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Invasão ao Congresso: o que a violência em Washington significa para o legado de Trump

O presidente Donald Trump, que havia instado os manifestantes a marcharem no Capitólio, mais tarde pediu que "voltassem para casa" - Getty Images
O presidente Donald Trump, que havia instado os manifestantes a marcharem no Capitólio, mais tarde pediu que 'voltassem para casa' Imagem: Getty Images

Anthony Zurcher

Da BBC

07/01/2021 11h44

É assim que termina a Presidência de Donald Trump. Não com uma lamúria, mas com um estrondo.

Durante semanas, ele apontou o dia 6 de janeiro como um dia de ajuste de contas. Era quando disse a seus apoiadores para irem a Washington DC e desafiar o Congresso (e o vice-presidente Mike Pence) a descartar os resultados da eleição de novembro e manter a Presidência nas mãos dele.

Na manhã de quarta-feira (06/01), o presidente e seus aliados iniciaram o turbilhão com seus discursos.

Rudy Giuliani, o advogado pessoal do presidente, disse que as disputas eleitorais deveriam ser resolvidas por meio de "julgamento por combate".

Donald Trump Jr, o filho mais velho do presidente, deixou uma mensagem aos membros de seu partido que não "lutariam" por seu presidente.

"Este não é mais o Partido Republicano deles", disse ele. "Este é o Partido Republicano de Donald Trump."

Então, o próprio presidente encorajou a multidão crescente, que gritava "parem de roubar" e "bullshit" (mentira) a pedido do presidente, a marchar os quase 3 km da Casa Branca ao Capitólio.

"Nunca vamos desistir. Nunca vamos ceder", disse o presidente. "Nosso país já teve o suficiente. Não vamos aguentar mais."

Enquanto o presidente concluía sua fala, um tipo diferente de drama estava se desenrolando dentro do próprio Capitólio, enquanto uma sessão conjunta do Congresso se preparava para tabular os resultados da eleição em cada estado.

Primeiro, Pence (desconsiderando a insistência do presidente de rejeitar os resultados dos Estados contestados) divulgou uma declaração de que não tinha tais poderes e que seu papel era "amplamente protocolar".

Então, os republicanos lançaram sua primeira contestação, para os votos do Arizona, e a Câmara e o Senado iniciaram suas deliberações separadas sobre a aceitação da vitória de Joe Biden naquele país.

Os procedimentos da Câmara foram estridentes, com ambos os lados aplaudindo enquanto seus oradores faziam seus comentários.

"O juramento que fiz no domingo passado para defender e apoiar a Constituição torna necessário que eu me oponha a esta farsa", disse a recém-eleita congressista Lauren Boebert, que recentemente ganhou as manchetes por insistir que carregaria uma arma com ela no Congresso. "Não vou permitir que as pessoas sejam ignoradas."

No Senado, o debate tomava outro tom. O líder da maioria no Senado, Mitch McConnell, vestido com o tipo de terno escuro e gravata que cabe em um funeral, estava chegando para enterrar Trump, não para elogiá-lo.

"Se esta eleição fosse derrubada por meras alegações do lado perdedor, nossa democracia entraria em uma espiral mortal", disse McConnell. "Nunca veríamos a nação inteira aceitar uma eleição novamente. A cada quatro anos seria uma disputa pelo poder a qualquer custo."

O senador do Kentucky, que se tornará o líder da minoria no Senado como resultado das duas derrotas recentes de seu partido na Geórgia, defendeu "impedir que as paixões de curto prazo fervam e derretam as bases de nossa República".

Suas palavras estavam praticamente ainda pairando no ar quando as paixões fora do Capitólio transbordaram, e os partidários de Trump, inspirados pelos discursos anteriores, incluindo o de Trump, invadiram o prédio. Eles sobrecarregaram a segurança insuficiente no local e interromperam o processo, enquanto parlamentares, funcionários e repórteres correram para se abrigar contra os manifestantes.

O episódio se desenrolou aos trancos e barrancos. Câmeras de televisão transmitiram imagens de manifestantes dançando e agitando bandeiras nos degraus do Capitólio. Fotos e vídeos pipocaram nas redes sociais: de manifestantes dentro do prédio, tentando invadir as câmaras legislativas e posar em escritórios de parlamentares eleitos; de funcionários de segurança, com armas em punho na Câmara dos Representantes, atrás de portas com barricadas.

Em Wilmington, Delaware, o presidente eleito dos EUA, Joe Biden, descartou um discurso planejado sobre a economia e condenou o que chamou de "insurreição" em Washington.

"Neste momento, nossa democracia está sob um ataque sem precedentes, diferente de tudo que vimos nos tempos modernos", disse ele. "Um ataque à cidadela da liberdade, o próprio Capitólio."

Ele concluiu seu breve discurso com um desafio a Trump: ir à televisão nacional para condenar a violência e "exigir o fim deste cerco".

Minutos depois, Trump ofereceria sua mensagem à nação, mas não era a que Biden sugeriu.

Em vez disso, preso entre suas reclamações agora familiares sobre a eleição ser "roubada", ele disse a seus apoiadores "para irem para casa, nós amamos vocês, vocês são muito especiais".

Foi o tipo de resposta que Trump deu, rotineiramente, a transgressões de seus apoiadores - seja o tratamento violento dos manifestantes em seus comícios, a declaração de "gente muito boa de ambos os lados" após os confrontos em um comício da supremacia branca em Charlottesville ou sua mensagem "fique para trás e fique por perto" ao grupo de extrema direita Proud Boys durante o primeiro debate com Biden.

O tuíte de Trump, e dois subsequentes que também elogiaram seus apoiadores, foram sinalizados e removidos pelo Twitter, que tomou a medida sem precedentes de bloquear a conta do presidente por 12 horas. O Facebook seguiu o exemplo, banindo Trump por um dia inteiro.

Pela primeira vez em sua Presidência, pela primeira vez em seu longo e íntimo relacionamento com as redes sociais, Donald Trump foi silenciado.

Se este é o momento "no fim das contas, você não deixou nenhum senso de decência" para Donald Trump, ele chega quando eles estão limpando sangue e vidros quebrados no Capitólio dos EUA.

À medida que a noite chegava e a polícia finalmente assegurava o Capitólio dos EUA, um coro crescente de vozes, da esquerda e da direita, condenava a violência. Não foi surpresa que os democratas, como Chuck Schumer, o futuro líder da maioria no Senado, colocassem os ataques na conta do presidente.

"O dia 6 de janeiro será um dos dias mais sombrios da história americana", disse ele. "Um alerta final para nossa nação sobre as consequências do presidente demagogo, as pessoas que o capacitaram, a mídia cativa que repetiu suas mentiras e as pessoas que o seguem enquanto ele tenta empurrar a América à beira da ruína."

Mais dignos de nota, entretanto, foram os republicanos que seguiram o exemplo.

"Acabamos de ter um violento ataque de uma multidão ao Capitólio na tentativa de impedir o cumprimento do nosso dever constitucional", tuitou a congressista Lynne Cheney, uma frequente crítica republicana do presidente. "Não há dúvida de que o presidente formou a multidão, o presidente incitou a multidão, o presidente se dirigiu à multidão."

As condenações não se limitaram aos integrantes do mesmo partido que já costumar criticar Trump, entretanto. O senador Tom Cotton, do Arkansas, que frequentemente está ao lado do presidente, também se manifestou.

"Já passou da hora de o presidente aceitar os resultados da eleição, parar de enganar o povo americano e repudiar a violência da multidão", disse ele.

A chefe de gabinete da primeira-dama Melania Trump, Stephanie Grisham, e a vice-secretária de imprensa da Casa Branca, Sarah Matthews, renunciaram em protesto, e há relatos de que mais funcionários do governo deixarão seus cargos nas próximas 24 horas.

A CBS informou que os funcionários do gabinete de governo estão discutindo a 25ª emenda à Constituição dos EUA, que descreve como o vice-presidente e a maioria do gabinete podem remover temporariamente um presidente do cargo.

Quer Pence e o gabinete ajam ou não, a presidência de Trump terminará em apenas duas semanas. Nesse ponto, os líderes do Partido Republicano terão que lutar com um cenário em que terão perdido o controle do Congresso e da Casa Branca e terão um ex-presidente cuja reputação está gravemente manchada, mas que ainda tem forte domínio sobre um segmento considerável da base do partido.

Os eventos de quarta-feira podem ser o presságio de uma batalha campal pela direção do partido, enquanto os conservadores dentro do partido tentam tirar o controle de Trump e seus aliados. McConnell, dadas suas observações recentes, parece disposto a traçar tal curso. Outros, como o senador de Utah Mitt Romney, um ex-candidato presidencial republicano, também pode assumir um papel de liderança.

Eles serão desafiados por outros dentro do partido que podem estar mais interessados em reivindicar o manto populista de Trump. Foi notável que Josh Hawley, do Missouri, o primeiro senador a anunciar que se oporia aos resultados da eleição no Senado, não desistiu de seu desafio, mesmo depois que o Senado se reuniu novamente após a violência no Capitólio.

A crise pode trazer oportunidades políticas, e muitos políticos não hesitarão em usá-las para obter vantagens.

Enquanto isso, Trump, por enquanto, ainda está no poder. E embora ele possa ter sido punido - pode estar sentado na residência da Casa Branca assistindo televisão temporariamente, sem sua mídia social, ele não ficará em silêncio por muito tempo.

E assim que ele fugir para sua nova casa na Flórida, ele poderá começar a fazer planos para acertar contas e, talvez, algum dia retornar ao poder e reconstruir um legado que, por enquanto, está em frangalhos.