Malafaia garante que Bolsonaro mudará embaixada em Israel: 'Vai ter que ser macho, e acho que ele é'
O anúncio do governo brasileiro de que vai abrir um escritório comercial em Jerusalém não deve ser visto como um recuo da promessa de mudar embaixada para a cidade sagrada, considera o pastor Silas Malafaia, e sim como parte de uma estratégia de promover a ação "paulatinamente".
"Não foi o João ou o Manoel que me disse isso, foi o presidente. Ele falou, 'olha, Silas, eu vou fazer essa mudança paulatinamente. Não vou fazer de uma vez porque não tem necessidade e nem tem pressa. O Donald Trump levou nove meses para transferir a embaixada, não vou ser eu que vou fazer em cem dias'", relata o pastor, liderança evangélica e amigo pessoal do presidente Jair Bolsonaro.
No primeiro dia de sua visita oficial a Israel, Bolsonaro anunciou a abertura de um escritório para promoção do comércio, investimento, tecnologia e inovação em Jerusalém. A medida é vista como um recuo em relação à promessa de campanha de transferir a embaixada do país de Tel Aviv para Jerusalém, a exemplo do que fizeram Estados Unidos e Guatemala.
A mudança teria efeito equivalente ao reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel, posição defendida pelo governo israelense mas rechaçada pela comunidade internacional enquanto não houver acordo com os palestinos.
A cidade é considerada sagrada por cristãos, judeus e muçulmanos, e sua parcela oriental, ocupada por Israel desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967, é reivindicada também como capital de um futuro Estado Palestino. A ONU reconhece a dualidade de Jerusalém e considera a presença de Israel na parte oriental da cidade - parte de expressiva maioria árabe da população, como território ocupado.
A comunidade evangélica brasileira deseja a mudança da embaixada por motivos religiosos, e não geopolíticos - mas a promessa gerou um embaraço diplomático entre o Brasil e países árabes, e o temor de que poderia gerar embargos e sobretaxas a exportações brasileiras.
Países árabes e muçulmanos são grandes compradores de produtos agropecuários, sobretudo a carne halal, de frango e bovina, produzida conforme os preceitos islâmicos, também são vendidos a países árabes açúcar e milho.
Malafaia, entretanto, defende a mudança, e argumenta que o Brasil é "independente e soberano" para apoiar a escolha de Israel e fixar sua embaixada em Jerusalém.
"Acho que o Brasil não tem nada a perder, e não vai perder (com a mudança)", opina o pastor, minimizando o atrito que a mudança poderia gerar com os países árabes, e a preocupação de impacto negativo sobre exportações brasileiras para a região.
"Aí vão comprar de quem? Vão comprar onde? Vão retaliar o quê?", ironiza o pastor, aludindo à dificuldade que os países árabes teriam para substituir as importações brasileiras. O Brasil é atualmente o maior exportador mundial de carne halal.
"Não vamos ser subservientes. Não é o Brasil nem ninguém de fora que define a capital de um Estado soberano", diz Malafaia em entrevista à BBC News Brasil, dando pouca importância a uma eventual ruptura com a postura defendida pela ONU. "Quem diz amém para tudo que a ONU fala? Eu não conheço", diz o pastor.
Em maio do ano passado, quando a embaixada americana foi realocada para Jerusalém, protestos na Faixa de Gaza se estenderam por semanas e deixaram dezenas de mortos, a maioria palestinos. Até então, Tel Aviv era sede de todas as representações diplomáticas mundiais. A mudança adotada pelos EUA foi seguida apenas pela Guatemala por enquanto. Depois das promessas feitas por Bolsonaro, a medida "permanece em estudo", de acordo com o Itamaraty.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
BBC News Brasil - O anúncio do governo de instalar um escritório comercial em Jerusalém, e não a embaixada brasileira, é visto com decepção pela comunidade evangélica?
Silas Malafaia - O Bolsonaro falou comigo sobre isso recentemente. Não foi o João ou o Manoel que me disse isso, foi o presidente. Ele falou, "olha, Silas, eu vou fazer essa mudança paulatinamente. Não vou fazer de uma vez porque não tem necessidade e nem tem pressa. O Donald Trump levou nove meses para transferir a embaixada, não vou ser eu que vou fazer em cem dias".
Ele me falou: "Eu vou fazer (a mudança da embaixada) porque essa é a verdade. Aquilo lá é a capital eterna e indivisível desses caras". Jerusalém nunca foi capital de Estado árabe na História. Foi fundada pelo rei Davi 3 mil anos atrás. É a soberania de uma nação (Israel). Não somos nós que temos que dizer onde eles têm que colocar sua capital.
E vocês vejam o que Bolsonaro fez lá e que ninguém faz, indo com o primeiro-ministro (de Israel, Benjamin Netanyahu) visitar o Muro das Lamentações. Vejam a ousadia do camarada.
BBC News Brasil - O senhor acredita que não houve um recuo?
Malafaia - Não tem recuo nenhum. Ele falou para mim que vai fazer por etapas. Ele não está abrindo o escritório dizendo que esta é a decisão final. Ele vai fazer paulatinamente.
Se você analisar a personalidade do Bolsonaro, vai ver que aquilo em que ele crê ideologicamente ninguém tira desse cara. Ele pode fazer recuos estratégicos por causa de política de governo, ok. Agora, aquilo que faz parte da convicção dele... Aí, minha filha...
Pode escrever aí que o pastor Silas está fazendo uma aposta. Quem disser que Bolsonaro está arregando ou dando um passo atrás abrindo esse escritório vai passar vergonha no futuro.
BBC News Brasil - Mas a mudança significaria uma ruptura do Brasil com a postura neutra adotada pela comunidade internacional no Oriente Médio, e poderia gerar atrito com países árabes.
Malafaia - Que atrito? Eles vão deixar de comprar o quê, por acaso?
BBC News Brasil - Os países árabes têm parcerias importantes com o agronegócio brasileiro. Importam açúcar, carne, milho...
Malafaia - Mas aí vão comprar de quem? Vão comprar onde? Vão retaliar o quê? Para mim, isso tudo é papo. Isso tudo faz parte do jogo político. O Brasil é independente e soberano. Não vamos ser subservientes. Não é o Brasil nem ninguém de fora que define a capital de um Estado soberano. Israel é uma nação soberana e tem direito de escolher sua capital. Acho que o Bolsonaro reconhecer isso não é mais do que reconhecer aquilo a que o país tem direito.
Acho que o Brasil não tem nada a perder, e não vai perder (se mudasse a capital para Jerusalém). Não estou nem falando de um viés espiritual sobre Israel, que é a nossa crença, e sim na soberania de um Estado escolher sua capital. E na soberania de uma nação (o Brasil) de escolher se reconhece ou não. Quem é que obedece a toda resolução da ONU? Quem diz amém para tudo que a ONU fala? Eu não conheço.
Para fazer isso (mudar a capital), tem que ter peito, tem que ser audacioso. O Bolsonaro vai ter que ser macho para fazer. Eu acho que ele é. Não estou falando de masculinidade. Estou falando de ser corajoso. O que marca uma liderança é a coragem.
BBC News Brasil - Mas e se o recuo for definitivo e a mudança não ocorrer?
Malafaia - É importante que aconteça. Se não ele vai entrar naquela de outros governantes, que prometem coisas e não fazem. Não fomos nós que exigimos. Foi ele que prometeu fazer isso.
Se for para voltar atrás é melhor não prometer, não é? Por que fazer promessa se não vai cumprir? Eu acho que vai ficar chato para ele se ele não cumprir. Os evangélicos tiveram um peso forte em sua eleição. É uma comunidade para ele pensar direitinho.
BBC News Brasil - Por que a relação com Israel e a mudança da embaixada é tão importante para a comunidade evangélica?
Malafaia - É importante para nós porque é uma promessa que está na Bíblia. Está lá no livro de Gênesis, quando o Senhor diz para Abrãao, que é o pai de Israel: "Abençoarei os que te abençoarem, amaldiçoarei os que te amaldiçoarem".
Cremos que quando uma nação abençoa Israel, ela é abençoada. Cremos nisso por princípio de fé. Cremos que uma posição de Bolsonaro a favor de Israel vai abençoar a nossa nação e o seu governo. Isso é um princípio para o mundo evangélico, para o mundo cristão, para quem obedece a Bíblia.
BBC News Brasil - A promessa de mudar a embaixada para Jerusalém ajudou Bolsonaro a obter apoio evangélico nas eleições?
Malafaia - Não. Isso não foi exigência da comunidade evangélica. O Bolsonaro disse espontaneamente que reconhecia Jerusalém como capital, e nós da comunidade evangélica aplaudimos, porque temos uma visão espiritual sobre Israel.
Nenhum líder evangélico condicionou isso ao apoio. Não conheço uma liderança evangélica que botou a faca no pescoço desse cara (o Bolsonaro) para dizer que, se ele não fizesse isso, não teria o nosso apoio. Veio dele espontaneamente, e teve o nosso apoio. Foi promessa de campanha dele para o mundo evangélico.
BBC News Brasil - Estamos chegando aos cem dias do governo Bolsonaro depois de uma semana conturbada, marcada por discussões com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. O apoio evangélico sofreu algum abalo?
Malafaia - Ele continua tendo o apoio dos evangélicos. Mas ainda está cedo para falar sobre o governo Bolsonaro. O cara pegou um Estado em crise, com 14 anos de governo de desastre de corrupção.
Leva um tempo até ele ver quem é quem, até aprendiz de presidente tomar as rédeas da máquina. Eu acho uma covardia estúpida cobrar do cara com cem dias de governo. Ele está promovendo uma mudança de eixo, de paradigma. Então vai gerar crise, vai gerar atrito, até acertar. Vai cair ministro. Isso para mim é normal.
BBC News Brasil - Mas a crise no MEC, a lei orçamentária aprovada às pressas pela Câmara essa semana, desdobramentos como esses não são graves para o governo?
Malafaia - Não acho, não. Todo mundo sabe que toda a política do Brasil era de toma-lá-dá-cá, desde a época do Fernando Henrique Cardoso. Dava-se ministério em troca de apoio político. O Bolsonaro não fez isso.
Então o que estamos vendo não é rusga, é guerra de poder. Aquilo que todo mundo queria e reclamava, o cara está fazendo. Então estão reclamando de que?
BBC News Brasil - Os parlamentares estão reclamando de falta de diálogo, de negociação, de articulação política...
Malafaia - Eu acredito que ele tem que melhorar muito no diálogo político. Ele tem que aprender. Está errando, vai ter que acertar coisas. Não estou dizendo que ele acertou todas.
Mas como é que vai se cobrar energicamente de um cara? Qual é a acusação, camarada? Ele não está fazendo aquilo que a sociedade brasileira pedia? Ele não fez acordos com partidos dando ministérios. Isso não é vantagem?
Então vai ter crise. Porque ninguém dá poder de graça. Não estou dizendo que ele está acertando tudo. Vai ter que dialogar mais e ter um viés politico. Mas acredito que ele tem muito boa vontade e desejo de acertar.
BBC News Brasil - O governo tem diferentes grupos de influência - a ala militar, a equipe econômica, os filhos do presidente, Olavo de Carvalho... Essas influências têm sido equilibradas, a seu ver?
Malafaia - Eu acho que o Olavo de Carvalho tem uma influência maior do que o tamanho dele. Mas eu aprendi uma coisa. Cada um ouve quem quer. Eu não vou brigar com o Bolsonaro porque está ouvindo mais o João ou o Manoel. Ele que tem que saber quem interessa para ele.
BBC News Brasil - E a participação de seus filhos no governo?
Malafaia - Eu não acho que eles têm um peso grande. Filho é filho, tem uma influência. Os garotos são até bem-intencionados. Querem ver o governo do pai se dar bem. De vez em quando exageram. Porque tudo que eles falam tem o peso de vir do filho do presidente.
Tudo na vida tem um preço a pagar. Você tem filhos políticos, então qualquer deslize o pau vai comer. Eu acho que os garotos do Bolsonaro cometem alguns erros, mas querem ver o Brasil melhor. E não estão nomeando todo mundo. Os caras mais fortes no governo são os militares.
BBC News Brasil - Os evangélicos têm sido ouvidos pelo governo?
Malafaia - De nós, evangélicos, podem falar o que quiser. Nós fomos o peso da eleição de Bolsonaro. E quem é que nomeamos? Eu não conheço. A Damares (ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos) é evangélica, é uma mulher inteligente, tem sua competência. Mas sua escolha não teve nada a ver com a bancada evangélica. O cara político mais próximo dele era o (pastor evangélico e ex-senador) Magno Malta, e não ganhou cargo nenhum.
Eu acho o Bolsonaro certo na questão do toma-lá-dá-cá, mas acho também que quem vence vai compartilhar o poder com quem é aliado. Isso é democrático. Isso não é corrupção.
Então se militar nomeia, é a nova política. Se os filhos nomeiam, é nova política. Mas se um deputado indica alguém é ladrão? Eu não sou dessa opinião. Todo político é ladrão, e só militar que é honesto? Ou só é honesto se for da família? Eu não concordo. Acho que política se faz assim: destes cargos eu não abro mão, mas esses eu posso dar politicamente para compor a minha base. Não acho que isso seja corrupção.
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