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Por que a provável vitória de Boris Johnson tem levado a ameaças de renúncia no Reino Unido

22.jun.2019 - O ex-ministro britânico Boris Johnson, favorito para suceder Theresa May como primeiro-ministro, durante evento em Birmingham, no Reino Unido - Hannah McKay/Reuters
22.jun.2019 - O ex-ministro britânico Boris Johnson, favorito para suceder Theresa May como primeiro-ministro, durante evento em Birmingham, no Reino Unido Imagem: Hannah McKay/Reuters

22/07/2019 19h52

A provável vitória de Boris Johnson para o cargo de primeiro-ministro britânico já causa dissidências no partido Conservador antes mesmo da divulgação do resultado do pleito que deve alçá-lo ao posto nesta terça-feira (23). O ex-jornalista, ex-secretário de Relações Exteriores e ex-prefeito de Londres é o favorito na fase final da disputa para substituir Theresa May, que renunciou em meio ao impasse em torno do processo de saída do Reino Unido da União Europeia (o chamado Brexit).

Seu favoritismo tem levado a sucessivas críticas e crises com membros importantes do partido renunciando ou ameaçando renunciar a postos no governo, além de questionamentos públicos sobre sua capacidade de liderança, seu temperamento e seu caráter.

Vencedor de cinco das seis etapas do processo de escolha, Johnson concorre ao posto contra o atual chanceler, Jeremy Hunt, para assumir a liderança do partido Conservador - e portanto do governo. A decisão cabe a 124 mil integrantes ativos do Partido Conservador. A votação termina nesta terça e o novo primeiro-ministro assume já no dia seguinte.

Resignação e dúvidas sobre liderança

A primeira baixa ocorreu nesta segunda-feira (22), com a renúncia de Alan Duncan, secretário da pasta de Relações Exteriores com a Europa e a América, que saiu do cargo após ter negado um pedido de um debate de emergência na Câmara dos Comuns. Ele queria dar aos membros do Parlamento a oportunidade de dizer se eles apoiariam o possível governo de Johnson - para Duncan, se a Casa fizesse isso antes da posse, evitaria "um caos completo em uma data posterior".

"Se ele tiver os números para governar, então pode e deve governar. Mas se não tem, pela nossa Constituição, ele não pode", defendeu Duncan.

O secretário afirmou à BBC que ele não tem nada contra Johnson pessoalmente, mas está preocupado com seu jeito de fazer política - Johnson é conhecido por seu cabelo desgrenhado, gafes, frases polêmicas e gosto pelos holofotes - e que Duncan teme que ele crie uma "crise de governo".

Crítico de Johnson há bastante tempo, Duncan não é o único membro do partido duvidando da capacidade do ex-prefeito de Londres de governar o país.

O ministro da Economia, Philip Hammond, disse à BBC nesta segunda que pretende entregar sua carta de renúncia caso o correligionário Boris Johnson se torne líder do partido Conservador e primeiro-ministro.

Embora seja muito popular com uma parcela relevante do partido, Johnson teve sua capacidade de liderança questionada há bastante tempo por outros nomes importantes, como seu ex-coordenador de campanha Michael Gove.

Em 2016, a perda do apoio de Gove custou a Johnson justamente o cargo que ele busca assumir agora: na época, ele estava sendo cogitado para assumir o lugar do então primeiro-ministro David Cameron, mas a mudança de lado de Gove foi um dos principais pontos que enfraqueceram sua candidatura. Theresa May então assumiu o posto.

O impasse do Brexit

O nome de Johnson estava em alta em 2016 porque no plebiscito daquele ano, a respeito da permanência do Reino Unido na União Europeia, ele foi umas das principais figuras políticas a apoiar o voto pró-Brexit, que acabaria sendo vitorioso.

Impasses em torno do Brexit já derrubaram dois primeiros-ministros (David Cameron e Theresa May), e a conclusão do Brexit será o principal desafio de quem assumir o cargo.

Seu adversário Jeremy Hunt também é defensor da saída do bloco europeu. Ambos os candidatos prometeram tirá-la do papel o mais rapidamente possível - lembrando que o prazo atual, já renegociado duas vezes, é 31 de outubro. A discussão sobre quem será o melhor para entregar o Brexit dominou os debates entre Johnson e Hunt, com o favorito acusando o adversário de não estar "completamente comprometido" com essa missão.

Hunt, por sua vez, acusou o rival de não ser honesto com o público, dizendo que "ser primeiro-ministro é dizer às pessoas o que elas precisam ouvir, não apenas o que elas querem ouvir".

Briga de casal

Além da crise política, o temperamento e caráter de Johnson também foram postos em xeque por causa de uma briga barulhenta com sua namorada, Carrie Symonds - a polícia foi chamada ao local, mas disse não ter encontrado motivo para tomar qualquer tipo de atitude.

Segundo a gravação feita por um vizinho dele, divulgada pelo jornal britânico Guardian, durante a briga Symonds gritou ao político "me solte" e "saia da minha casa".

Johnson ficou dias sem comentar publicamente o caso, mas depois disse, em entrevista à BBC, que não fala sobre "coisas envolvendo minhas pessoas amadas" porque "não é justo com elas".

Na entrevista, ele se recusou a dar detalhes sobre o que aconteceu em sua casa, dizendo que se trata de "sua vida privada". Políticos aliados saíram em sua defesa, mas adversários cobraram explicações.

Relações com Steve Bannon

Johnson também está sendo questionado quanto à sua relação com o americano Steve Bannon, estrategista-chefe afastado do governo Donald Trump e articulador da atual onda de líderes populistas de direita pelo mundo - e que é próximo à família do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro.

Bannon foi acusado nos EUA de ser o principal articulador de uma campanha de notícias falsas e de ter ligações com as interferências da Rússia no processo eleitoral americano. Tanto Bannon quanto Trump nega essa acusação e qualquer intervenção russa no processo.

Imagens publicadas pelo jornal britânico Observer mostram Bannon dizendo que ajudou a produzir o discurso de renúncia de Johnson, quando este abandonou o cargo de chanceler do governo Theresa May no ano passado.

Bannon e Johnson se conheceram quando ambos trabalhavam para os governos de seus respectivos países e, segundo a agência France Presse, há relatos de que eles teriam se reencontrado informalmente em 2018.

À época, Johnson afirmou que sua "suposta relação" com Bannon era uma "alucinação da esquerda" e que a suposição de que eles teriam um relacionamento profissional era "absurdo a ponto de ser uma teoria da conspiração".

Quem é Boris Johnson

Johnson nasceu em Nova York, em 1964, e até pouco tempo tinha dupla nacionalidade britânico-americana. Segundo a agência France Presse, sua irmã Rachel dizia que desde criança ele queria ser "o rei do mundo".

Já na Inglaterra, Johnson estudou em Eton, centenária e prestigiosa escola privada, e depois na Universidade Oxford - percurso tradicional entre personagens da elite política britânica.

Na universidade, integrou, junto a David Cameron, o famigerado Bullingdon Club, um antigo clube exclusivo para estudantes homens - em geral, ricos -, conhecido por suas festas regadas a bebida e confusão.

Johnson começou sua vida profissional como jornalista do periódico The Times, de onde foi demitido após ter sido acusado de inventar uma frase de um entrevistado. Ele se tornou conhecido no meio jornalístico como correspondente em Bruxelas do jornal The Daily Telegraph.

Ele entrou definitivamente para o cenário político em 2001, quando foi eleito parlamentar. Três anos depois, foi demitido de um alto posto na hierarquia do Partido Conservador sob acusação de ter mentido a respeito de um caso extraconjugal.

Mas foi reeleito para o cargo no ano seguinte e, em 2008, conquistou o posto de prefeito de Londres, que ocuparia por oito anos. A essa altura, já era nacionalmente conhecido apenas como Boris.

Johnson voltou ao Parlamento em 2015, eleito por um subúrbio do noroeste de Londres.

Após ser preterido ao cargo de premiê em 2016, ficou no posto de secretário de Relações Exteriores por dois anos, até deixar o posto depois de várias desavenças públicas com May por causa do Brexit.

Em junho de 2018, por exemplo, ele declarou que a então premiê precisava mostrar "mais coragem" nas negociações com a União Europeia e insinuou que Trump seria capaz de fazer um trabalho melhor do que May.

Johnson tem dito que, se for escolhido premiê, se comprometerá com o prazo do Brexit de 31 de outubro, mesmo na ausência de um acordo com o bloco europeu.

"Caso contrário, enfrentaremos uma catastrófica perda de confiança na política", declarou.

Ele também disse que se recusará a pagar a "conta" do Brexit - uma soma de 39 bilhões de libras que a União Europeia exige como compensação - a não ser que sejam oferecidos termos de negociação mais favoráveis ao Reino Unido.

Entre as falas mais polêmicas e criticadas de sua carreira política estão a vez em que ele se referiu a homossexuais como "bumboys" (bum, em inglês, é usado para se referir tanto às nádegas quanto a "vagabundos"); quando usou o termo pejorativo "piccaninnies" para falar de crianças africanas negras e quando declarou que muçulmanas com o véu que deixa só olhos a vista se assemelhavam a "caixas de correio".