De salários menores para servidores a menos municípios, os desafios do megapacote de Guedes no Congresso
Governo Bolsonaro lança Plano Mais Brasil com promessa de equilibrar contas públicas e recuperar investimentos no país, mas depende da articulação com parlamentares para aprovar pontos mais controvertidos.
O presidente Jair Bolsonaro entregou ao Congresso nesta terça-feira (05/11) a primeira parte de um amplo conjunto de reformas econômicas, batizado de Plano Mais Brasil. O ministro da Economia, Paulo Guedes, não quis, no entanto, fazer projeções sobre em quanto tempo as medidas seriam aprovadas pelos parlamentares.
As primeira reformas anunciadas — inseridas em três propostas de emenda constitucional (PECs) apresentadas ao Senado — buscam criar mecanismos emergenciais e de longo prazo para equilibrar as contas públicas de União, Estados e Municípios, além de dar mais flexibilidade à definição dos gastos desses governos.
São medidas que já despertam resistências no Congresso, como a possibilidade de temporariamente congelar concursos públicos, reduzir jornada e salários de servidores e proibir reajuste real (acima da inflação) do salário mínimo. Outro ponto polêmico é a alteração de regras para despesas com Saúde e Educação.
O pacote também prevê a extinção de municípios com menos de 5 mil habitantes cuja arrecadação própria (ou seja, sem contar repasses vindos dos governos estadual e federal) for menor que 10% da receita total, que seriam absorvidos por cidades vizinhas em 2025. Isso permitiria reduzir gastos com máquina pública, como câmaras de vereadores.
Não há ainda estimativa de quantos municípios seriam afetados — hoje há 1.254 com menos de 5 mil habitantes, segundo estimativas do IBGE, mas o número exato de quantos deles se encaixariam no critério da arrecadação não foi divulgado.
Nas reformas, o governo Bolsonaro também propõe distribuir R$ 400 bilhões em 15 anos para Estados e municípios. O dinheiro virá, principalmente, de receitas arrecadadas na exploração de petróleo que inicialmente seriam da União.
'Bola de neve'
Segundo Guedes, as medidas buscam melhorar a qualidade do gasto brasileiro e abrir espaço para mais investimentos. "Nosso espírito (com o conjunto de reformas) é uma agenda de transformação do Estado brasileiro. Há dezenas de Estados e municípios quebrados, e a União só não quebra porque se endivida com bola de neve", afirmou.
Desde 2014, o governo federal amarga rombos bilionários nas suas contas. O déficit desse ano deve ficar em cerca de R$ 80 bilhões.
Num "futuro próximo", segundo a equipe econômica, está previsto ainda o envio de outras duas PECs: uma reforma administrativa que busca mudar regras de remuneração e estabilidade para novos servidores públicos vai começar a ser analisada pela Câmara e uma reforma tributária para simplificar a cobrança de tributos no país será analisada simultaneamente por deputados e senadores.
Além disso, será encaminhado para a Câmara um projeto de lei que permita agilizar a privatização de estatais.
Questionado sobre o risco de o conjunto de medidas ser "desfigurado" no Congresso e de parte das reformas ficar parada no Parlamento, dado o grande números de reformas, Guedes disse que houve diálogo prévio com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, em que se decidiu pelo envio simultâneo de propostas para as duas Casas legislativas.
"A ideia de colocar uma agenda mais ampla foi consenso político. O próprio fatiamento (das reformas entre Câmara e Senado) foi colocado por essas lideranças (do Congresso). Há um clima extraordinário de cooperação", disse Guedes.
"Evidentemente, o Congresso pode mudar à vontade", ressaltou.
A proposta de inserir no cálculo dos gastos mínimos previstos pela Constituição para saúde e educação as despesas com servidores aposentados, porém, gerou críticas imediatas de Maia. Como o número de aposentados não para de crescer, isso na prática reduziria a obrigação com outros gastos como construção de escolas e hospitais, material escolar, remédios e contratação de novos professores e médicos.
Depois da reação negativa, o secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, disse a jornalistas que o governo errou ao incluir esse ponto na proposta encaminhada hoje e que isso será retirado no Senado.
O que será mantido é a previsão de somar os patamares mínimos de gastos nas duas áreas, permitindo que os governos compensem aumentos de gastos em uma área (saúde ou educação) com cortes na outra.
"É uma pauta importante, com alguns temas difíceis, que certamente não vão prosperar, mas em toda proposta ambiciosa há pontos que avançam", afirmou Rodrigo Maia, ao comentar o pacote de medidas.
Governo está indo com muita sede ao pote?
O cientista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria, considera que o amplo conjunto de reformas proposto pelo governo é uma tentativa de responder as cobranças por medidas para destravar o crescimento econômico após a reforma da Previdência. "O crescimento desse ano está bem abaixo do previsto inicialmente", destaca ele.
Além disso, acredita Cortez, o envio de várias propostas simultâneas para a duas Casas permite atender às demandas tanto do Senado quanto da Câmara por protagonismo na agenda econômica.
"Há uma disputa pela agenda reformista, há espaço no Congresso para reformas mais amplas, mas com o tempo isso tende a perder fôlego. Qual vai ser a prioridade? O governo pode pagar o preço da ambição", pondera o cientista político ao avaliar as chances de aprovação das propostas.
Na entrevista coletiva após o anúncio do pacote, Guedes disse que a reforma administrativa é a que tem espaço para ser aprovada mais rapidamente. Ele reconheceu que a tributária deve demorar mais.
"Em vez de mandar tudo de uma vez e deixar as propostas pegando chuva no Congresso, o governo deveria ter encaminhado as reformas por etapas, priorizando o que for mais viável politicamente", avalia a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif.
Entusiasta das reformas econômicas de Guedes, o deputado federal Felipe Rigoni (PSB-ES) não vê problema no envio simultâneo de diversos projetos, mas reconhece que algumas propostas sofrerão resistência.
"Mudança nos patamares mínimos de gastos em Saúde e Educação, pode esquecer, não vai passar. Há um entendimento na sociedade e no Congresso que é importante preservar essas áreas", disse à BBC News Brasil.
Rigoni já está escalado para ser relator de uma PEC proposta pelo deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) que tem conteúdo similar à apresentada nesta terça pelo governo prevendo cortes automáticos de gastos públicos, que ficou batizada de PEC Emergencial. O foco é permitir uma série de cortes temporários nas despesas de União, Estados e municípios quando eles desrespeitarem limites fiscais previstos em leis.
Em caso de desrespeito da Regra de Ouro, que impede endividamento da União para gastos que não sejam investimentos, a proposta prevê, por exemplo, corte de 25% da jornada dos servidores federais com corte proporcional de salários por um ano, o que geraria economia de cerca de R$ 10 bilhões.
Alguns economistas, como Bráulio Borges, da Fundação Getulio Vargas, consideram a medida muito radical e com potencial para afetar a qualidade dos serviços públicos.
"São medidas (propostas) porque estamos em situação de muita fragilidade fiscal. Estamos pedindo esforço, em especial dos servidores públicos, para que possamos virar a página da crise fiscal. São medidas que vão permitir abrir espaço para investimentos", defendeu o secretário especial-adjunto de Fazenda do Ministério da Economia, Esteves Colnago, que também respondeu a perguntas de jornalistas.
Para o deputado Rigoni, há disposição do Congresso para votar as reformas, mas ele reconhece que a falta de uma base governista organizada e os ruídos constantes gerados por declarações do presidente e seus filhos tendem a atrasar as votações. Ele acredita que a PEC Emergencial, por exemplo, pode não ser aprovada se atrasar muito.
"Essa proposta precisa ser votada ainda esse ano na Câmara. Como são medidas muito duras, fica mais difícil aprovar ano que vem por causa da eleição municipal. Já no Senado, o efeito da eleição é menor", ressaltou, lembrando que muitos deputados costumam se candidatar a prefeitos ou apoiam candidato em suas cidades.
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