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Eleição nos EUA: quem são as mulheres que podem definir sobrevivência de Trump

Meryl Daly-Parker, Danielle Kwock Phillips e Kim Kriebel - Jose Moreno
Meryl Daly-Parker, Danielle Kwock Phillips e Kim Kriebel Imagem: Jose Moreno

Tara McKelvey

02/11/2020 10h18

Kimberly Kriebel me mostra uma casa que ela quer: uma linda casa de tijolos perto da casa de sua sogra em East Norriton, um subúrbio da Filadélfia. Kriebel e seu marido moram em um apartamento que fica a quase 1 km dali e ela anseia por um lugar com um pequeno espaço aberto para seu cachorro.

"Fico com inveja de quintal quando caminho por aqui", diz ela em uma tarde de domingo, puxando as rédeas de Duke, um springer spaniel galês, enquanto eles caminham por uma rua repleta de folhas douradas. Kriebel, 46, diz que admira as políticas pró-negócios de Trump e acha que ela e seu marido terão uma chance melhor de comprar uma casa se Trump continuar no cargo.

"Ele definitivamente lidou bem com a economia", diz ela. Ela o admira por outros motivos também. Kriebel cresceu em um lar cristão e aprecia sua posição sobre o aborto e a maneira como ele apoia a liberdade religiosa.

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"Ele não teve a oportunidade de liderar direito o país porque foi perseguido constantemente", diz Kimberly Kriebel sobre Trump
Imagem: Jose Moreno

Suas opiniões favoráveis a Trump são repetidas por outras pessoas nos subúrbios americanos, regiões mais afastadas dos centros das cidades que, ao contrário do Brasil, tendem a ser habitadas por populações de renda mais alta.

Mas nem todo mundo ali apoia a reeleição do presidente americano.

Naquela tarde, Kriebel passa por uma placa de jardim apoiando Biden, o candidato democrata. Outro spaniel — um springer inglês — na casa vê o cachorro dela, Duke, através de uma janela e late de forma amigável. Duke abana o rabo.

A enfermeira Meryl Daly-Parker, 54, sai do imóvel.

Quando pergunto a ela sobre Trump, Meryl solta uma risada. Ela diz que está preocupada com o racismo sistêmico, o coronavírus e o alto desemprego: "Há tantas coisas contra as quais nós, como nação, estamos lutando", diz. Em sua opinião, Trump piorou as coisas.

Duas mulheres suburbanas — duas visões distintas do presidente.

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Meryl Daly-Parker com Daxton
Imagem: Jose Moreno

'Vocês poderiam gostar de mim, por favor?'

O voto feminino sempre foi importante em eleições americanas: o comparecimento das mulheres é maior que o dos homens, aponta uma pesquisa do centro Pew.

As opiniões das eleitoras receberam ainda mais atenção durante esta campanha porque Trump está tentando preencher uma lacuna de gênero. Entre as eleitoras, ele fica atrás de seu rival, Joe Biden.

De acordo com uma pesquisa recente da ABC, 61% das eleitoras na Pensilvânia apoiam Biden, e apenas 38% votam em Trump.

A Pensilvânia é um estado-chave que pode determinar o resultado da eleição. Por isso, as mulheres que moram no Estado passaram a ter ainda mais peso na disputa.

Trump está tentando conquistar essas mulheres. Ele diz a elas que está mantendo seus bairros protegidos da criminalidade e diz que as políticas democratas de moradias populares podem mudar a aparência de suas ruas suburbanas.

Em um comício em Michigan, Trump perguntou: "Você gostaria de um belo projeto habitacional de baixa renda ao lado de sua bela casa estilo de campo suburbana?"

Em outros comícios, ele falou diretamente a elas. "Mulheres suburbanas, por favor, votem em mim", disse ele em um comício em Nevada.

"Estou salvando sua casa. Estou salvando sua comunidade. Estou mantendo a criminalidade baixa." Às vezes, ele adotava um tom queixoso: "Vocês poderiam gostar de mim?", disse às mulheres durante um comício na Pensilvânia.

Biden também está cortejando eleitoras. Sua plataforma de campanha inclui muitos dos assuntos que interessam às mulheres dos subúrbios, como mudança climática, saúde e pré-escola universal. Joe Biden "tem o caráter necessário para fazer as coisas", disse sua esposa, Jill, às mulheres da Pensilvânia em um evento virtual. "E ele tem o objetivo de repensar nosso futuro."

Com toda a atenção que as mulheres dos subúrbios vêm recebendo dos candidatos, este é o melhor momento para saber das próprias mulheres como são suas vidas e como elas veem esses dois homens que tentam atrair seus votos.

Uma casa dividida

A rua onde Kimberly Kriebel, apoiadora de Trump, e Meryl Daly-Parker, eleitora de Biden, se encontraram naquela tarde reflete uma história mais ampla sobre os subúrbios americanos.

Historicamente, os subúrbios costumavam ser habitados por moradores brancos e conservadores. Hoje, bairros como o de Daly-Parker são racialmente mais diversificados e mais progressistas. Em alguns casos, estão divididos.

Em uma casa geminada em uma rua próxima, um lado tem uma placa pró-Trump e o outro, uma pró-Biden.

O sinal de Biden surgiu primeiro. Depois veio o de Trump.

Ainda assim, os democratas estão em aparente vantagem neste condado, Montgomery. Há cerca de 300 mil democratas registrados e cerca de 210 mil republicanos.

Meryl Daly-Parker e seu marido, Tony Parker, dizem que houve uma transformação política ao longo das duas décadas em que vivem ali.

Kriebel também faz parte de uma fatia poderosa do eleitorado: a mulher suburbana branca que apoia Trump.

Alguns analistas políticos presumiram em 2016 que as mulheres apoiariam uma candidata, Hillary Clinton. Ainda assim, muitas se sentiram da mesma forma que Kriebel: Trump, embora falho, era um candidato mais forte.

Outra eleitora de Trump, Dasha Pruett, 51, que trabalhou como assistente-executiva em uma seguradora e mora em um subúrbio próximo, Drexel Hill, diz que gosta dos cortes de impostos que Trump implantou para algumas parcelas da população, suas políticas de imigração e sua mensagem de "lei e ordem".

"O que ele quer é segurança e proteção em nosso país", diz Pruett, que emigrou de Moscou para os EUA quando tinha dez anos.

"Isso está ressoando muito claramente para as mulheres dos subúrbios. Precisamos trazer a normalidade de volta. Estamos perdendo o respeito umas pelas outras e estamos nos tornando um país sem Deus."

Pruett está concorrendo à Câmara dos Representantes como republicana e espera que Trump tenha a chance de se reeleger.

"O mercado de ações ainda está indo muito bem e há um motivo para isso", diz ela. "Acho que é por causa de suas políticas. Ele coloca sua atenção nos trabalhadores americanos."

Em 2016, ela e muitas outras mulheres suburbanas falaram com admiração sobre Trump: no geral, 52% das mulheres brancas votaram nele. Ultimamente, porém, seu apoio entre as mulheres brancas dos subúrbios diminuiu. De acordo com pesquisas nacionais, 54% apoiam Biden e 45%, Trump.

'Contragolpe' suburbano

Em Bridgeport, um subúrbio que também fica no condado de Montgomery, a bibliotecária Beth Jacksier, 29, segura um cartaz de Biden no meio de uma tarde chuvosa.

Em pé perto de um canteiro de girassóis, seu "hobby de quarentena", ela diz que ficou surpresa com a decisão de Trump de se retirar do acordo de Paris sobre mudança climática.

"Busco alguém que não destrua nosso país."

Sobre Trump, ela diz que o presidente vem tentando desmantelar o acordo de Paris e outras realizações dos democratas.

Jacksier tem outra placa de jardim que diz "Vidas Negras Importam".

Ela e outras mulheres do subúrbio dizem que quando Trump fala sobre os subúrbios, ele evoca a imagem de uma rua com casas no estilo dos anos 1950, com cercas brancas.

Ele está transmitindo sua mensagem às "mulheres brancas que ele acha que querem se segregar dos negros", diz Sandra Thompson, advogada de 52 anos que mora em um subúrbio de York, na Pensilvânia.

O presidente foi acusado de racismo ao dizer que os subúrbios serão destruídos por um eventual mandato presidencial de Biden.

"Usar isso como uma tática para assustar é inaceitável", diz Daly-Parker, uma enfermeira.

Danielle Kwock Phillips, 39, estudante de direito que mora em Narberth, pensa o mesmo.

"Como uma mulher suburbana, eu quero diversidade. Se moradias populares estão sendo construídas na minha rua, estou mais do que feliz por tê-las. Queremos diversidade em termos socioeconômicos e raciais."

Essas opiniões foram repetidas pela maioria das quase 30 mulheres suburbanas entrevistas para esta reportagem da BBC.

A linguagem do presidente é "flagrantemente racial", diz Lawrence Levy, reitor do Centro Nacional de Estudos Suburbanos da Universidade Hofstra, em Hempstead, em Nova York. "E vimos revides de mulheres suburbanas".

Para Daly-Parker, as questões que mais importam não estão relacionadas à criminalidade. Ela está preocupada com a pandemia, a saúde e o racismo. "Tenho filhos negros, e este não é um mundo em que quero que vivam."

A opinião dela sobre Trump se deteriorou ainda mais nos últimos meses.

Daly-Parker contraiu o coronavírus no início deste ano, assim como seu marido e uma de suas filhas. Eles estão bem, mas ela sabe de uma forma visceral o que significa sobreviver à pandemia. Os comentários do presidente sobre o vírus, de que as pessoas não deveriam ter medo, e seu comportamento durante os debates foram desagradáveis, diz ela.

"Ele simplesmente não tem liderança. Ele acha que você pode ir a um debate e ser desrespeitoso. É uma tática para impedir que as pessoas entendam que ele não tem propostas."

Durante os debates, Kwock Phillips disse que ficou impressionada com a "capacidade do presidente de mudar de assunto tão rapidamente que você nem sabe o que está acontecendo".

Ela diz que ele evita perguntas sobre "supremacia branca", um assunto que importa para ela: "Como uma pessoa de cor, é importante para mim ter um presidente que reconhece as questões raciais".

Em contraste, a ênfase de Biden na "decência comum" e no "respeito pelos outros" tocou a ela e outras mulheres nos subúrbios.

"Aprecio o tom de Joe Biden e como ele fala com as pessoas", disse Daly-Parker. "Esse cara se lembra das pessoas e pode falar diretamente com elas. Ele é alguém que as entende. É real, e as pessoas precisam de algo real."

Uma questão pessoal

Muitas das mulheres que conheci nos subúrbios disseram que não eram tão engajadas na política antes de Trump. Ele tornou as coisas pessoais. Atualmente, parte o vê sob uma luz heroica e outra, como uma força do mal. De qualquer forma, os critérios estão elevados.

Kriebel diz que apoia os esforços de desregulamentação de Trump e gosta de como ele lutou contra a burocracia governamental. Ela diz que se preocupa com uma vitória democrata e como isso pode mudar sua própria situação financeira.

"Biden falou sobre aumentar os impostos em trilhões de dólares", diz ela. "Isso é meio assustador."

Ela não quer que os impostos aumentem, principalmente porque ela e o marido estão tentando comprar uma casa. "Todas as coisas que eles ficam dizendo vão ser de graça. Você sabe que não vai ser de graça. Eles falaram sobre faculdade gratuita e assistência médica gratuita para imigrantes. Por que tenho que pagar por isso?"

Daly-Parker é igualmente apaixonada pela eleição, mas vê as coisas de forma bastante diferente. Para ela, o presidente falhou na liderança do país. "Precisamos de mudança."