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Abrigo rejeita morador de rua em meio a tufão e causa polêmica no Japão

Autoridades recomendaram que 7 milhões de pessoas deixassem suas casas e fossem para abrigos - EPA
Autoridades recomendaram que 7 milhões de pessoas deixassem suas casas e fossem para abrigos Imagem: EPA

16/10/2019 17h07

Episódio foi alvo de enorme controvérsia no Japão - e agora o primeiro ministro, Shinzo Abe, deu sua opinião sobre o assunto.

Após dias de controvérsia sobre o tema no país, o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, afirmou que os abrigos para tufão do Japão "deveriam ser abertos a todos". A declaração veio após as críticas sofridas quando duas pessoas sem-teto foram rejeitadas durante a pior tempestade do país em décadas.

O tufão Hagibis trouxe chuva pesada e ventos de 225km/h no fim de semana, deixando 72 mortos.

Mas quando dois moradores de rua tentaram entrar em um abrigo em Tóquio durante a tempestade, eles foram recusados porque não tinham endereço.

O caso gerou um grande debate no Japão — em que nem todos foram solidários aos sem-teto.

O que aconteceu no episódio?

Quando o Hagibis apareceu no sábado de manhã, um morador de rua de 64 anos buscou abrigo em uma escola de ensino fundamental que estava sendo usada como um centro de evacuação.

A escola ficava no bairro de Taito, que inclui San'ya — uma área em que historicamente moravam muitos operários, e agora moradores de rua.

De acordo com oficiais que falaram com a publicação Asahi Shimbun, os atendentes pediram que o homem escrevesse seu nome e endereço. Quando ele disse que não tinha endereço, ele foi rejeitado e não pôde entrar.

"Eu disse para eles que eu tinha um endereço em Hokkaido (ilha a quilômetros de distância de Tóquio), mas nem assim eles me aceitaram", ele disse.

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Moradores limpam a destruição em Kawasaki, no Japão, depois do tufão
Imagem: GETTY IMAGES

Sem lugar para dormir, o homem disse que passou a noite sob um guarda-chuva, improvisando um abrigo na marquise de um prédio. "O vento estava forte e chovia."

Naquela tarde, outro morador de rua foi rejeitado.

Como as pessoas reagiram?

À medida que a notícia se espalhou nas redes sociais, houve muita indignação a respeito da decisão do abrigo.

"É esse o país que vai ser anfitrião das Olimpíadas?", questionou um internauta no Twitter, lembrando que os Jogos Olímpicos do próximo ano serão na capital, Tóquio. "As pessoas de outros países vão ver isso e pensar que esse é um país horrível."

O Centro de Bem-estar dos Trabalhadores de San'ya, uma instituição de caridade, reagiu à polêmica abrindo o estabelecimento para funcionar como abrigo no sábado à noite.

Mas outros foram menos solidários, sugerindo que moradores de rua malcheirosos ou com doenças mentais só deveriam ser acolhidos nos abrigos se houvesse uma área separada.

"Se você quer seus direitos, cumpra suas obrigações primeiro", disse outro no Twitter. "Você consegue dormir perto de uma pessoa fedorenta?"

O primeiro-ministro foi questionado sobre o episódio no Parlamento e disse que "centros de evacuação deveriam deixar entrar qualquer pessoa". "Vamos analisar os fatos e tomar as providências necessárias", acrescentou.

Diante da repercussão, o bairro do Taito disse que revisará seus procedimentos para ajudar as pessoas sem endereço na região.

Segundo Yuko Kato, correspondente da BBC News em Tóquio, há cerca de 1,1 mil moradores de rua em Tóquio, circulando por parques, ruas e à beira do rio.

"Eles raramente se misturam com o resto da população. Mas o tufão os trouxe para a linha de frente da nossa consciência", diz. "Algumas pessoas ficaram simplesmente assustadas de dividir o mesmo espaço com eles."

As redes sociais, segundo Kato, mostraram a visão libertária que tem dominado a opinião pública japonesa. "Alguns disseram que os moradores de rua não deveriam se beneficiar de serviços públicos, porque eles não pagam impostos. Muitos rejeitaram essa ideia, não só por decência humana, mas por termos práticos, já que os moradores de rua pagam impostos quando compram alguma coisa."

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Estudantes e moradores removem lama depois de enchentes causadas por tufão Hagibis
Imagem: REUTERS

Destruição e deslizamentos

O Hagibis deixou um rastro de destruição em sua passagem pelo Japão, provocando enchentes e deslizamentos de terra.

Hagibis — que significa "velocidade" em Tagalo, um idioma falado nas Filipinas — é o maior tufão a atingir o país em 60 anos.

O fenômeno atingiu a Península de Izu, no sudoeste de Tóquio, pouco antes das 19h hora local (7h de Brasília) no sábado (12/10), antes de se mover para o norte pela costa do país.

As chuvas torrenciais provocaram um aumento no nível de água de vários rios, incluindo o Arakawa, que atravessa a capital japonesa. No bairro de Nagano, no centro de Tóquio, a água cercou os famosos trens-bala, enquanto helicópteros retiraram moradores ilhados dos telhados de suas casas.

Dezenas de milhares de militares e socorristas foram mobilizados pelas autoridades japonesas.

Aproximadamente 150 mil casas na Grande Tóquio ficaram sem eletricidades e a distribuição de água corrente também foi atingida. Viagens de trem e voos foram cancelados.

Autoridades japonesas recomendaram que 7 milhões de pessoas deixassem suas casas, mas somente 50 mil permaneceram em abrigos.

No mês passado, outro tufão, o Faxai, causou destruição em partes do Japão, danificando 30 mil casas, muitas das quais ainda não foram reparadas.