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Coreia do Norte: documentário revela 'comércio de armas' às escondidas

Ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un celebra o 75º aniversário do Partido dos Trabalhadores - KCNA via KNS/AFP
Ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un celebra o 75º aniversário do Partido dos Trabalhadores Imagem: KCNA via KNS/AFP

Paul Adams

12/10/2020 12h32Atualizada em 12/10/2020 13h30

Um novo documentário com um estranho elenco de personagens diz mostrar como a Coreia do Norte tenta burlar sanções internacionais ao enganar integrantes do regime secreto de Kim Jong-un para que assinem falsos acordos de armas.

O filme traz uma variedade curiosa de pessoas: um chef dinamarquês desempregado e fascinado por ditaduras comunistas; um nobre espanhol e propagandista norte-coreano com uma queda por uniformes militares; e um ex-legionário francês e traficante de cocaína condenado que faz o papel de um misterioso aventureiro com várias conexões internacionais.

Mas isso tudo é verdade ou ficção?

Um ex-funcionário da ONU disse à BBC que considerou o filme "altamente confiável". O documentário, intitulado "The Mole" ("O Informante", em tradução livre), é obra do cineasta independente dinamarquês Mads Brügger, que diz ter orquestrado uma complexa operação de três anos para revelar como a Coreia do Norte desrespeita a lei internacional.

O chef desempregado e fascinado por ditaduras comunistas é Ulrich Larsen, que, com a ajuda de Brügger, se infiltra na Associação de Amizade Coreana (KFA), um grupo pró-regime com sede na Espanha. Larsen sobe na hierarquia e acaba conquistando a confiança de funcionários do governo norte-coreano.

A filiação ao KFA coloca Larsen em contato com seu extravagante fundador e presidente, Alejandro Cao de Benós, um nobre espanhol conhecido em todo o mundo como "o Guardião da Coreia do Norte".

Durante o filme, em que às vezes é visto com uniforme militar norte-coreano, Cao de Benós se gaba de seu acesso e influência ao regime de Pyongyang.

Depois, surge Jim Latrache-Qvortrup, descrito como um ex-legionário francês e traficante de cocaína condenado. Latrache-Qvortrup é um ator contratado para fazer o papel de traficante internacional de armas, o que ele faz usando uma variedade de ternos chamativos.

Quem dá as cartas no filme é o diretor, Mads Brügger, que se autodenomina "o mestre das marionetes". Ele afirma ter passado 10 anos trabalhando em seu filme ? uma produção conjunta da BBC com emissoras escandinavas.

O filme é engraçado, grotesco e, às vezes, quase inacreditável.

"Sou um cineasta que anseia por sensações", admite Brügger no filme.

Mas Hugh Griffiths, que foi coordenador do Painel de Especialistas da ONU sobre a Coreia do Norte entre 2014 e 2019, chamou as revelações do filme de "altamente críveis".

"Este filme é o constrangimento mais severo para o presidente Kim Jong-un que já vimos", disse Griffiths. "Só porque parece amador, não significa que não haja intenção de vender e ganhar receita em moeda estrangeira [com venda de armas]. Elementos do filme realmente correspondem ao que já sabemos."

A Coreia do Norte está sob sanções da ONU desde 2006 por causa de suas ambições nucleares — o desenvolvimento e testes de seu programa nuclear foram documentados em relatórios regulares de um Painel de Especialistas desde 2010.

Mas é algo inédito ver autoridades norte-coreanas, em filme, discutindo como escapar de sanções para a exportação de armas.

Em um momento crucial do filme, Ulrich Larsen, o ex-chef e "informante" do título, filma Jim Latrache-Qvortrup, também conhecido como "Mr James" (o traficante de armas) assinando um contrato com o representante de um fábrica norte-coreana de armas, com a presença de funcionários do governo.

O encontro ocorre em um restaurante espalhafatoso no subsolo de um subúrbio de Pyongyang. Nem todos os coreanos presentes estão devidamente identificados e, mais tarde, dando risada, Latrache-Qvortrup lembra que teve que inventar um nome de empresa quando interrogado por um dos funcionários coreanos.

Parece incrível que a equipe não tivesse pensado antes em um detalhe tão básico, assim como desafia a credulidade pensar que autoridades coreanas genuínas permitiriam que tal reunião fosse filmada e que documentos fossem assinados e trocados.

O documento assinado traz a assinatura de Kim Ryong-chol, presidente da Narae Trading Organization.

Narae é um nome comum na Península Coreana, mas o relatório mais recente do Painel de Peritos da ONU, datado de 28 de agosto de 2020, diz que uma empresa chamada Korea Narae Trading Corporation "está envolvida em atividades relacionadas à evasão de sanções com o objetivo de gerar receita que apoia as atividades proibidas da República Popular Democrática da Coréia".

Griffiths, o ex-funcionário da ONU, disse que os coreanos presentes aparentemente estavam dispostos a negociar com um empresário da iniciativa privada sobre o qual nada sabiam. "Isso mostra que as sanções da ONU estão funcionando. Os norte-coreanos estão claramente desesperados para vender suas armas", disse ele.

Em um determinado momento, durante uma reunião em Kampala, Uganda, em 2017, Latrache-Qvortrup é questionado por "Sr. Danny" (descrito como um "traficante de armas norte-coreano") se ele seria capaz de entregar armamentos norte-coreanos à Síria. A pergunta reflete a dificuldade crescente da Coreia do Norte em fazer isso por conta própria, disse Griffiths.

"Mr James" está em Uganda, acompanhado por alguns dos mesmos funcionários norte-coreanos vistos em Pyongyang, para discutir a compra de uma ilha no Lago Vitória.

As autoridades ugandenses são informadas que é para a construção de um resort de luxo, mas James e os coreanos planejam secretamente construir uma fábrica subterrânea para fabricar armas e drogas.

Novamente, parece fantástico, mas a Coreia do Norte já fez esse tipo de coisa antes. O regime construiu uma fábrica de munições em uma mina de cobre desativada no Vale do Leopardo, na Namíbia. Eles fingiam estar no país para construir estátuas e monumentos.

As atividades da Coreia do Sul Mining Development Trading Corporation (Komid) foram investigadas pelo Painel de Especialistas da ONU entre 2015 e 2018. A pressão da ONU sobre a Namíbia ajuda a explicar por que os norte-coreanos passaram a atuar na Uganda em vez da Namíbia, disse Griffiths.

"Os projetos norte-coreanos na Namíbia foram encerrados", disse o ex-funcionário da ONU. "Em 2018, Uganda era um dos poucos países africanos (...) onde os negociadores norte-coreanos de armas ainda podiam viajar à vontade."

Outro aspecto do filme que interessa aos observadores internacionais é o aparente envolvimento de diplomatas norte-coreanos credenciados em embaixadas no exterior para ajudar em iniciativas para burlar sanções da ONU. Em uma sequência, Ulrich Larsen visita a embaixada da Coreia do Norte em Estocolmo, onde recebe um envelope com os planos para o projeto em Uganda de um diplomata descrito como "Sr. Ri".

Como muitas das cenas principais do documentário, o encontro é filmado secretamente por Larsen. Ao sair, o Sr. Ri o avisa para ser discreto.

"Se algo acontecer, a embaixada não sabe nada sobre isso, ok?", diz o Sr. Ri.

De acordo com Griffiths, a sequência "se encaixa em um padrão".

"A grande maioria das investigações de sanções pelo Painel da ONU descobriu que as instalações diplomáticas norte-coreanas ou os detentores de passaportes estavam envolvidos nas violações reais ou tentadas", disse ele.

Nenhum dos negócios discutidos no filme jamais se concretizou. Eventualmente, conforme os sócios começam a exigir dinheiro, Brügger faz o "Sr. James" desaparecer. Os cineastas dizem que suas evidências foram apresentadas à embaixada da Coreia do Norte em Estocolmo, mas não houve resposta.

Cao de Benós, o fundador do KFA, disse que estava apenas "encenando" para as câmeras e que o filme era "enviesado, encenado e manipulador".