Morte de George Floyd: o que diz a lei de 1807 que Trump ameaça invocar para usar Exército contra protestos
"Se uma cidade ou Estado se recusar a tomar as medidas necessárias, vou enviar o Exército dos Estados Unidos para resolver o problema rapidamente por eles."
Assim, o presidente americano, Donald Trump, alertou sobre a possibilidade de enviar tropas às ruas para conter os protestos desencadeados pela morte de George Floyd.
Floyd, um homem negro de 46 anos, morreu depois que um policial branco apoiou o joelho em seu pescoço por mais de oito minutos na cidade de Minneapolis. A ação foi filmada e o vídeo se espalhou rapidamente pelas redes sociais.
Manifestações logo surgiram em diversas das grandes cidades dos Estados Unidos, com danos a edifícios públicos, saques de estabelecimentos comerciais e a declaração de toque de recolher em vários locais.
Esses tumultos são considerados os mais violentos desde os registrados em abril de 1968 em resposta ao assassinato de Martin Luther King Jr. por um supremacista branco.
Alguns dos governadores recorreram à Guarda Nacional, que é composta por reservistas voluntários que podem ser chamados nessas emergências. Eles também solicitaram reforços de cerca de 16 mil soldados.
Mas Trump considerou essa resposta fraca e alertou que pode enviar as Forças Armadas se os estados não conseguirem conter os protestos. Trata-se de um recurso incomum.
A última vez em que algo assim aconteceu foi em 1992, durante os protestos que eclodiram em Los Angeles, na Califórnia, como resultado do espancamento de Rodney King, um homem negro, por policiais.
O presidente americano tem o poder de ordenar isso graças à chamada Lei de Insurreição, que foi criada em 1807 e prevê o recurso ao Exército em casos de extrema gravidade e ameaça de ordem pública.
O que é uma 'insurreição'
Esta lei federal "autoriza o emprego das forças terrestres e navais dos Estados Unidos em casos de insurreição" e, nos últimos 200 anos, ela passou por várias mudanças e emendas.
O Código de Leis dos Estados Unidos, uma compilação e codificação da legislação federal, diz em seu Capítulo 15 que essa lei permite ao presidente "enviar tropas militares ao território americano para acabar com a desordem, a insurreição e a rebelião".
No entanto, para invocar essa lei, como aponta o jornalista Domenico Montanaro, da NPR, o presidente deve atender a certos requisitos antes.
"De acordo com o Código, você deve primeiro fazer uma proclamação aos 'insurgentes' pedindo que eles se dispersem. Se a situação não se resolver, o presidente pode emitir uma ordem executiva (decreto) para enviar tropas", diz ele.
Montanaro também aponta que a lei é ambígua sobre se essa ajuda federal precisa ou não ser expressamente solicitada pelo governador do estado afetado.
Na maioria dos casos em que a Lei de Inssureição foi invocada houve essa solicitação, mas, em outros, a solicitação da autoridade estadual não foi necessária.
Até terça-feira (02), Trump apenas apontou que, se os governadores não controlassem os protestos, ele recorreria ao Exército. No entanto, ele não emitiu um ultimato.
Governadores contra
Vários analistas e políticos locais observam que, embora tenham ocorrido saques e ataques a prédios do governo, também existem mobilizações pacíficas que não se enquadram na descrição de "desordem, insurreição ou rebelião".
"Rejeito a ideia de que o governo federal possa enviar tropas ao Estado de Illinois", disse à CNN o governador democrata Jay Robert Pritzker.
"(Trump) agora vê um momento em que há tumultos devido à injustiça cometida contra George Floyd e quer instalar outra situação em que pode se apresentar como o presidente da lei e da ordem."
A última emenda a essa lei foi feita em 2006, um ano após o furacão Katrina matar quase 3,5 mil pessoas, e foi resultado de fortes críticas à resposta do governo federal a essa emergência.
Após essa mudança, a possibilidade de invocar a lei foi ampliada para combater "ataques terroristas em solo americano e ajudar em casos de desastres naturais".
No entanto, vários governadores temeram perder sua autonomia, e a emenda foi revogada em 2008.
Quando a lei foi usada?
Embora Thomas Jefferson tenha recorrido à lei em 1808 e outros presidentes dos Estados Unidos tenham feito o mesmo no século 19, ela foi especialmente usada durante os anos da luta pelos direitos civis, em meados do século XX.
O primeiro foi Franklin Roosevelt, em 1943, antes dos tumultos na cidade de Detroit. E então os presidentes Dwight Eisenhower, John Kennedy e Lyndon Johnson recorreram à lei em momentos diferentes.
Johnson a invocou em três cidades diferentes em abril de 1968 por causa dos tumultos que se seguiram ao assassinato de Martin Luther King Jr.
George H. Bush recorreu a ela em 1989 e 1992. Em 1989, foi a pedido do governo das Ilhas Virgens, que é um território americano, pelos saques que ocorreram após a passagem devastadora do furacão Hugo.
Quando foi a última vez que foi invocada?
Em 1992, foi a pedido do governador da Califórnia, em meio a protestos que eclodiram depois que quatro policiais foram exonerados depois de espancar brutalmente um taxista negro nos arredores de Los Angeles.
Em março do ano anterior, após uma perseguição, policiais prenderam Rodney King, que havia fugido de uma blitz. King estava em liberdade condicional e poderia ser mandado de volta para a prisão por este motivo.
Depois que ele resistiu à prisão, os policiais o tiraram do veículo e o espancaram brutalmente, deixando-o gravemente ferido. Uma pessoa gravou tudo e enviou o vídeo para um noticiário local.
Um ano depois, um júri formado principalmente por brancos considerou os policiais culpados de agressão e uso excessivo de força. Isso também provocou uma série de protestos nas ruas de Los Angeles.
Após três dias de violentos tumultos, que afetaram grandes áreas da cidade e deixaram vários mortos, George H. Bush invocou a Lei da Insurreição a pedido do governador Pete Wilson, e enviou quase 4 mil soldados para a cidade.
Com a chegada das tropas, as manifestações cessaram. No total, 60 pessoas morreram, e os danos foram avaliados em cerca de US$ 800 milhões.
Aquela foi a última vez que a Lei da Insurreição foi usada — ao menos, até agora.
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