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Estão doando dinheiro demais para reconstruir Notre-Dame?

Gonzalo Fuentes/Reuters
Imagem: Gonzalo Fuentes/Reuters

Alice Cuddy e Bruno Boelpaep

BBC News

25/04/2019 12h08

Desde o incêndio que destruiu a catedral de Norte-Dame, em Paris, foram anunciadas doações em todas as partes do mundo para o processo de reconstrução.

De bilionários a pessoas comuns contribuíram nesse esforço, que resultou, até agora, em um montante de 750 milhões de euros (ou cerca de R$ 3,3 bilhões) nos primeiros dez dias após o colapso da agulha principal e do teto da catedral, em 15 de abril.

Uma estimativa inicial de economistas franceses da área de construção sugere que as doações podem, na verdade, superar os custos dos reparos da catedral.

Em meio às ações de generosidade, também houve quem argumentasse que o dinheiro deveria ser usado em investimentos mais urgentes em outros lugares. Mas os responsáveis pela arrecadação da verba para a reconstrução pedem que as pessoas continuem a fazer as doações e dizem que ainda não é possível saber quanto vai custar esse trabalho.

"Não devemos dizer para as pessoas pararem de doar, já que não sabemos quanto isso vai custar", disse Laurence Lévy, da organização francesa voltada para a preservação de marcos históricos Fondation du Patrimoine, a Fundação do Patrimônio.

Quanto vai custar?

De acordo com estimativa da Untec, união nacional que representa economistas da área de construção na França, o processo de reconstrução da catedral deverá custar, no máximo, 600 milhões de euros (ou R$ 2,7 bilhões), excluindo os tributos.

"O custo vai variar de cerca de 300 milhões de euros até um teto de 600 milhões de euros, mas nós ainda precisamos de dois ou três meses para ter o preço exato", disse à BBC o presidente da entidade, Pascal Asselin.

O valor estimado pelo grupo inclui o custo de proteger a estrutura, substituir o telhado e outras partes, empregar pedreiros experientes e concluir o trabalho de restauração, segundo o canal francês de notícias BFM TV.

Uma estimativa oficial sobre o custo desse trabalho ainda é aguardada.

Já que a catedral pertence ao Estado, não haverá dinheiro de seguradoras para bancar a restauração - o Estado segura a si mesmo. Algumas das relíquias e objetos de arte do interior da Notre-Dame, entretanto, estavam segurados, assim como as máquinas e materiais das empreiteiras que estavam trabalhando em reformas na catedral antes do incêndio.

Pode ficar mais caro?

Especialistas consultados pela BBC evitaram dar uma estimativa para o custo da reconstrução.

"Como precificar o que não é precificável?", disse Richard Woolf, arquiteto e especialista em conservação de edifícios históricos.

Alan Davies, outro arquiteto especializado em conservação de construções históricas, disse que, por um lado, não há muitos projetos que chegariam à cifra arrecadada, mas, por outro, o complexo trabalho de restauração exige o mais alto nível de especialização.

"Vai custar o que tiver que custar. Não dá para ficar cortando muitos custos", disse.

Robert Read, chefe de arte da seguradora inglesa Hiscox, prevê que o valor pode chegar a 1 bilhão de euros (ou R$ 5,1 bilhões), mas destaca que é cedo para fazer uma estimativa precisa, sem saber quais complicações podem aparecer.

Laurence Lévy, da Fundação do Patrimônio, disse que as pessoas não devem confiar em cálculos feitos por pessoas que não estiveram dentro da catedral e não viram os danos decorrentes do incêndio.

"Nós não arrecadamos dinheiro em excesso, já que não sabemos ainda quanto será necessário", disse. "Nenhum valor foi confirmado ainda. Nós estamos falando sobre arte."

Como é a arrecadação?

A catedral de Notre-Dame foi construída há 850 anos e teve um papel importante em momentos-chave da história da França, virando um símbolo para milhões de pessoas em todo o mundo.

"A quantidade de dinheiro que as pessoas prometeram doar é um reflexo de que elas enxergam os edifícios históricos como pontos cruciais na paisagem", disse Alan Davies. "Notre-Dame tem reputação nacional e internacional."

Super-ricos franceses se comprometeram com grandes doações para restaurar a arquitetura gótica da catedral. Entre os maiores doadores estão os bilionários Bernard Arnault e François-Henri Pinault.

Outros doaram quantidades menores.

"Ouvi falar sobre o incêndio de Notre-Dame e queria ajudar. Sei que não é muito, mas cada pequena doação pode ajudar", escreveu Caitlyn, uma menina britânica de 9 anos, em uma carta que acompanhava sua doação de alguns euros.

Quatro grupos franceses estão arrecadando as doações: a associação de caridade católica Fundação Notre-Dame, a Fundação do Patrimônio, a Fundação da França e o Centro de Monumentos Nacionais.

Alguns estimam que as doações já chegaram a 1 bilhão de euros (R$ 4,45 bilhões), mas uma autoridade francesa disse na última quarta-feira que 750 milhões de euros (R$ 3,3 bilhões) era a quantidade confirmada de doações até o momento.

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Melhor em outro lugar?

A quantidade de doações levantou críticas de que esse dinheiro poderia ser melhor investido em outros lugares.

A atriz americana Pamela Anderson, por exemplo, relatou no Twitter que participou de um evento para arrecadar dinheiro para crianças em dificuldade na cidade francesa de Marselha e que houve um "grande leilão surpresa" para levantar fundos para reconstruir Notre-Dame.

Ela escreveu que os 100 mil euros arrecadados no leilão poderiam ter sido destinados às crianças, em vez da igreja, que "já recebeu mais de um milhão em doações de milionários".

"Espero que eles reconsiderem", acrescentou.

No fim de semana, os "coletes amarelos" reclamaram da facilidade com que empresas e pessoas ricas conseguiram arrecadar dinheiro para um prédio, mas ignoraram meses de protestos contra o alto custo de vida. Os "coletes amarelos" ficaram conhecidos pelos vários protestos de rua - e confrontos com a polícia - que começaram motivados contra o aumento do imposto sobre combustíveis.

Outros reclamaram que os doadores bilionários se beneficiam, na França, de uma dedução de impostos de 60%.

Markus Renner, especialista em marketing e reputação de marcas na Suíça, avalia que as empresas se comprometeram em demasia e cedo demais.

"Não diria que não há boa intenção por trás disso, mas eles talvez devessem ter pensado duas vezes. Como eles sabem quanto será necessário?", disse.

Ele afirmou que, dentro de empresas, sempre aconselhou que o importante era dar o recado de que a companhia está disposta a doar, mas a depender de quanto será necessário, sem exagerar.

"É um prédio, ninguém morreu", afirmou.

Para outros, contudo, a generosidade que foi demonstrada em relação a Notre-Dame é condizente com a história da catedral e o status dela dentro da sociedade francesa.

"O que aconteceu a Notre-Dame foi horrível, mas ver a generosidade vinda do mundo todo e de pessoas de todas as religiões foi emocionante", disse Lévy.

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