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De Amazônia a ofensa a esposa, as frases da escalada de tensão entre Bolsonaro e Macron

Presidente da França, Emmanuel Macron, ao lado do presidente brasileiro Jair Bolsonaro durante cúpula do G20 - Jacques Witt/Pool/AFP
Presidente da França, Emmanuel Macron, ao lado do presidente brasileiro Jair Bolsonaro durante cúpula do G20 Imagem: Jacques Witt/Pool/AFP

26/08/2019 14h13

Ao fim do encontro do G7, grupo das sete maiores economias do mundo, o presidente da França, Emmanuel Macron, afirmou hoje que o colega brasileiro, Jair Bolsonaro, envergonhou seus conterrâneos ao ofender a primeira-dama francesa, Brigitte Macron, e "não falou a verdade" ao lhe dizer que faria tudo pela preservação da Amazônia.

"(Espero que) os brasileiros tenham logo um presidente que se comporte à altura", disse Macron.

O líder francês fazia referência a um comentário de Bolsonaro no Facebook em um post que sugere que o líder francês "persegue" o colega brasileiro por "inveja", com fotos comparando as primeira-damas brasileira, Michelle Bolsonaro, e francesa. "Não humilha cara. Kkkkkkk", escreveu Bolsonaro no sábado (24).

"O que eu posso dizer? É muito triste. Mas é triste para os brasileiros. Eu acredito que as mulheres brasileiras devem estar envergonhadas do presidente", rebateu Macron, nesta segunda-feira. Pouco depois, Bolsonaro falou em "ataques descabidos e gratuitos (do francês) à Amazônia".

As críticas e ofensas de Bolsonaro a Macron surgiram em resposta a críticas do líder francês à atuação do Brasil para conter o desmatamento e as queimadas na região amazônica, tema que ganhou ares de crise internacional e entrou na pauta principal do encontro do G7, reunido desde sábado em Biarritz, na França.

Incêndios florestais ocorrem com frequência na estação de seca no Brasil, mas dados de satélite divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostraram um aumento de 84% neste ano, na comparação com 2018.

A reação do governo brasileiro diante da gravidade dos incêndios, que vieram a conhecimento do público na semana passada, provocou indignação internacional e uma onda de protestos.

Diversos países se manifestaram de maneira contundente sobre os incêndios. Alguns chegaram a defender boicotes à carne e produtos agrícolas brasileiros, além da derrubada do acordo comercial firmado recentemente entre o Mercosul e a União Europeia.

Escalada do embate

Quinta-feira: 'Nossa casa está pegando fogo'

O embate entre Bolsonaro e Macron começou na quinta-feira (22), quando o presidente francês defendeu em seu perfil no Twitter que as queimadas na Amazônia entrassem na pauta do G7.

"Nossa casa está pegando fogo. Literalmente. A floresta amazônica - os pulmões que produzem 20% do oxigênio do nosso planeta - está em chamas. É uma crise internacional."

As queimadas suscitaram numerosos debates na rede social, e a hashtag #prayforamazonia (reze pela Amazônia) chegou ao topo das mais citadas no Twitter em todo o mundo durante a semana.

A declaração de Macron caiu como uma bomba nos corredores do Palácio do Planalto. Além da escalada da crise, o governo passou a criticar o presidente francês, principalmente em torno do tema da soberania nacional sobre a Amazônia.

No mesmo dia, Bolsonaro escreveu no Twitter lamentar que Macron "busque instrumentalizar uma questão interna do Brasil e de outros países amazônicos p/ ganhos políticos pessoais. O tom sensacionalista com que se refere à Amazônia (apelando até p/ fotos falsas) não contribui em nada para a solução do problema".

Macron havia usado em seu post uma foto da Floresta Amazônica feita por Loren McIntyre, fotojornalista da National Geographic que morreu em 2003.

Bolsonaro acrescentou que o governo brasileiro está aberto ao diálogo, "com base em dados objetivos e no respeito mútuo". "A sugestão do presidente francês, de que assuntos amazônicos sejam discutidos no G7 sem a participação dos países da região, evoca mentalidade colonialista descabida no século 21", escreveu Bolsonaro.

Também na quinta-feira, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente cotado para assumir a Embaixada do Brasil em Washington, repostou em seu perfil no Twitter um vídeo no qual um youtuber chama Macron de "idiota".

Sexta-feira: pronunciamento, panelaço e envio de militares

No dia seguinte, em um pronunciamento televisionado em rede nacional, o presidente brasileiro adotou um tom menos agressivo ao longo de quatro minutos e meio e pediu que o aumento das queimadas na região amazônica não sirva para justificar eventuais sanções econômicas ao Brasil.

"Incêndios florestais existem em todo o mundo, e isso não pode servir de pretexto para possíveis sanções internacionais. O Brasil continuará sendo, como foi até hoje, um país amigo de todos e responsável pela proteção de sua Floresta Amazônica", afirmou.

O pronunciamento foi recebido com panelaços em algumas cidades do país, a exemplo de São Paulo, Salvador, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre.

Em seu discurso, Bolsonaro mencionou a oferta do emprego das Forças Armadas aos estados que compõem a Amazônia Legal, por meio da GLO (Garantia da Lei e da Ordem), para combater os incêndios e disse que a proteção da floresta é dever do país.

Um decreto publicado pouco antes, em uma edição extraordinária do Diário Oficial da União, permite aos militares atuar em áreas de fronteira, terras indígenas, unidades de conservação ambiental e outras áreas da região.

A GLO passaria a valer no dia seguinte.

A sexta-feira também foi marcada por diversos protestos ao redor do mundo em defesa da Floresta Amazônica, a exemplo de São Paulo, Brasília, Mumbai, Londres, Genebra e Barcelona.

Sábado: Acordo comercial UE-Mercosul mais distante

No sábado, foi a vez de Bolsonaro veicular uma foto antiga da Amazônia, ao compartilhar um post originalmente publicado no Twitter do Ministério da Defesa, que trata do uso de 43 mil militares no reforço de ações de combate a incêndios.

A mesma imagem havia sido usada pela pasta em 2015 em um post sobre incêndios na Chapada Diamantina, na Bahia. Segundo o ministério, a utilização da foto neste sábado era "meramente ilustrativa" da aeronave que seria usada na ação, o Hércules C-130.

Bolsonaro fez o comentário ofensivo à primeira-dama francesa, tachado de "sexista" pela imprensa daquele país, nesse mesmo dia.

Na França, na abertura da cúpula do G7, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, afirmou ser difícil imaginar que a União Europeia ratifique o acordo comercial com o Mercosul enquanto o Brasil não controlar as chamas que destroem a Floresta Amazônica.

Macron reiterou que a Amazônia era um "bem comum" do planeta. "Estamos todos envolvidos, e a França está provavelmente mais do que outros que estarão nessa mesa (do G7), porque nós somos amazonenses. A Guiana Francesa está na Amazônia."

Outro membro do bloco europeu, a Irlanda, havia anunciado no dia anterior que pode derrubar o acordo, e a Finlândia, que hoje ocupa a presidência rotativa da União Europeia, chegou a pedir que o bloco avaliasse "urgentemente" a suspensão da importação de carne bovina brasileira como resposta à destruição na Amazônia.

Para o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, por trás da preocupação ambiental, há um mote comercial na tentativa de países europeus de boicotar produtos brasileiros.

Domingo: papa pede orações e Weintraub ofende Macron

No domingo, o papa Francisco também aderiu ao clamor público para proteger a floresta.

"Todos nós estamos preocupados com os grandes incêndios que se desenvolveram na Amazônia. Vamos orar para que, com o empenho de todos, possam ser apagados em breve. Esse pulmão florestal é vital para o nosso planeta", afirmou o pontífice diante de milhares de fiéis, na praça São Pedro, no Vaticano.

O entorno de Bolsonaro manteve as críticas a Macron. No Twitter, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, escreveu que o líder da França "é apenas um calhorda oportunista buscando apoio do lobby agrícola francês" e defendeu "ferro no cretino".

No dia seguinte, Macron disse que Bolsonaro deve ter achado "uma boa ideia" que seu ministro o ofendesse.

Também no domingo, o governo anunciou que a Polícia Federal passaria a investigar uma eventual ação coordenada que visava a ampliar as queimadas na região amazônica.

Segunda-feira: Pacote de ajuda do G7 e brasileiros 'envergonhados'

Em seu último dia, a cúpula do G7 chegou a um acordo para ajudar a combater as queimadas na Floresta Amazônica.

Os líderes do grupo - formado por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido - concordaram em liberar 20 milhões de euros (cerca de R$ 91 milhões) para a Amazônia. A maior parte do montante será usada para enviar aviões de combate a incêndios, informou uma fonte da Presidência francesa.

O grupo das sete maiores economias do mundo também decidiu apoiar um plano de reflorestamento de médio prazo que será divulgado pela ONU em setembro, acrescentou um assessor presidencial.

O presidente dos EUA, Donald Trump, não participou da reunião em que foi fechado o acordo. Mas o presidente francês, Emmanuel Macron, anfitrião da cúpula, afirmou que o colega americano apoia a iniciativa.

Em entrevista a jornalistas nesta segunda, Macron disse que a ofensa de Bolsonaro a sua mulher envergonha os brasileiros e que o colega do Brasil mentiu para ele na reunião do G20 em Osaka, no Japão.

"Quando nos encontramos pela primeira vez, ele disse que faria tudo pelo reflorestamento e o Acordo de Paris tendo em vista o acordo com o Mercosul. Quinze dias depois, ele estava fazendo o oposto, demitindo cientistas. Nós podemos dizer que ele não falou a verdade", disse Macron.

O líder francês também criticou Bolsonaro por desmarcar um encontro agendado com o chanceler francês no início do mês por causa de um "compromisso urgente com o cabeleireiro".

O cancelamento foi considerado uma reação negativa do presidente brasileiro a reuniões do ministro francês com organizações não governamentais que atuam na região amazônica.

Horas depois, Bolsonaro voltou ao Twitter para criticar o colega francês. "Não podemos aceitar que um presidente, Macron, dispare ataques descabidos e gratuitos à Amazônia, nem que disfarce suas intenções atrás da ideia de uma "aliança" dos países do G-7 para "salvar" a Amazônia, como se fôssemos uma colônia ou uma terra de ninguém", escreveu.

Ativistas ambientais acusam o presidente brasileiro de encorajar mineradores e madeireiros, que provocariam incêndios deliberadamente para desmatar a terra de forma ilegal.

No início do mês, Bolsonaro acusou, por sua vez, o Inpe de tentar prejudicar seu governo depois que dados divulgados pelo órgão indicaram aumento acentuado nas taxas de desmatamento na Floresta Amazônica, que tem um importante papel na regulação do clima global, na absorção de dióxido de carbono e na produção de oxigênio.

O governo Bolsonaro teve início em 1º de janeiro de 2019, com a posse do presidente Jair Bolsonaro (então no PSL) e de seu vice-presidente, o general Hamilton Mourão (PRTB). Ao longo de seu mandato, Bolsonaro saiu do PSL e ficou sem partido até filiar ao PL para disputar a eleição de 2022, quando foi derrotado em sua tentativa de reeleição.