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Além do 'Golden Shower': três desafios reais do governo Bolsonaro na volta do recesso de Carnaval

Na terça-feira, Bolsonaro teve uma reunião pela manhã com o ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil) para tratar da agenda do governo para os próximos dias - Foto: Marcos Corrêa/PR
Na terça-feira, Bolsonaro teve uma reunião pela manhã com o ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil) para tratar da agenda do governo para os próximos dias Imagem: Foto: Marcos Corrêa/PR

André Shalders - @andreshalders - Da BBC News Brasil em São Paulo

06/03/2019 20h17

Enquanto o presidente da República cria polêmica no Twitter ao divulgar vídeos com conteúdo obsceno, o governo se prepara para enfrentar uma série de desafios políticos no Congresso após o feriado.

https://www.youtube.com/watch?v=hJxtcMolbjA

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) passou esta quarta-feira de Cinzas (06) como alvo de críticas nas redes sociais depois de publicar um vídeo pornográfico a respeito de um fato ocorrido na segunda-feira, em um bloco de Carnaval de São Paulo.

O vídeo foi postado por Bolsonaro na noite de terça-feira. As imagens incluem o momento em que um homem urina no cabelo de outro. "É isto que tem (sic) virado muitos blocos de rua no carnaval brasileiro", escreveu o presidente. Na manhã de quarta, voltou ao assunto: "O que é golden shower?", perguntou no Twitter. A referência é ao termo em inglês que define o fetiche sexual de urinar sobre o parceiro. Os tuítes geraram grande comoção nas redes sociais, entre críticos e defensores do presidente. A polêmica ganhou atenção até mesmo da imprensa internacional.

Mais tarde, na noite de quarta, o Planalto enviou uma nota oficial sobre o tema, em que a Secretaria de Comunicação da Presidência dizia que "não houve intenção de criticar o carnaval de forma genérica", e sim de criticar "uma distorção clara do espírito momesco, que simboliza a descontração, a ironia, a crítica saudável e a criatividade da nossa maior e mais democrática festa popular."

Mas, fora das polêmicas virtuais, que desafios têm pela frente o governo Bolsonaro após o fim do Carnaval?

Oficialmente, Jair Bolsonaro voltou ao trabalho no começo da tarde desta quarta-feira. A agenda oficial registrava que ele trabalharia em "despachos internos" a partir das 14h. Na prática, porém, o presidente voltou à ativa ainda durante o feriado. Na terça-feira, Bolsonaro teve uma reunião pela manhã com o ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil) para tratar da agenda do governo para os próximos dias.

Antes do feriado, o governo publicou uma série de medidas importantes no Diário Oficial e que ainda devem gerar repercussão nos próximos dias. Como destacou a newsletter especializada Brasil Real Oficial, houve alterações nas regras seguidas pelo Ibama ao fazer o licenciamento ambiental de projetos; mudanças na forma como a União repassa dinheiro a municípios atingidos por situações de calamidade pública; e novas atribuições para o empresário mineiro Salim Mattar, atual secretário de Desestatização e Desinvestimento do Ministério da Economia: ele passará a ter poderes sobre a indicação dos presidentes de empresas estatais.

Agora, na volta do recesso de Carnaval, o governo terá outras prioridades além de discussões sobre eventuais excessos de foliões. Na próxima semana, começam a tramitar no Congresso a reforma da Previdência e a Medida Provisória que restringe as regras para a contribuição sindical.

O governo também tenta reforçar seu apoio entre deputados e senadores com emendas a liberação de cargos e emendas. A reportagem da BBC News Brasil detalha cada um destes temas abaixo.

1. Reforma da Previdência começa a tramitar no Congresso

Apresentada pelo governo no dia 20 de fevereiro, a proposta de reforma da Previdência começa a tramitar oficialmente no Congresso nesta semana, com o início dos trabalhos da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

A reforma da Previdência tramita como uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC, na sigla). Por isso, terá na CCJ da Câmara o seu primeiro teste - a expectativa é de que esteja entre as primeiras medidas a serem votadas. Cabe à CCJ avaliar se a proposta e as emendas feitas pelos deputados estão de acordo com as leis e a Constituição.

Depois da reunião de terça-feira com Bolsonaro, Onyx se disse confiante sobre a tramitação do projeto. "Estamos muito seguros da nova Previdência, que apresentamos ao Congresso. Agora tem aquela fase de passar pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ) da Câmara, depois a comissão especial e, aí, virão os ajustes que o parlamento seguramente deverá fazer", disse ele a jornalistas.

Por causa das regras internas da Câmara, cabe ao PSL de Bolsonaro indicar o presidente da CCJ - e o partido escolheu um deputado federal de primeiro mandato, Felipe Francischini (PSL-PR). Ele terá o poder de definir quais projetos serão votados na Comissão, e de comandar os trabalhos durante as sessões.

Um congressista do PSL disse à BBC News Brasil que a indicação de Francischini foi do presidente do partido, o também deputado Luciano Bivar (PE). Felipe é filho do ex-deputado federal e hoje deputado estadual Delegado Francischini (PSL-PR), um dos primeiros apoiadores de Bolsonaro na campanha à Presidência.

Já o nome do relator da reforma na CCJ da Câmara ainda é desconhecido. Formalmente, a escolha do relator cabe ao presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Poucos deputados se apresentaram para a tarefa até agora, entre eles os demistas Kim Kataguiri (SP) e Pedro Paulo (RJ); nos bastidores, porém, a escolha de um dos dois é considerada pouco provável. Um nome possível é o do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) - ele é próximo de Maia e, inclusive, participou na semana pré-Carnaval de uma reunião com o presidente da Câmara e o ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre a Previdência.

2. Fim do imposto sindical começa a tramitar

Na sexta-feira pré-Carnaval, o governo publicou a Medida Provisória 873/2019, que determina que os trabalhadores assalariados paguem individualmente a contribuição sindical às suas entidades de classe, por meio de boletos bancários.

A medida regulamenta o fim da contribuição obrigatória, determinado pela reforma trabalhista aprovada em 2017, no governo do ex-presidente Michel Temer (MDB). Antes da reforma, a contribuição era cobrada diretamente do salário dos trabalhadores. Equivalia a um dia de trabalho, descontada no contracheque do mês de março.

Mas só agora, na volta do recesso, o tema realmente começará a tramitar no Congresso. Uma comissão mista (com deputados e senadores) deve ser criada esta semana para analisar a medida provisória.

O projeto é polêmico e deve constar na pauta de protestos das centrais sindicais. Há manifestações convocadas para o Dia Internacional da Mulher - 08 de março.

"Assinamos a MP 873 que tem prazo de 120 dias para ser apreciada pelo Congresso ou perde validade, criando o pagamento de contribuição sindical somente mediante boleto bancário individual do trabalhador, o que não agradou a líderes sindicais", escreveu Bolsonaro no Twitter, no domingo - o presidente pediu que seus seguidores fiquem atentos ao tema, pois "todo dia é um jogo de xadrez".

O advogado trabalhista Maurício Corrêa da Veiga explica que, apesar da contribuição ter sido formalmente extinta com a reforma de Temer, na prática ela continuava ocorrendo.

"A reforma estabeleceu a necessidade de autorização do trabalhador para a cobrança dessa contribuição. E, desde então, os sindicatos começaram a incluir este pagamento como um ponto das convenções coletivas, aprovadas em assembleias sindicais. Várias decisões judiciais também referendaram estes acordos. O que o governo está dizendo agora (com a MP) é que a autorização tem de ser explícita, individual, de cada trabalhador", diz Corrêa, que integra o escritório Corrêa da Veiga Advogados.

"Pessoalmente sou a favor de vários pontos da reforma e acho que o fim da contribuição obrigatória é um avanço. Mas a forma como o Executivo apresentou esta reforma é uma afronta ao Judiciário, que têm decidido de outra forma; e ao próprio texto da reforma trabalhista, que deu mais peso às negociações coletivas. Por que não pode o sindicato, que é o porta-voz daquela categoria, negociar nesse sentido? Para mim, esta medida provisória é inconstitucional", diz Corrêa.

O secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves Juruna, disse à BBC News Brasil que as centrais sindicais farão uma reunião em São Paulo, nesta quinta-feira (07) para avaliar se é possível contestar a legalidade da medida provisória - isto porque este tipo de medida só pode ser usado em casos de urgência. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, também será procurado pelas centrais.

"O que o o governo tenta (com a medida) é sufocar financeiramente o movimento sindical, num momento em que o país começa a debater a reforma da Previdência", diz Juruna.

3. Governo tenta ganhar apoio de congressistas com cargos e emendas

Na primeira semana pós-Carnaval, o governo deve ampliar seus esforços para ganhar a simpatia de deputados e senadores por meio da liberação de cargos de baixo escalão no governo e a liberação de emendas ao Orçamento para deputados de primeiro mandato.

Segundo estimativas do próprio governo, até mil cargos podem ser negociados com os deputados - entrariam no pacote as chefias de órgãos do governo federal nos Estados.

Segundo o secretário da Casa Civil para a Câmara, o ex-deputado federal Carlos Manato, não se trata de "toma lá, dá cá": todas as indicações teriam de seguir critérios técnicos. Ou seja: apesar de indicadas pelos deputados e senadores, os novos dirigentes teriam de ser pessoas qualificadas para seus postos.

O governo também tem um plano para angariar apoios por meio das emendas que deputados e senadores apresentam ao Orçamento da União: todos os anos, o governo federal "congela" uma parte do valor dessas emendas (o nome técnico é "contingenciamento").

As emendas são pequenas modificações que os Congressistas fazem no texto do Orçamento, geralmente direcionando recursos para obras e serviços do governo federal em suas bases eleitorais.

Segundo disse Manato ao jornal O Globo, a ideia é que as emendas sejam liberadas este ano em sua totalidade, sem congelamentos.

O governo Bolsonaro deve ainda criar uma forma de liberar um montante em emendas para deputados e senadores que estão em seu primeiro mandato - como o Orçamento hoje em vigor foi aprovado no ano passado, eles não tiveram oportunidade de apresentar suas demandas.

O esforço para ganhar simpatia no Congresso está relacionado à necessidade de apoio para a reforma da Previdência: há consenso entre analistas e políticos de que o governo ainda não tem os votos necessários para aprovar a proposta.


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O governo Bolsonaro teve início em 1º de janeiro de 2019, com a posse do presidente Jair Bolsonaro (então no PSL) e de seu vice-presidente, o general Hamilton Mourão (PRTB). Ao longo de seu mandato, Bolsonaro saiu do PSL e ficou sem partido até filiar ao PL para disputar a eleição de 2022, quando foi derrotado em sua tentativa de reeleição.