Os escândalos que fizeram ex-rei da Espanha deixar país que reinou por quase 40 anos
Ele passou os primeiros dez anos da sua vida longe da Espanha e tudo indica que passará os últimos também, depois de reinar o país por quase 40 anos.
A trajetória de Juan Carlos 1º, rei da Espanha de 1975 a 2014, teve uma nova reviravolta na segunda-feira (03/08) após a divulgação de uma carta escrita por ele a seu filho, o rei Felipe 6º, em que comunica sua "decisão pensada" de abandonar o país.
"Faz um ano que expressei minha vontade e desejo de deixar de desenvolver atividades institucionais. Agora, guiado pelo convencimento de prestar o melhor serviço aos espanhóis, a suas instituições e a ti como rei, te comunico minha pensada decisão de me mudar neste momento para fora da Espanha", escreve ele na carta.
"Fui rei da Espanha durante quase 40 anos e durante todos eles eu sempre quis o melhor para a Espanha e para a Coroa."
Não há informações ainda sobre o destino final do rei emérito nem sobre o momento de sua partida. Alguns veículos de imprensa da Espanha afirmam que o ex-chefe de Estado já não se encontra mais no país.
Mas o que levou ele a tomar essa decisão?
'Certos acontecimentos'
Na carta que foi divulgada pelo Palácio da Zarzuela, sede da monarquia espanhola em Madri, Juan Carlos 1º, que abdicou em junho de 2014 e tem 82 anos, aponta a razão principal para a tomada da decisão.
"Com o mesmo afã de serviço a Espanha que inspirou meu reinado e diante da repercussão pública que estão gerando certos acontecimentos da minha vida privada, desejo manifestar a ti minha mais absoluta disponibilidade para contribuir e facilitar o exercício de tuas funções, desde a tranquilidade e sossego que requer tua alta responsabilidade", escreveu ele a seu filho.
Apesar de não dar detalhes, acredita-se que os "acontecimentos" mencionados na carta se referem provavelmente a uma investigação de autoridades fiscais da Suíça e da Espanha sobre suas contas no exterior, em um suposto caso de fraude fiscal e lavagem de dinheiro.
Um trem milionário
A peça-chave da investigação é a construção de uma linha de trem de alta velocidade que une duas das cidades mais importantes no mundo muçulmano — Medina e Meca — na Arábia Saudita.
O AVE (nome dado na Espanha aos trens de alta velocidade) para Meca, que cobre 450 quilômetros no deserto, foi inaugurado em outubro de 2018. Autoridades investigam o papel de Juan Carlos 1º na licitação, em 2011, de um milionário contrato para um consórcio formado na sua maioria por empresas espanholas para a realização das obras.
Os trabalhos de construção começaram em 2012, mas as conversas e disputas sobre quem ganharia o contrato ocorreram nos anos anteriores.
Os estreitos laços do rei com a família real saudita o levaram a atuar como intermediário em favor dos interesses comerciais espanhóis na região.
O valor deste contrato passou de US$ 7,8 bilhões (mais de R$ 41 bilhões) e tanto a justiça espanhola como a da Suíça suspeitam que durante as negociações foram pagas comissões ilegais.
As autoridades investigam uma transferência suspeita de US$ 100 milhões (cerca de R$ 530 milhões) realizada pelo regime saudita em favor de Juan Carlos 1º em 2008, quando ele ainda era rei da Espanha.
O dinheiro ingressou em um banco suíço e as autoridades fiscais do país suspeitam que se tratou de uma comissão para compensar o agora rei emérito por haver conseguido fazer, supostamente, que o consórcio espanhol apresentasse uma oferta com custo mais reduzido.
Suíça e Espanha
O caso veio à tona em 2018, quando veio à tona uma gravação realizada três anos antes com uma mulher que diz ter sido amante de Juan Carlos 1º, Corinna zu Sayn-Wittgenstein (também conhecida pelo seu sobrenome de solteira, Larsen). Ela é uma empresária de 55 anos nascida na Alemanha e com nacionalidade dinamarquesa.
Na gravação, ela deixa a entender que Juan Carlos 1º havia solicitado uma comissão para interceder no contrato ferroviário com os sauditas e que ele havia escondido o dinheiro no exterior.
Uma primeira investigação sobre essas revelações foi abandonada pela falta de provas mais contundentes.
No entanto, em março, o jornal suíço Tribune de Genève destacou em uma manchete: "Juan Carlos 1º escondia 100 milhões em Genebra".
"Entre 2008 e 2012, com o amparo de uma sociedade panamenha e como único beneficiário, o rei emérito confiou em total discrição US$ 100 milhões ao Banco Mirabaud", afirmava a reportagem.
O jornal noticiou que se suspeitava que o dinheiro vinha do rei da Arábia Saudita, Abdallah, e acrescentou que a justiça suíça havia aberto uma investigação por lavagem de dinheiro.
Além disso o Tribune de Genève indicou que "em 2012, Juan Carlos transferiu o que restava de dinheiro, uns US$ 76 milhões (cerca de R$ 404 milhões) para sua antiga amante".
Essa informação desencadeou uma investigação das autoridades suíças e outras de fiscais espanhóis sobre suas contas.
Já que a suposta transferência ocorreu quando Juan Carlos ainda era rei e estava protegido pela imunidade que a Constituição espanhola reconhece a chefes de Estado, o que as autoridades fiscais espanholas investigam é se o rei emérito praticou lavagem de dinheiro e crimes fiscais ao ter esse dinheiro no exterior sem declará-lo.
Da sua parte, o fiscal suíço Yves Bertossa recolhe provas para investigar se esse pagamento tem relação com o contrato que os sauditas outorgaram ao consórcio espanhol na construção do AVE.
O papel de Felipe 6º
A decisão do rei emérito de deixar a Espanha muito provavelmente foi feita em acordo com o rei Felipe 6º, que deve acolhê-la com satisfação.
Após as novas revelações na Suíça, Felipe 6º anunciou, no dia 15 de março, que estava retirando de Juan Carlos 1º a aposentadoria que ele recebe do Estado — cerca de US$ 235 mil por ano (ou R$ 1,2 milhão).
Ele também disse que, quando chegar o momento certo, pretende renunciar à herança de seu pai.
Essas reações mostraram mais uma vez a determinação de Felipe 6º de se distanciar dos escândalos de seu predecessor e do resto de sua família. Ele já havia retirado o título de duquesa de Palma da sua irmã, Cristina, quando esta se viu envolvida em um escândalo de corrupção que levou seu marido à prisão.
O rei também renunciou ao direito de ser beneficiário de uma fundação offshore no Panamá, a Lucum, para o qual havia sido indicado por seu pai.
E agora?
Ainda não se sabe qual deve ser o destino final de Juan Carlos 1º em sua nova vida.
Aos 82 anos e com uma saúde delicada, alguns analistas acreditam que ele não se mudará para muito longe da Espanha.
Países como Itália, França, Alemanha, Portugal ou Reino Unido, onde ele tem parentes e amigos, parecem as opções mais plausíveis, enquanto alguns especulam que ele iria para um país latino-americano.
O advogado diz que o rei emérito estará à disposição das autoridades para esclarecer qualquer dúvida, apesar de muitos acharem que a estratégia de deixar a Espanha é uma forma de fugir da Justiça.
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