Por que a Justiça britânica negou a Maduro acesso ao ouro venezuelano depositado em Londres
Em uma aguardada decisão, o Superior Tribunal de Justiça da Inglaterra ratificou nesta quinta-feira (2) que o Reino Unido reconhece Juan Guaidó como presidente da Venezuela. A decisão faz parte do litígio referente às barras de ouro que pertencem à Venezuela e que estão depositadas nos cofres do Banco da Inglaterra.
Segundo a agência EFE, como consequência dessa decisão, quem teria autoridade sobre essa reserva de ouro seria o conselho do Banco Central da Venezuela (BCV) designado por Guaidó.
"O governo de Sua Majestade reconhece Guaidó como presidente constitucional interino da Venezuela e, consequentemente, não reconhece Maduro como presidente constitucional da Venezuela", disse o juiz Nigel Teare.
O governo Nicolás Maduro queria acesso ao ouro, no valor de US$ 1 bilhão, para vender e usar os fundos para combater a disseminação do coronavírus no país, mas a instituição britânica rejeitou o pedido.
Em meados de maio, o BCV acionou um tribunal em Londres para alegar que o Banco da Inglaterra não estava cumprindo suas instruções para vender parte do ouro e entregar os fundos ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) para gerenciar a compra de suprimentos, como equipamentos médicos, para combater a covid-19.
Documentos de 14 de maio dizem que o BCV queria que a transferência fosse feita "urgentemente".
No entanto, depois de ouvir as duas partes, o Superior Tribunal de Justiça concluiu que o Reino Unido reconhece "inequivocamente" Guaidó como presidente da Venezuela.
"Qualquer que seja a base para o reconhecimento, o governo de Sua Majestade reconheceu inequivocamente Guaidó como presidente da Venezuela", acrescentou o juiz Teare. "Assim, o governo de Sua Majestade não reconhece mais Maduro como presidente da Venezuela."
Sarosh Zaiwalla, advogado que representa o conselho do BCV indicado por Maduro, disse que solicitará permissão do tribunal para recorrer da sentença. "Não estávamos esperando isso, foi uma surpresa", disse Zaiwalla à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.
O advogado espera que a Corte de Apelação reconsidere a decisão, já que o governo de Maduro é quem "controla a Venezuela e suas instituições administrativas".
Agora, ambas as partes têm três semanas para comparecer perante o juiz e apresentar seus argumentos, incluindo a apresentação de uma autorização para apelar da sentença, que, se rejeitada, pode ser feita diretamente perante o Tribunal de Apelação.
Mas por que a Venezuela mantém reservas de ouro na Inglaterra?
Estratégia convencional
O Banco da Inglaterra (foto) é o segundo maior detentor de ouro do mundo, com aproximadamente 400 mil lingotes de ouro. Apenas o Federal Reserve Bank, nos Estados Unidos, tem mais.
Um quinto do ouro dos governos do mundo está em Londres e a razão é simples: a capital britânica é o centro mundial do comércio do metal precioso.
O Banco da Inglaterra também possui um dos maiores cofres de ouro do mundo e se destaca porque em seus mais de 320 anos de história, nunca uma barra de ouro nunca foi roubada de suas instalações.
Portanto, os bancos centrais de várias nações o utilizam para armazenar suas reservas nacionais e a Venezuela é um deles.
"Não há nada de estranho que um país mantenha reservas de ouro e outros títulos em outros bancos", explica Luis Vicente León, economista venezuelano e presidente da consultoria Datanálisis.
Para ele, essa é simplesmente uma estratégia de proteção e garantia das reservas de ouro.
"Eu diria que é uma estratégia muito convencional entre países pequenos. Os países maiores têm capacidade para proteger suas próprias reservas, mantendo-as em seus cofres."
"É uma dor de cabeça para os bancos centrais, sobretudo quando não se tem capacidade de proteção, de medidas de segurança e de tecnologia para impedir que haja uma operação de roubo. Quando você coloca em um banco estrangeiro o seu ouro, você tem uma garantia. Se algo acontecer, você estará protegido porque está pagando por um serviço de custódia."
Em 2011, o então presidente Hugo Chávez repatriou cerca de 160 toneladas de ouro que estavam em bancos nos Estados Unidos e na União Europeia, citando a necessidade de seu país de ter controle físico de seus ativos.
"A Venezuela retornou ouro ao Banco Central, tirando de diferentes países, porque era um momento em que o governo temia a aplicação de sanções internacionais que pudessem congelar suas reservas lá fora", diz Leon. "O governo sentiu que manter reservas no exterior era uma estratégia perigosa e que ele poderia ter parte de seus recursos congelada."
No entanto, o ouro que a Venezuela tinha no Banco da Inglaterra, e que hoje é alvo de disputa, permaneceu lá.
Por que o ouro é tão importante agora?
Em meio à enorme crise econômica e humanitária na Venezuela, o ouro é uma das poucas alternativas de financiamento e liquidez para o governo de Maduro, sobretudo desde fevereiro de 2019 quando os Estados Unidos adotaram sanções contra a empresa estatal de petróleo PDVSA, responsável por muitos recursos nacionais.
O governo também está de olho em minas no sudeste do país, em uma vasta zona que se estende da fronteira com a Guiana até a fronteira com o Brasil. Trata-se de uma região estratégica. Em fevereiro de 2016, Maduro decretou que o chamado Arco Mineiro do Orinoco (AMO) será uma zona de desenvolvimento estratégico nacional.
Países como Rússia e China ampliaram sua presença em empresas mistas de extração, com participação do governo.
O AMO tem 111.846 quilômetros quadrados, cerca de 12% do território do país, e pode ser fonte de até 7 mil toneladas de ouro.
O BCV vem recebendo cada vez mais reservas do Arco, mas mesmo assim suas reservas estão em queda.
Um informe do Conselho Mundial do Ouro diz que o BCV foi a instituição bancária que mais vendeu ouro em 2017 e 2018.
Segundo a Reuters, o BCV tinha o equivalente a US$ 4,6 bilhões em barras de ouro em meados de 2019. A quantidade é 18,5% inferior ao volume do final de 2018 — e o nível mais baixo da Venezuela em 75 anos.
A Turquia é hoje o maior comprador do ouro venezuelano, com US$ 900 milhões importados em 2018. A princípio o ouro seria refinado na Turquia e devolvido para a Venezuela, mas não há registros dessa reexportação.
No mês passado, navios iranianos com gasolina chegaram à Venezuela. Acredita-se que a Venezuela esteja pagando o Irã com ouro.
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