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Bolsonaro pode ser proibido de bloquear seguidores nas redes sociais, como Trump?

Um processo no Supremo questiona Bolsonaro por ter bloqueado uma deputada no Twitter - Reuters
Um processo no Supremo questiona Bolsonaro por ter bloqueado uma deputada no Twitter Imagem: Reuters

Juliana Gragnani e Rafael Barifouse

Da BBC News Brasil em Londres e São Paulo

13/11/2019 08h15

Ontem a deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) publicou em seu perfil no Twitter uma imagem que mostra que ela foi impedida de ter acesso ao conteúdo do perfil do presidente Jair Bolsonaro na rede social.

"Tão valentão, tão seguro de si, tão forte... que bloqueia uma deputada que discorda dele. Jair Bolsonaro é um covarde. Nos Estados Unidos, o boçal Donald Trump foi impedido pela Justiça de bloquear seus críticos. Buscaremos o mesmo para o presidente brasileiro", escreveu ela.

Esta não é a primeira vez que Bolsonaro, que tem 5,4 milhões de seguidores na rede, bloqueia políticos e outras pessoas que o tenham criticado. Ele, aliás, já está sendo interpelado judicialmente por isso.

Por esse mesmo motivo, a deputada federal Natália Bonavides (PT-RN) entrou com um processo contra o presidente em agosto. Na ação, o debate será sobre se ele tem direito de bloquear o acesso de qualquer pessoa ao conteúdo de suas contas em redes sociais.

A deputada do PT diz que ficou "bastante surpresa" por ter sido bloqueada por Bolsonaro. "Ele usa muito as redes sociais. Era de se esperar que permitisse que o debate político fosse feito através delas, mas isso é condizente com o perfil autoritário dele de tentar interditar o debate público e inviabilizar a oposição. Ele prefere ignorar quem o denuncia", diz ela à BBC News Brasil.

O Palácio do Planalto afirmou que não se manifestará sobre o assunto.

'É minha prerrogativa fiscalizar o presidente', diz deputada

Bonavides foi bloqueada após responder a um post publicado por Bolsonaro em 22 de agosto.

Em meio às críticas do presidente francês Emmanuel Macron por causa dos incêndios na Amazônia, o presidente tuitou: "O governo brasileiro segue aberto ao diálogo, com base em dados objetivos e no respeito mútuo. A sugestão do presidente francês de que assuntos amazônicos sejam discutidos no G7 sem a participação dos países da região evoca mentalidade colonialista descabida no século 21".

Bonavides respondeu: "Bolsonaro sempre mente muito. Mas querer se passar de nacionalista? O presidente mais entreguista, o que está se desfazendo do patrimônio nacional, o que está de joelhos pros EUA, o que quer destruir a nossa Amazônia? #SePassa".

Quando a deputada voltou ao perfil de Bolsonaro para checar se tinha recebido uma resposta, viu que havia sido bloqueada pelo presidente.

"Além de ser uma conta que divulga informações sobre a atividade institucional do mandato do presidente, sou uma parlamentar. Tenho a prerrogativa de fiscalizar o que ele faz e analisar o que posta em relação a viagens oficiais, projetos de lei que o Executivo vai enviar ao Congresso", afirma Bonavides.

Por ser um mandado de segurança contra atos do presidente, o processo é julgado pelo Supremo Tribunal Federal, onde é relatado pelo ministro Alexandre de Moraes, que ainda não se manifestou oficialmente.

Mas o procurador-geral da República, Augusto Aras, se posicionou nesta semana ? e a favor de Bolsonaro. Aras argumentou que não é de competência de órgãos oficiais a administração da conta de Bolsonaro na plataforma e que as publicações feitas por ele em redes sociais não são submetidas ao princípio constitucional de publicidade de atos administrativos.

"Apesar da conta pessoal do Presidente da República ser utilizada para informar os demais usuários da rede social acerca da implementação de determinadas políticas ou da prática de atos administrativos relevantes, as publicações no Twitter não têm caráter oficial e não constituem direitos ou obrigações da Administração Pública", disse Aras, ao defender o não reconhecimento da ação pelo STF.

Por sua vez, Bonavides destaca que o próprio Bolsonaro já disse que várias pessoas têm a senha deste perfil. "Como uma conta tem caráter pessoal se não é nem o presidente que a administra pessoalmente?"

A Advocacia-Geral da União informou que, apesar de constar no processo como representante do presidente, não será responsável pelo caso e que Bolsonaro será representado por advogados particulares. À BBC News Brasil, o STF disse que ainda não foi notificado sobre esta decisão. O Twitter afirmou por meio de sua assessoria de imprensa que não comentará o processo.

Bloqueio por Trump é inconstitucional, disse a Justiça americana

Bonavides entrou com a ação contra Bolsonaro tendo como referência um episódio bastante semelhante que aconteceu nos Estados Unidos.

Em julho deste ano, um tribunal federal do país decidiu que o presidente Donald Trump violou a Constituição americana ao bloquear críticos a ele no Twitter.

O entendimento da Justiça americana se baseou na Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos, que protege a liberdade de expressão no país. O governo americano pediu nova audiência.

De forma unânime, os três juízes do tribunal decidiram que a conta de Trump é pública, já que ele a usa para publicar conteúdo institucional em seu perfil e anunciar decisões relacionadas ao governo. Assim, não pode impedir cidadãos de terem acesso às suas publicações ou de responder a elas.

No processo, os representantes de Trump argumentaram que a conta não era do governo, mas um perfil privado. Portanto, não estaria bloqueando usuários enquanto autoridade, mas como um cidadão comum. Também afirmaram que o uso da rede social por Trump não criaria ali um fórum de debate público. Seria meramente a maneira pela qual ele se comunica com outras pessoas.

No entanto, Katie Fallow, representante do Instituto Knight Primeira Emenda, da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, que defende a liberdade de expressão e de imprensa na era digital, afirma que, pelas características do perfil e seu conteúdo, é uma conta do governo.

Junto com sete usuários do Twitter que disseram ter sido bloqueados pela conta @realDonaldTrump, o instituto entrou com o processo contra o presidente americano.

"Basta analisar a página de Trump no Twitter, sua descrição (45º presidente dos Estados Unidos), suas fotos conduzindo assuntos oficiais e todo o conteúdo, anunciando políticas oficiais, indicações de cargos oficiais e decisões sobre política externa, entre outros, para ver que o presidente usa a conta como governante", diz Fallow.

Segundo a advogada, depois da decisão, o presidente americano desbloqueou as sete pessoas que reclamaram na Justiça e outras que também haviam sido bloqueadas ? mas não todas.

E quanto ao caso de Bolsonaro?

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil sobre o caso de Bolsonaro defendem que o entendimento da Justiça americana também se aplicaria a esta situação.

De um ponto de vista jurídico formal, diz Elival da Silva Ramos, ex-procurador-geral do Estado de São Paulo e professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, a conta do presidente tem caráter privado, por não ser vinculada a nenhuma entidade pública. Mas argumenta que o uso dado ao perfil não permite ter este entendimento no caso específico.

"Bolsonaro usou suas contas em redes sociais para fomentar sua carreira política, conquistar adeptos. Ele a utiliza para expor suas opiniões, fazer críticas, apresentar projetos. Assim, a transforma em um fórum de debate público e não pode escolher com quem debate porque não gosta do que certas pessoas dizem. Deve estar aberto a opiniões desfavoráveis", afirma.

Para Ramos, ao bloquear o acesso de alguém a uma conta sua em redes sociais, Bolsonaro fere o direito à cidadania desta pessoa.

"Por ser quem é e estar no cargo que está, há interesse social no que publica ali. Ele pode não querer usar essas redes, é um direito dele, mas, se decide usar, não pode fazer exclusões de caráter ideológico. Pode não responder com quem não concorda, mas tem de seguir as regras do sistema democrático e não pode fugir do debate público."

Caio Vieira Machado, advogado e pesquisador do Instituto de Internet da Universidade de Oxford, no Reino Unido, observa que, quando um presidente como Bolsonaro ou Trump publica um tuíte e outros usuários comentam sobre aquilo, um espaço de debate é criado.

"O governante não é obrigado a ler esse conteúdo. Contudo, as pessoas têm o direito de ver o que ele está postando, e aquilo vira um espaço de democracia. A postagem cria espaços de debate que são protegidos e que não podem ser suprimidos."

Para ele, é intrínseco a este debate o direito de expressar opiniões divergentes, de confrontar opiniões. "O governante não pode, com sua visão política, modular ou cercear esses espaços", afirma.

Fallow, do Instituto Knight, observa que, ao excluir quem discorda do que escreve nas redes sociais, políticos podem criar uma falsa percepção de que todos concordam com suas medidas. "Há pessoas que vão lá só para ler o que as pessoas em geral estão falando. Como vão ver a realidade se houver usuários bloqueados?", questiona.

Machado, de Oxford, lembra que uma pessoa bloqueda pelo dono de um perfil pode conseguir a informação publicada ali de outra forma, ao acessar esta página sem estar logada à própria conta. Mas não é possível responder aos posts publicados ali e, além disso, isso obrigaria os usuários a buscar formas de se esquivar dos bloqueios, "colocando um encargo em cima dos usuários". "O presidente não pode criar esses empecilhos, a informação tem de ser facilitada."

Ministro da Educação é processado pelo mesmo motivo

Esta não é a primeira ação do tipo movida contra um integrante do governo. Em julho, a antropóloga Debora Diniz, professora da Universidade de Brasília, entrou na Justiça contra o ministro da Educação, Abraham Weintraub, depois dele a bloquear no Twitter.

Diniz havia criticado Weintraub por um post em que ele afirmou que o avião presidencial "já transportou drogas em maior quantidade", em referência ao flagrante de 39 kg de cocaína por autoridades da Espanha na bagagem de um sargento da Aeronáutica que fazia parte da comitiva de Bolsonaro. "Alguém sabe o peso do Lula ou da Dilma?", escreveu o ministro.

Após o bloqueio, Weintraub afirmou pela rede social que ninguém é obrigado a segui-lo e que informações institucionais deveriam ser obtidas por meio do perfil oficial da pasta. O ministro disse ainda que o local apropriado para um debate é o Congresso Nacional e que não queria "gente chata e de esquerda" em seu perfil. "Meu Twitter, minhas regras", escreveu ele na página.

Diniz afirma na ação que esta atitude viola o direito ao acesso à informação e à liberdade de expressão. O Ministério da Educação afirmou à BBC News Brasil que não comenta o processo.

"A conta oficial de rede social de um representante do Estado não é pessoal. Diferente da minha, a conta do ministro ou do presidente da República publica informações de interesse público e pronunciamentos que interessam ao acesso à informação para a participação cidadã no debate público", afirma Diniz.

"No caso do ministro, sua série de bloqueios foi politicamente motivada, o que torna a situação ainda mais grave. É uma motivação discriminatória e antidemocrática incompatível com o que o cargo exige."