Diplomatas valorizam proximidade entre Eduardo Bolsonaro e presidente, mas criticam inexperiência para assumir embaixada
O anúncio do presidente Jair Bolsonaro de que vai indicar um de seus filhos, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL), para o posto de embaixador do Brasil em Washington dividiu a opinião de seis diplomatas brasileiros e estrangeiros entrevistados pela BBC News Brasil.
Bolsonaro divulgou o plano um dia depois de Eduardo completar 35 anos, idade mínima para assumir uma missão diplomática permanente. A indicação ainda precisa ser formalizada pelo presidente e depois aprovada pelo Senado para que o deputado possa ocupar o posto, que está sem embaixador desde a saída de Sergio Amaral, há três meses.
"Da minha parte está definido. Conversei com ele (Eduardo) acho que anteontem. Há interesse. A gente fica preocupado, é uma tremenda responsabilidade", afirmou o presidente nesta terça-feira (16) a jornalistas em Brasília. Ainda não há data definida para oficializar a indicação.
Os diplomatas brasileiros, argentinos e americanos ouvidos pela reportagem concordam que a relação de um embaixador com o presidente é "fundamental" para o cargo. Mas a maioria deles afirma que Eduardo não tem carreira significativa para ocupar um posto que exige alta qualificação e critica a escolha de um parente, que, segundo um dos diplomatas, "reduz o Brasil a uma Republiqueta".
Para o embaixador da Argentina na China, Diego Guelar, ser filho do presidente não é um problema. "O dado central é a capacidade de se ter uma boa comunicação com o presidente que o designou para o posto. O fato de ser familiar não prejudica. Ao contrário, agrega", diz ele, que foi embaixador em Washington, em Brasília e junto à União Europeia
Mas Guelar ressalva que o laço familiar "aumenta ainda mais a responsabilidade" porque o escrutínio sobre sua atuação será maior.
O diplomata americano aposentado Robert Felder, que foi embaixador em diversos países da América Latina, diz valorizar os conhecimentos e experiência de embaixadores com longas trajetórias profissionais, mas para ele a afinidade com o presidente pode prevalecer em certas situações.
"Em alguns casos, considero que a confiança absoluta que o presidente pode ter no seu representante e a capacidade desse representante de refletir os pensamentos do presidente valem mais que outras considerações", diz Felder.
Ex-embaixador da Argentina no Brasil entre 2003 e 2015, Juan Pablo Lohlé acha que o fato de Eduardo ser filho do presidente tem prós e contras e é preciso "encontrar o equilíbrio adequado". "Um fator contrário é ser considerado nepotismo" diz ele. "E um favorável é a aproximação com o presidente."
'Republiqueta'
Para um embaixador brasileiro que já trabalhou na embaixada do Brasil em Washington e falou sob a condição do anonimato, há o risco de Bolsonaro e seu filho se decepcionarem com a expectativa de que serão próximos do presidente americano Donald Trump.
"Por mais que Trump mostre ser afável com o presidente Bolsonaro, ele tem milhares de atribuições dentro e fora dos Estados Unidos. Não é tão simples como eles pensam ter acesso ao presidente dos Estados Unidos que, além de tudo, vai estar cada vez mais voltado para sua campanha à reeleição no ano que vem", diz o diplomata.
Para ele, a falta de experiência de Eduardo Bolsonaro poderia para gerar mais resultados para os Estados Unidos do que para o Brasil. "O trabalho de diplomata é mais complexo do que se imagina e principalmente em Washington. E apesar de o Brasil ser um país importante e ser visto como fundamental em questões como a crise da Venezuela, existem outros com maior peso para a política externa americana, como Israel, por exemplo."
"(Eduardo Bolsonaro) não tem uma carreira significativa. Sua ida para a embaixada do Brasil em Washington daria a impressão de que o Brasil é uma republiqueta", completa.
'Constrangimento'
Ex-embaixador brasileiro na Argentina e na França, Marcos Azambuja diz que a indicação do deputado é algo "pouco habitual" na trajetória da diplomacia brasileira.
O diplomata critica tanto o fato de o deputado ser filho do presidente quanto o anúncio da indicação. "Na diplomacia, não se pode correr o risco de constrangimentos. Tudo isso se faz com confidencialidade. Quando você anuncia o embaixador, já deve ter conversado com o país para onde ele será destinado. Mas para mim é de uma informalidade quase incompreensível", afirma ele, hoje conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), no Rio de Janeiro,
Para Azambuja, a informalidade gera riscos para a aprovação do nome no Senado e do país que receberá o embaixador.
Tradicionalmente, explica ele, o nome do candidato a embaixador do Brasil em qualquer país é apresentado ao governo da outra nação pessoalmente pelo embaixador ou o representante que está deixando a embaixada. Ou, dependendo da relação, o presidente telefona para seu colega (no caso, Trump) para dizer quem será seu indicado. Depois da comunicação e da aprovação, o nome é enviado ao Senado brasileiro onde o candidato será sabatinado. Se não receber os votos necessários, o indicado não pode ocupar o posto internacional.
Azambuja relembra outro caso de um anúncio feito sem as praxes diplomáticas. Em, 2016 Israel desistiu da nomeação de Danny Dayan, defensor das colônias nos territórios ocupados da Cisjordânia, como embaixador do país no Brasil - sua indicação havia sido anunciada publicamente pelo primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, sem antes ter sido submetido o nome ao governo brasileiro.
"Essa quebra da praxe diplomática parece proposital, numa tentativa de criar fato consumado, uma vez que o indicado, Dani Dayan, ocupou entre 2007 e 2013 a presidência do Conselho Yesha, responsável pelos assentamentos na Cisjordânia considerados ilegais pela comunidade internacional, e já se declarou contrário à criação do Estado Palestino, que conta com o apoio do governo brasileiro e que já foi reconhecido por mais de 70% dos países-membros das Nações Unidas", dizia o texto.
Outro caso conhecido foi o do presidente do Chile, Sebastián Piñera, que desistiu, no ano passado, de indicar o irmão para o posto de embaixador do país na Argentina. Parlamentares da oposição acusaram Piñera de nepotismo.
'Fritar hambúrguer'
Para outro embaixador brasileiro, que pediu para não ter o nome revelado, a indicação de Eduardo Bolsonaro "é péssima para o Brasil".
"Ele tem 35 anos e disse que a experiência que teve nos Estados Unidos foi a de fritar hambúrguer. Isso não é qualificação para ser embaixador do Brasil", disse o diplomata, que está entre os mais experientes do Itamaraty. "Espero que o Senado não o aprove. Como o voto é secreto, espero que os senadores não permitam esse vexame para o Brasil."
Na segunda-feira, sem citar o nome de Eduardo Bolsonaro, a Associação dos Diplomatas Brasileiros (ADB) divulgou uma nota defendendo a carreira de diplomata.
"Embora ciente das prerrogativas presidenciais na nomeação de seus representantes diplomáticos, a entidade recorda que os quadros do Itamaraty contam com profissionais de excelência, altamente qualificados para assumir quaisquer embaixadas no exterior", diz a nota.
Segundo o Ministério das Relações Exteriores, embaixador é o título conferido ao chefe de uma missão diplomática, como embaixadas e representações junto a organismos internacionais como a Organização das Nações Unidas, e ele pode pertencer ou não à carreira diplomática formal.
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