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Seis temas indigestos para o jantar de Trump com a rainha

Rainha Elizabeth II conversa com o presidente dos Estados Unidos Donald Trump durante cerimônia de boas-vindas no Palácio de Buckingham  - Adrian Dennis/AFP
Rainha Elizabeth II conversa com o presidente dos Estados Unidos Donald Trump durante cerimônia de boas-vindas no Palácio de Buckingham Imagem: Adrian Dennis/AFP

03/06/2019 11h44

Presidente americano iniciou nesta segunda-feira uma visita de três dias ao Reino Unido, para comemorações do Dia D; de aquecimento global a insultos, veja o que pode criar tensões durante a visita.

O presidente americano Donald Trump inicia nesta segunda-feira uma visita de três dias ao Reino Unido em meio à comemoração dos 75 anos do chamado Dia D, em 6 de junho de 1944, quando tropas aliadas lançaram na França, pelas praias da região da Normandia, uma vitoriosa ofensiva que ajudou a virar o jogo contra a Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial.

A comemoração da aliança militar simboliza um dos principais pilares da chamada "relação especial" entre britânicos e americanos e é um dos poucos temas fora de polêmicas na pauta entre os dois países.

No Reino Unido, a viagem de Trump - que faz sua primeira visita de Estado ao Reino Unido - e sua família tem o primeiro dia marcado por um banquete oferecido pela rainha Elizabeth 2ª, de 93 anos, no Palácio de Buckingham.

Segundo observadores, a oportunidade de ser recebido pela realeza britânica tende a colaborar com a popularidade de Trump de olho na reeleição em 2020. No pomposo jantar, há regras como a de não continuar comendo após a monarca terminar sua refeição, mas as reais polêmicas com risco de causar "indigestão" estão em outras sete áreas:

1. Megan Markle

A esposa do príncipe Harry foi alvo de um comentário gravado em que Trump se refere à então atriz como "desagradável" (nasty). Na entrevista ao jornal The Sun, ele comenta declarações de Markle, que durante as eleições de 2016 sugeriu que poderia se mudar para o Canadá se Trump vencesse e chamou o então candidato de "misógino e divisivo".

Segundo o tabloide britânico, Trump respondeu: "Não sabia disso (das declarações). O que posso dizer? Não sabia que ela era desagradável". Trump acrescentou ter certeza de que ela desempenharia muito bem seu papel na realeza. Mas, pelo Twitter, no domingo, Trump negou ter falado sobre Markle.

Markle deu à luz o primeiro-filho do casal, Archie, há quatro semanas e não participará de nenhum dos compromissos.

2. Aquecimento global

O príncipe Charles é um fervoroso defensor de medidas para conter a ação humana no aquecimento global. Trump, no entanto, faz coro com uma parcela mínima e menos crível da comunidade científica que nega haver provas de que o aquecimento global seja resultado da ação humana. Receita certa para climão será trazer à tona o assunto.

Na reta final de seu mandato como primeira-ministra (ela anunciou que deixará o cargo nesta sexta, 7 de junho), a britânica Teresa May vai desafiar Trump nesse tema, segundo a sede do governo britânico confirmou à BBC News. May recebeu recentemente um abaixo-assinado de 250 cientistas britânicos pedindo que pressione Trump a revisar suas decisões recentes, como abandonar o Acordo de Paris, que prevê que os países signatários contenham suas emissões de gases de efeito estufa e ajam para combater as mudanças climáticas.

Um porta-voz de May afirmou que, "tal como disse a premiê previamente, estamos desapontados pela decisão dos EUA de se retirar do Acordo de Paris em 2017 e continuamos a esperar que eles retornem (ao pacto)".

3. Interferência indevida?

Trump chega às vésperas da saída de Teresa May do cargo de premiê. Ele vai embora do Reino Unido no dia 6; ela deixa o cargo no dia seguinte. No passado, ele já criticou a primeira-ministra por seu fracasso em avançar com o Brexit (processo de saída do Reino Unido da União Europeia). Agora, em entrevista ao jornal Sunday Times, Trump disse que, se não conseguir negociar seu acordo com a UE, o Reino Unido deveria abandonar as negociações e não pagar a chamada "conta do divórcio" de 39 bilhões de libras (equivalente a quase R$ 200 bilhões).

O comentário, bem como o endosso anterior de Trump a Boris Johnson, ex-chanceler que liderou a campanha pelo Brexit (e que hoje é cotado entre os possíveis substitutos de May), em meio a ataques de várias partes contra a atual premiê, foi visto por muitos como uma interferência indevida na política britânica.

Desta vez, no entanto, May será uma anfitriã enfraquecida. Ao mesmo tempo, o fato de estar na fase final de mandato faz com que muitos esperem que ela solte a língua de uma maneira que não faria como mandatária de olho no longo prazo.

4. NHS

Em entrevista à BBC, o embaixador americano no Reino Unido, Woody Johnson, disse que nenhum tema, incluindo o serviço público de saúde britânico, o NHS, deveria estar fora de negociações de um acordo comercial bilateral entre os dois países num cenário após o Brexit.

O comentário causou forte polêmica no país onde a preservação do NHS como um serviço público tende a ser consenso entre a maior parte dos políticos, sejam conservadores ou trabalhistas. A resposta foi vista como uma sinalização de que haveria pressão da indústria da saúde americana para conseguir uma abertura para seus negócios em troca de um acordo maior. Trump já criticou o NHS no passado, dizendo que o sistema é "quebrado" e "não funciona".

5. Política externa

Há diferenças expressivas na posição dos Estados Unidos e do Reino Unido em relação a importantes temas como o Irã e a China.

Enquanto o Reino Unido ainda apoia os acordos diplomáticos prévios (abandonados por Trump) para conter o programa nuclear iraniano, os EUA têm pregado uma postura mais agressiva. O país recentemente despachou ao Oriente Médio um porta-aviões e uma frota de bombardeiros B52, algo que diplomatas britânicos veem como um possível gatilho para escalonamento das tensões - e até mesmo de um conflito armado.

Em relação à China, o governo Trump defende que países europeus sigam a liderança americana na disputa, por exemplo, com a Huawei, impedindo que a empresa de tecnologia chinesa participe da construção da rede 5G britânica. Os EUA já manifestaram repúdio à proposta - ainda não sancionada - de ministros britânicos de permitir que as telecoms chinesas participem dessa construção.

Autoridades americanas afirmaram que Trump não apenas abordará o assunto durante sua visita de Estado, como pode até mesmo ameaçar restringir o compartilhamento de informações de inteligência com o Reino Unido.

O declarado temor americano é que a rede seja usada como vetor de espionagem e controle pelo governo chinês, e que o acesso a segredos de inteligência britânicos leve os chineses a conseguir informações da inteligência americana.

Embora muitos concordem que o temor é justificável, ele não explicaria plenamente a ofensiva mais ampla contra a segunda maior fabricante de smartphones do mundo - lembrando que Trump recentemente colocou a Huawei na lista de empresas com as quais companhias americanas não podem negociar, a não ser que tenham uma licença especial.

Um objetivo de Trump menos alardeado seria proteger empresas americanas de tecnologia da concorrência chinesa.

6. Protestos e briga com o prefeito de Londres

A visita será marcada por protestos não apenas nas ruas como também de algumas figuras importantes da política britânica, como o prefeito de Londres Sadiq Khan. Em um artigo no jornal dominical Observer, Khan escreveu: "Donald Trump é apenas um dos mais notórios exemplos de uma crescente ameaça global. A extrema direita está crescendo ao redor do mundo, ameaçando nossos direitos, liberdades e valores conquistados a duras penas e que definiram nossas sociedades liberais e democráticas por mais de 70 anos".

Ele acrescentou que líderes como Trump têm usado as mesmas formas de expressão divisivas usadas pelos fascistas do século 20 e argumentou que o Reino Unido não deveria "estender um tapete vermelho" ao presidente americano.

No Twitter, Trump respondeu chamando Sadiq Khan de "perdedor inerte" (stone cold loser) e dizendo que ele deveria "estar mais preocupado com a criminalidade em Londres" do que com ele (Trump).

Um porta-voz de Khan afirmou que um presidente dos EUA deveria estar acima de "insultos infantis" e que o prefeito "representa os valores progressistas de Londres e de nosso país".

Nas ruas, os protestos deverão levar aos ares o balão inflável com Trump retratado como um bebê chorão.

A visita e também os protestos dividem opiniões no Reino Unido. O apresentador britânico Piers Morgan, por exemplo, classificou os protestos de "desrespeitosos e patéticos" principalmente por coincidirem com as comemorações do Dia D, símbolo da aliança militar entre os dois países.

Já o líder do Partido Trabalhista Jeremy Corbyn afirmou que os protestos "são uma oportunidade para demonstrar solidariedade com quem (Trump) atacou nos EUA, ao redor do mundo e até mesmo em nosso país (o Reino Unido), incluindo Sadiq Khan".