreveria a personificar o presidente Bolsonaro nesta situação. Creio que (esse discurso de violência) vem de antes.

Mas, sim, vimos alguns discursos de diferentes autoridades brasileiras apoiando de alguma maneira esta retórica. Efetivamente, os discursos de estigmatização e de ódio acabam incentivando que as pessoas cometam delitos, ameaças e ataques. Há um ambiente de tensão muito clara. Insisto, o caso de Marielle Franco é um exemplo de uma defensora de direitos humanos, uma parlamentar mulher, negra e lésbica que mostra como estes discursos de ódio podem terminar.

BBC News Brasil - Mas crê que é correto associar este ambiente violento ao discurso do presidente?

Urrejola - Insisto que este discurso de ódio vem de antes. A Comissão vem recebendo denúncias de ameaças ao coletivo LGBTI há algum tempo. Acredito que este é um tema mais amplo, de uma corrente contrária aos direitos LGBTI, que vem de antes (da eleição de Bolsonaro). Mas, talvez as pessoas estabeleçam relações, por que algumas dessas pessoas votaram em Bolsonaro.

BBC News Brasil - Jean Wyllys também é acusado por setores da sociedade de ser violento. Eles citam um episódio em que o parlamentar trocou cusparadas com Eduardo Bolsonaro no plenário da Câmara dos Deputados. Como vê estes comentários?

Urrejola - Desconheço este episódio, mas me parece que não se pode igualar isso a ameaças de morte. Eu vi as ameaças a Jean Wyllys diretamente, ninguém me contou. Elas não se igualam a um debate político com tom elevado. Havia ameaças diretas de morte, em um contexto em que outros LGBTIs e Marielle Franco, de quem Jean era companheiro, foram assassinados.

Jean Wyllys apresentou provas contundentes de ameaças reais a sua integridade física. Neste sentido, o que a comissão pedia ao Estado era que tomasse medidas que respondessem às demandas (por segurança), tanto da comissão quanto do peticionário. Isso é dar garantias suficientes de integridade física e garantir que ele pudesse exercer o cargo sem temor. Esta garantia, na opinião da vítima e por todas as informações que temos, não foi dada.

Com certeza te digo: nenhuma autoridade democraticamente eleita pode viver com medo, 24 horas por dia, de que pode ser assassinada. Um temor justo, provado por ameaças concretas, que a qualquer momento poderiam virar realidade.

O certo é que isso é o que importa. Um deputado que é conhecido por seus compromissos, sobretudo pelos coletivos LGBTI, se viu obrigado a sair do país e a renunciar o cargo ao qual acabara de ser eleito, porque não havia condições. Esta não é uma responsabilidade do deputado, é uma responsabilidade do Estado, que não foi capaz de dar esta garantia. Isso é o principal.

BBC News Brasil - A comissão planeja emitir algum tipo de alerta ao governo brasileiro, já que as garantias solicitadas para a proteção de Jean Wyllys não foram oferecidas?

Urrejola - Soubemos da notícia hoje. É um tema que deve ser avaliado de forma conjunta na Comissão. Não falei ainda com todos os colegas. Mas, sim, me parece importante que o não-cumprimento de medidas cautelares não é um caso isolado de Jean, há muitos outros assim. É uma situação que vemos com extrema preocupação. Efetivamente, os Estados se submetem ao sistema interamericano de maneira autônoma e soberana. A comissão tem um conjunto de mecanismos, entre os quais as medidas cautelares, e um princípio de boa fé para que sejam cumpridas.

É preciso analisar o caso concreto de Jean para determinar onde não se cumpriu ou que elementos o fizeram sentir-se mais inseguro.

BBC News Brasil - De forma ampla, para que se entenda, que mecanismos estão na mesa da Comissão em casos de descumprimento de medidas cautelares?

Urrejola - A comissão decreta medidas cautelares. Em geral, as medidas cautelares instam os Estados que adotem medidas para proteger a vida e a integridade da pessoa. E essas medidas devem ser tomadas como um acordo com o beneficiário. Em muitos casos, não se chega a acordos com os próprios beneficiários e nestes casos a comissão pode intervir para que haja consenso entre as duas partes. Nós fazemos um acompanhamento do cumprimento das medidas cautelares e pedimos informações aos dois lados sobre a implementação. Quando não há cumprimento, podemos denunciar o caso publicamente.

* Colaborou André Shalders


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