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Por que Juan Guaidó vive um de seus piores momentos desde que se proclamou presidente da Venezuela

Juan Guaidó insiste que ele e a Assembleia Nacional têm a legitimidade para negociar com o governo Maduro - EPA
Juan Guaidó insiste que ele e a Assembleia Nacional têm a legitimidade para negociar com o governo Maduro Imagem: EPA

Boris Miranda (@ivanbor) - BBC News Mundo

25/09/2019 17h32

Juan Guaidó, que lidera a oposição venezuelana desde janeiro e chegou a ser a grande esperança dos adversários do chavismo, vive um de seus piores momentos.

O oposicionista enfrenta semanas turbulentas e questionamentos de apoiadores e aliados por três grandes fatores: esgotamento de seu poder de mobilização popular, negociações entre partidos de sua coalizão e o governo de Nicolás Maduro e críticas a fotos em que Guaidó aparece ao lado de paramilitares na Colômbia.

Oito meses se passaram desde que o líder da oposição de declarou presidente interino da Venezuela, e agora precisa lidar com aliados que de um lado cobram mais moderação e diálogo e de outro, uma radicalização maior para derrubar Maduro.

Hoje, nenhum desses extremos avança.

A última tentativa de diálogo dos emissários de Guaidó com o governo (em Barbados e sob a mediação de Noruega) fracassou há duas semanas e, por outro lado, não se vê mais as concentrações massivas de oposicionistas nas ruas da Venezuela, como ocorreu em fevereiro e maio.

Outro revés recente para ele foi a demissão de um de seus maiores e mais aguerridos apoiadores, o americano John Bolton, que deixou o posto de conselheiro de segurança nacional no governo de Donald Trump.

De sua parte, Guaidó, que se mantém como presidente da Assembleia Nacional, insiste na legitimidade de sua liderança e defende que a única instância válida para uma eventual negociação com o governo Maduro deve passar pelo Legislativo.

Guaidó se agarra também ao fato de que 50 países o reconhecem como o presidente de fato da Venezuela, e que nações latino-americanas reiteraram esse apoio nesta terça-feira na Assembleia Geral das Nações Unidas.

Apesar de todos esses problemas, o líder oposicionista ainda conta com o apoio majoritário dos partidos antichavistas.

Mas ele terá capacidade e iniciativa para recuperar o poder de mobilização que demonstrou no primeiro semestre?

De janeiro a maio

A jogada audaciosa de se proclamar "presidente encarregado" em janeiro surpreendeu, e a grande expectativa que se criou em torno de Guaidó se traduziu imediatamente em enormes mobilizações de opositores.

Logo surgiu o "comboio humanitário" em fevereiro, organizado a partir da Colômbia, com 20 caminhões com centenas de toneladas de doações internacionais. A iniciativa, porém, não passou da fronteira em razão do cerco montado por Maduro à época.

A grande maioria dos alimentos, remédios e produtos de limpeza doados naquela ocasião era oriunda dos Estados Unidos, seu maior aliado internacional.

Guaidó fez um gesto ousado: burlou autoridades para atravessou a fronteira e se encontrar com os presidentes de três países da região (Colômbia, Chile e Paraguai) e oficiais americanos.

Ao longo dessas semanas, a coalizão de países do continente conhecida como Grupo de Lima reiterava seu apoio ao opositor, e a Organização dos Estados Americanos (OEA) abriu as portas ao embaixador do "presidente encarregado".

No fim de abril, Guaidó anunciou a fase final do que chamou de Operação Liberdade e novamente convocou a população para manifestações em Caracas.

Ao lado de Leopoldo López, seu mentor político libertado da prisão naquela ocasião, e de uma multidão nas ruas da capital venezuelana, Guaidó não conseguiu concretizar seu objetivo de cercar Nicolás Maduro no Palácio de Miraflores.

Jesús "Chúo" Torrealba, ex-secretário-geral da coalizão opositora Mesa de Unidade Democrática (MUD), explicou à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, que até aquele ponto era visível a efervescência nas ruas, algo que já não é mais visto hoje.

"Certamente não estamos mais no momento de maior ebulição do respaldo social a Guaidó.(...) Nesse ponto de vista, não é o melhor momento dele, mas ele ainda preserva um capital político muito importante", afirma Torrealba, um dos responsáveis por levar Guaidó ao comando da Assembleia Nacional.

Por esse motivo, defende, o líder oposicionista é o "único político venezuelano que poderia ser o rosto de uma proposta de mudança democrática" e que a Assembleia Nacional é a instituição com mais legitimidade para integrar esse processo.

Mas Torrealba adverte que "isso não é eterno e pode se esgotar".

As três facções da oposição

Como a Fase Final agora é só uma lembrança, as mobilizações posteriores de Guaidó tiveram gradativamente menos adesão, ainda que manifestações locais com demandas específicas façam parte do cotidiano venezuelano.

Nos meses seguintes, governo e oposição iniciaram um diálogo em Barbados, mas o processo foi abandonado em agosto por Maduro e em setembro por Guaidó.

Em seguida, autoridades da gestão Maduro e quatro partidos opositores anunciaram que chegaram a um acordo que incluía, entre outros pontos, a reincorporação de deputados chavistas à Assembleia Nacional e a reestruturação do Conselho Nacional Eleitoral.

Entrevistados pela BBC News Mundo que acompanharam de perto o que aconteceu argumentam que é nesse momento em que, silenciosamente, as diferenças entre as três alas da oposição venezuelana — a moderada, a de centro e a radical — se aprofundam com maior velocidade.

Membro do partido Cambiemos, Timoteo Zambrano é um dos integrantes do grupo que decidiu firmar o acordo anunciado em 16 de setembro com autoridades do governo venezuelano.

Ele questiona Guaidó e seu entorno, e os acusa de optar por uma política linha-dura em vez de se concentrar nos problemas cotidianos da população e sair em busca de resultados tangíveis.

"Houve muita promessa e nada se concretizou. Não se conseguiu algo com que a gente possa resolver os problemas", afirmou Zambrano.

O deputado atribui a isso a paulatina perda de força do líder oposicionista e a movimentação de outros políticos da oposição em busca de alternativas.

"É preciso atender a emergência social, sem isso há uma desconexão com o povo."

Zambrano afirma que não se está em busca "de caudilhos nem de líderes messiânicos" e relata ter dito a Guaidó que "se ele chegasse à Presidência da Assembleia Nacional sob o mesmo esquema daqueles que estiveram antes, não alcancaria o que busca fazer".

Jesús Torrealba afirma que muitos dos planos e ações adotados desde que Guaidó se proclamou presidente não foram consensuais. "Mas tal consenso não existe na realidade."

Guaidó se situa no grupo mais ao centro no espectro político da oposição venezuelana, situado entre a fatia que defende negociações permanentes com Maduro e aquela que mantém o radicalismo para derrubar o governo.

O tempo como inimigo

No quartel-general da oposição, a Assembleia Nacional, aponta-se que o tempo é o principal problema do "presidente interino".

Para Manuela Bolívar, deputada do mesmo partido de Guaidó (Vontade Popular, ou Voluntad Popular em espanhol), o passar dos meses amplia tanto a crise social quanto a pressão sobre seu movimento para encontrar uma solução.

"É claro que vivemos momentos difíceis e é claro que muita gente exige que essa solução seja imediata. Há uma angústia, sem dúvida, ninguém está negando isso. Sabemos como o tempo nos afeta como cidadãos e como políticos", disse Bolívar à BBC News Mundo.

Ela afirma que é por isso que a oposição ensaiou diversas fórmulas "constitucionais, pacíficas e institucionais" ao longo do tempo.

"Estamos tentando tudo. Na Venezuela estamos tentando tudo que nos permita caminhar juntos para uma transição", diz.

Bolívar avalia que o tempo também joga contra o governo porque "divide o regime, o enfraquece e racha a estrutura totalitária".

A parlamentar afirma que hoje é difícil fazer sondagens da opinião pública. "As pessoas não sabem se, ao responder a uma pesquisa, o Sebin (Serviço Bolivariano de Inteligência) está te escutando e vai te retirar dos Comitês Locais de Abastecimento e Produção que oferece os únicos alimentos que chegam a alguns lugares do país."

Ela também questiona a representatividade e a importância dos quatro partidos que decidiram negociar em separado com o governo Maduro, mesmo tendo obtido seus votos no âmbito de uma coalizão.

Problemas graves para Guaidó

Além das manifestações de rua, divisões e tentativas fracassadas de diálogo, dois incidentes concretos levantaram dúvidas sobre o discurso de transparência e a luta contra a corrupção defendida com insistência pelo "presidente interino".

Primeiro, em junho deste ano, um caso de supostos desvios de recursos atingiu dois de seus emissários na Colômbia.

As alegações tinham a ver com uma suspeita de desvio de fundos voltados ao apoio à migração venezuelana em solo colombiano e fizeram com que os dois envolvidos fossem afastados de suas funções imediatamente à época.

A decisão foi tomada pelo próprio Guaidó e acompanhada por uma ação judicial movida em Bogotá por seu "embaixador encarregado" solicitando à Promotoria colombiana que investigasse o caso.

O escândalo foi rapidamente capitalizado pelo partido no poder, que acusou os adversários de criar uma rede de corrupção e apresentar um discurso contraditório sobre transparência e honestidade.

À época, o correspondente da BBC News Mundo na Venezuela, Guillermo Olmo, descreveu o episódio como um golpe "onde dói" em Guaidó, já que uma de suas principais bandeiras era sua promessa de acabar com a corrupção.

Esse caso levou a questionamentos de aliados do líder oposicionista, como o secretário-geral da OEA, Luis Almagro, que cobrou explicações.

A dor de cabeça mais recente de Guaidó surgiu com a publicação de fotos nas quais ele aparece com pessoas apontadas como integrantes do grupo paramilitar colombiano Los Rastrojos.

As imagens foram tiradas em 22 de fevereiro, quando Guaidó entrou na Colômbia por um atalho para liderar a caravana de caminhões com ajuda internacional que seria barrada na fronteira com a Venezuela.

Em uma das imagens, é possível ver um homem carregando algo parecido com uma arma.

Por mais de uma semana, as fotografias se tornaram o principal instrumento do chavismo para desqualificar o presidente da Assembleia Nacional e acusá-lo de ligação com criminosos colombianos.

Na Colômbia, os analistas políticos Sandra Borda e Fernando Posada afirmam que essas fotografias provocaram no mínimo questionamentos em torno da figura do político venezuelano.

"É bem provável que Guaidó não soubesse com quem estava sendo fotografado, mas também é sabido que a fronteira é tomada por esses grupos, e não ter suspeitado de um revólver na cintura é um comportamento ingênuo e até politicamente irresponsável ", escreveu a cientista política em sua coluna no jornal colombiano El Tiempo.

Para Posada, em entrevista à BBC News Mundo, as imagens "geraram muitas dúvidas".

O líder da oposição venezuelana imediatamente rejeitou as acusações de que tinha ligação com paramilitares, e o governo colombiano (aliado de Guaidó) garantiu que o "presidente interino" só recebeu apoio de oficiais depois de já ter entrado no território colombiano.

Novas mobilizações?

Em 23 de setembro, completaram-se oito meses desde que Guaidó prestou juramento como "presidente interino".

Depois de tudo que aconteceu, o líder com o maior apoio na oposição afirma que "a ditadura foi derrotada em muitas áreas" e prometeu manter seu movimento coeso.

O venezuelano disse na semana passada que está focado em uma "solução urgente" para seu país e reafirmou ter o apoio do "mundo livre", referindo-se aos mais de 50 países que o reconhecem como a mais alta autoridade executiva do país.

A proposta do oponente é a criação de um "Conselho Plural do Estado" que convocaria eleições presidenciais, desde que Maduro aceitasse deixar o poder antes.

Em troca, Guaidó se oferece para abandonar sua ofensiva como "presidente interino".

Essa oferta já foi rejeitada nas negociações de Barbados pelo chavismo, mas o homem que ainda encarna as maiores esperanças da oposição não desiste.

É por isso que ele pede "mais apoio e pressão" da comunidade internacional.

Mas especialmente dos próprios venezuelanos.