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Como é viver na cidade mais pobre do país mais rico do mundo

"Às vezes, não há o que comer", diz Débora Hernández, cidadã americana nascida em Escobares - BBC
'Às vezes, não há o que comer', diz Débora Hernández, cidadã americana nascida em Escobares Imagem: BBC

Cecilia Barría - Enviada especial da BBC News Mundo a Escobares (EUA)

02/03/2019 18h26Atualizada em 02/03/2019 19h44

Localizada no Estado do Texas, Escobares tem mais da metade da população vivendo abaixo da linha de pobreza, segundo Censo dos Estados Unidos.

No coração da "América profunda" está Escobares, a cidade mais pobre do país com o maior PIB (Produto Interno Bruto) do mundo.

Localizada no Estado do Texas e nas margens do Rio Grande - a fronteira natural que separa o México dos Estados Unidos -, ela nunca aparece no ranking das cidades mais pobres dos EUA porque, com seus 2.512 habitantes, é muitas vezes considerada pequena demais para ser contada nas estatísticas.

Mas, se considerarmos todas as cidades americanas com pelo menos mil habitantes, Escobares é de longe a que lidera a lista: 62,4% de sua população vivem abaixo da linha de pobreza, de acordo com o Censo dos EUA.

"Às vezes, não há o que comer. Graças a Deus, tenho uma família que me convida para ter uma refeição, mas depois fico envergonhada", diz Débora Hernández, que nasceu e cresceu na cidade, cuja economia é praticamente inexistente.

Hernández não fala inglês e apenas sabe ler.

"Tive sete filhos, e seis deles morreram. Tenho Berenice, que felizmente foi salva por um médico."

E do que seus filhos morreram?

"Não sei. Nunca me disseram do que eles morreram ou me deram algum tipo de documento. Acho que os médicos os mataram", diz ela baixinho, sem no entanto apresentar qualquer prova para a acusação.

Ela não sabe e provavelmente nunca saberá o que aconteceu - talvez tenha sido uma doença genética ou mesmo negligência.

Quando era pequena, ela foi direcionada a uma escola para crianças com necessidades especiais. Embora tenha concluído o primário, a mulher diz não ter aprendido nada.

Débora mostra não ter muita clareza sobre como o restante do mundo funciona.

Mas, dentro de sua casa, entra água quando chove, a bagunça se alastra e o seu lamento se junta ao de seu marido, desempregado desde outubro.

Salvo algum comércio que existe ao longo da rodovia 83 (ligando Laredo a Harlingen, no Vale do Rio Grande), não há outras fontes de trabalho em Escobares.

Ficar ou comer

É fora da cidade, portanto, que as pessoas vão procurar emprego.

"Para aqueles de nós que têm documentos (que possibilitem o trabalho legal), encontramos opções ao norte", diz Homero Rosales.

"O ruim é que você tem que deixar a família abandonada por um, dois ou três meses. Mas é o que deve ser feito, é preciso sair daqui... ou não comemos".

Pai de quatro filhos, Homero trabalha na cidade de Pecos, a cerca de nove horas da Escobares, construindo oleodutos no oeste do Texas.

"Quando acabou a escola, meu filho mais velho foi trabalhar comigo porque não tem nada aqui (em Escobares)".

Aqueles que não conseguem emprego nas cidades vizinhas vivem dos chamados "selos" (food stamps, em inglês), uma ajuda governamental para comprar comida.

Parte trabalha alguns meses e no restante do ano passa a receber seguro-desemprego. Outros preferem não contar à reportagem como sobrevivem.

De qualquer forma, todos procuram uma forma de se salvar neste lugar em que não há transporte público, nem hospital ou serviços de emergência.

Com contrastes gigantescos, os Estados Unidos têm uma taxa de pobreza oficial de 12,3%, situação que afeta cerca de 40 milhões de pessoas.

"A maior concentração da pobreza está no Sul do país", diz à BBC News Mundo Rakesh Kochhar, pesquisador do Pew Research Center, em Washington.

Os Estados mais pobres são Mississippi, Louisiana e Novo México. Além disso, "os hispânicos e os negros têm historicamente índices mais altos de pobreza", acrescenta Kochhar.

'Agora temos carro de bombeiro'

Há 13 anos, Escobares nem existia; foi em 2005 que o lugar ganhou título de cidade.

Antes, ela era como "terra de ninguém", sem pertencer a qualquer jurisdição administrativa. Mas quando um grupo de moradores ouviu que Roma, a cidade adjacente, estava tentando incorporar uma parte de Escobares em seu território, as coisas mudaram.

Como os moradores da futura Escobares não viram vantagem no plano de seus vizinhos, eles se perguntaram: "Por que não criamos nossa própria cidade?"

Assim, começou-se a desenhar os primeiros esboços de fronteiras e mapas, e os moradores dali descobriram como se inventa uma cidade do nada.

Os vizinhos foram convocados e uma eleição empossou aquele que foi o primeiro e único prefeito de Escobares: Noel Escobar.

"Por termos nos tornado uma cidade, agora temos um caminhão de bombeiros, cinco policiais e um caminhão de lixo", diz ele, com entusiasmo.

"Conseguimos subsídios e tomamos empréstimos do governo federal para pavimentar ruas e melhorar o sistema de drenagem."

"Tudo isso conquistamos com nosso próprio esforço", defende o prefeito de 83 anos, conhecido localmente como "El Mayor", uma tradução informal da palavra usada em inglês para se referir a um prefeito.

O espanhol é a língua falada nas ruas de Escobares, onde também se come tacos e se escuta a música ranchera - um pequeno enclave mexicano em território americano.

Na beira do rio

Sem uma praça central ou algum outro marco, Escobares é uma pequena cidade dividida em duas pela rodovia 83.

Para o leste da estrada, há um conjunto de casinhas cortadas por ruas poeirentas. Não há plantações, gado ou aglomerações de pessoas.

Do outro lado da estrada, depois de uma caminhada de alguns minutos, o rio aparece. Pode-se ouvir o som do helicóptero usado na patrulha da fronteira.

No céu, aeróstatos com radares, componentes do sistema Tethered Aerostat Radar System, acompanham cuidadosamente cada movimento naquela religião.

"Aqui mesmo, onde estou, passam imigrantes e drogas", diz Ruperto Escobar, prefeito-suplente da cidade e dono de uma fazenda que acaba no rio.

"Às vezes, durante a noite, podem-se ouvir tiros", diz ele, sob um chapéu branco texano. "E, quando o nível da água baixa, alguns cruzam andando."

A largura do rio é de apenas 20 metros.

"É por isso que sou a favor do muro, embora a maioria das pessoas que moram aqui não concordem comigo", diz Ruperto, referindo-se aos planos do presidente Donald Trump para a segurança e o controle da fronteira.

Se construída a barreira, Ruperto perderia muito de sua terra, mas para ele isso não importa. Ele está convencido de que isso não o afetará.

"Quando construírem o muro bem aqui, ao lado da minha casa, vão me deixar um portão com controle remoto para eu sair quando quiser".

Seus vizinhos, no entanto, não pensam o mesmo.

Fugindo do tráfico de drogas

Quase a totalidade - 98% - da população de Escobares é hispânica, de origem mexicana.

Alguns nasceram em solo americano, outros adquiriram a nacionalidade depois ou têm visto de residência. Há ainda aqueles que simplesmente não têm documentos porque estão no país irregularmente - em muitos destes casos, buscaram os EUA para fugir de assassinatos e sequestros no Estado mexicano de Tamaulipas.

"Minha Lucerito desapareceu com apenas 15 anos", conta em lágrimas uma mulher que vive ilegalmente em Escobares e cuja filha nunca mais voltou aos EUA depois de cruzar para o lado mexicano.

"Ela me disse 'mãe, agora vou (para os EUA)', mas nunca chegou. Dizem que a mataram... não sei quem. Você pode me ajudar a encontrá-la?"

'Estou orgulhoso do meu trabalho'

À primeira vista, Escobares não parece a cidade mais pobre dos Estados Unidos.

Aqui não há pessoas com problemas com drogas e sem lar como se vê nas ruas de Los Angeles, e nem a pobreza dos subúrbios racialmente segregados em grandes centros urbanos como Detroit e Baltimore.

Mas, ao rumar em direção às ruas internas, surgem pouco a pouco trailers, casas pré-fabricadas feitas de material leve que podem ser transportadas de um lugar para outro.

Raúl Renovato, um trabalhador de 31 anos que chegou do México quando tinha apenas 6 anos, mora em um desses trailers com sua mulher e quatro filhos.

"Este não é o sonho americano", diz. "Mas quem quer progredir, progride".

Raúl trabalha em uma empresa de coleta de lixo na cidade de Roma e está prestes a montar seu próprio negócio de venda de cachorro-quente.

"Tenho orgulho do meu trabalho porque é um trabalho honesto", conta, comemorando a compra de uma casa e de um ar-condicionado.

Ali em Escobares, até a sede do município e o prédio da polícia local estão em uma espécie de "escritório-trailer", já que este tipo de abrigo é mais barato do que uma edificação com material sólido.

No mesmo terreno desses órgãos, estão um caminhão dos bombeiros, um caminhão de coleta de lixo, um pequeno escritório para o desenvolvimento econômico e um centro comunitário.

"O que precisamos é que uma grande empresa chegue aqui para que possamos ter um emprego", diz o prefeito, entusiasmado com a ideia de a cidade decolar um dia.

"Gostaria de ver Escobares com empresas, empregos, um parque, uma rua principal e todos os serviços que as pessoas precisam. É assim que imagino o futuro."