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Inquérito das fake news: relator Alexandre de Moraes vota por continuidade de investigação; entenda

Alexandre de Moraes é o relator do inquérito que investiga fake news - NELSON JR./SCO/STF
Alexandre de Moraes é o relator do inquérito que investiga fake news Imagem: NELSON JR./SCO/STF

Mariana Schreiber - @marischreiber

Da BBC News Brasil em Brasília

17/06/2020 12h57

Os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) voltaram a julgar, na manhã desta quarta-feira (17), se o chamado inquérito das fake news está de acordo com a Constituição e pode prosseguir. Primeiro a votar nesta manhã, o ministro Alexandre de Moraes defendeu que o inquérito é constitucional e pode continuar.

A argumentação de Moraes — que é o relator do inquérito — é a de que o regimento interno do STF permite a abertura de investigações que tenham por objeto agressões contra a Corte e os seus integrantes, independente do local físico onde aconteçam. Já os críticos do inquérito argumentam que a regra só permite investigações de fatos ocorridos dentro da sede física do Supremo, em Brasília.

Durante seu voto, Moraes também rebateu outra acusação feita pelos críticos: a de que a investigação não seria válida pelo fato de ter sido aberta a pedido do próprio presidente do STF, ministro Dias Toffoli, e não do MPF (Ministério Público Federal). No sistema jurídico brasileiro, a iniciativa das investigações cabe ao MP.

"A argumentação da titularidade da ação penal pública (não significa) o impedimento genérico para qualquer investigação a ser realizada, sem ser requisitada pelo Ministério Público. (...) Não se confunde a titularidade da ação penal pública com a possibilidade de investigação", diz Moraes - em seguida, ele cita outros momentos em que o próprio STF determinou a realização de investigações.

"Ao presidente do Supremo Tribunal Federal, como chefe do Poder Judiciário, compete — é muito mais que um direito, é um dever — compete a defesa institucional da Corte, e da independência dos seus magistrados. Independência que somente será plenamente assegurada quando garantidas a integridade física, psíquica e a própria vida de seus membros, contra graves ameaças, ofensas e atentados", disse Moraes.

Ao fim do voto, Moraes defendeu que o inquérito prossiga, tal como se encontra. O objeto do julgamento do STF desta quarta é uma ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental), apresentada pela Rede Sustentabilidade em 2019. Moraes votou pela improcedência total da ADPF.

A expectativa é de que o julgamento prossiga durante a manhã e a tarde desta quarta-feira. Depois do voto de Alexandre de Moraes, quem vota agora é o ministro Luís Roberto Barroso.

O julgamento foi iniciado pelos ministros do STF na quarta-feira passada (10). Na ocasião, só o ministro Edson Fachin votou. Ele é o relator da ação apresentada pela Rede Sustentabilidade. Fachin considerou que o inquérito é constitucional, desde que a investigação respeite algumas regras, restringindo, assim, o alcance da apuração conduzida pelo ministro Alexandre de Moraes desde março de 2019.

Na semana passada, Dias Toffoli, pediu uma trégua na disputa entre Poderes - Fellipe Sampaio/SCO/STF - Fellipe Sampaio/SCO/STF
Na semana passada, Dias Toffoli, pediu uma trégua na disputa entre Poderes
Imagem: Fellipe Sampaio/SCO/STF

Histórico de polêmicas

O inquérito 4.781 foi iniciado para apurar ataques ao STF e seus ministros por meio de notícias fraudulentas, denunciações caluniosas e ameaças.

A investigação já permitiu a Alexandre de Moraes tomar as mais diversas decisões, inclusive a retirada temporária do ar de uma reportagem com conteúdo negativo sobre Toffoli do site da revista Crusoé no ano passado, o que foi considerado censura até por outros integrantes do STF.

Já em maio deste ano, Moraes deflagrou uma operação contra parlamentares, empresários e ativistas aliados do presidente Jair Bolsonaro, suspeitos de integrar uma sociedade criminosa que opera uma rede de disseminação de notícias falsas e ameaças ao STF, inclusive com a defesa do fechamento da Corte pelas Forças Armadas.

Os investigados, por sua vez, negam que tenham cometido crimes e dizem que suas falas críticas ao Supremo seriam manifestação de sua liberdade de expressão.

Os advogados dos investigados também costumam reclamar da falta de acesso às apurações, que são sigilosas — o que dificulta o exercício do direito à defesa. Na sessão desta quarta-feira, Moraes respondeu a estas críticas dizendo que franqueou o acesso dos advogados às partes do inquérito que dizem respeito aos seus clientes.

Fachin: inquérito pode prosseguir, mas com balizas

Na semana passada, o ministro Luiz Edson Fachin disse que o inquérito é constitucional e deve prosseguir — mas, diferente de Alexandre de Moraes, defendeu algumas modificações no andamento do inquérito.

Em meio às críticas de que o inquérito seria autoritário e inconstitucional, Fachin considerou que a investigação é legal porque, para o ministro, houve omissão de órgãos de controle (como Ministério Público e Polícia Federal) na apuração de ameaças à Corte. Ele, no entanto, estabeleceu quatro restrições ao funcionamento do inquérito para que seja considerado legal.

Segundo o ministro, é obrigatório que a investigação seja acompanhada pelo Ministério Público. Além disso, as defesas dos investigados devem ter amplo acesso às provas produzidas na investigação, conforme prevê a Súmula Vinculante 14 do STF.

O ministro Edson Fachin já havia votado na semana passada pela constitucionalidade do inquérito - NELSON JR./SCO/STF - NELSON JR./SCO/STF
O ministro Edson Fachin já havia votado na semana passada pela constitucionalidade do inquérito
Imagem: NELSON JR./SCO/STF

A terceira restrição determinada por Fachin é que o inquérito só pode investigar manifestações que, "denotando risco efetivo à independência do Poder Judiciário, pela via da ameaça aos membros do Supremo Tribunal Federal e a seus familiares, atentem, assim, contra os Poderes instituídos, contra o Estado de Direito e contra a democracia".

A quarta restrição estabelecida pelo ministro é que o inquérito "observe a proteção da liberdade de expressão e de imprensa, nos termos da Constituição". Segundo ele, para que isso ocorra, devem ser excluídas do escopo do inquérito "matérias jornalísticas e postagens, compartilhamentos ou outras manifestações, inclusive pessoais, da internet, feitas anonimamente ou não, desde que não integre esquemas de financiamento e divulgação em massa nas redes sociais".

Em seu voto, Fachin destacou a importância da liberdade de expressão, mas disse que ela não abarca ameaças ao Poder Judiciário, ao Congresso e pedidos por ditadura — três agendas autoritárias que têm circulado em manifestações nas redes sociais e estão também constantemente presentes em atos de apoio ao governo Bolsonaro realizados em diferentes partes do país, inclusive em Brasília, onde o presidente com frequência participa dos atos.

"São inadmissíveis no Estado de Direito democrático a defesa da ditadura, do fechamento do Congresso Nacional ou do Supremo Tribunal Federal. Não há liberdade de expressão que ampare a defesa desses atos. Quem quer que os pratique precisa saber que o Supremo Tribunal Federal não os tolerará", disse Fachin, de forma enfática, ao ler seu voto.

PGR e AGU também se manifestaram pela continuidade do inquérito

Antes de Fachin, o procurador-geral da República, Augusto Aras, e o advogado-geral da União, José Levi, também defenderam a continuidade do inquérito, desde que o STF definisse algumas regras para seu funcionamento.

O PGR argumentou que o Ministério Público precisa participar do inquérito, inclusive para supervisionar a legalidade da investigação. No final de maio, Aras chegou a criticar a operação deflagrada por Moraes contra aliados de Jair Bolsonaro (sem partido), por entender que suas falas estavam dentro do seu direito de liberdade de expressão.

"Nós concordamos com o inquérito porque nós queremos ter o direito de participar sobre atos e diligências previamente. Mormente aqueles que dizem respeito a atos e diligências invasivos, porque compete também velar pela defesa dos jurisdicionados", afirmou Aras na última quarta-feira (10), no começo do julgamento.

No ano passado, sua antecessora no comando da PGR, Raquel Dodge, tentou impedir a continuidade da investigação. Ela encaminhou ao STF um documento informando que havia arquivado o inquérito porque só o Ministério Público poderia abrir e conduzir uma investigação criminal.