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Princesa Latifa: ONU questionará Emirados Árabes Unidos sobre a filha do governante de Dubai

Ninguém sabe o paradeiro de Latifa - BBC
Ninguém sabe o paradeiro de Latifa Imagem: BBC

17/02/2021 19h01

A Organização das Nações Unidas (ONU) anunciou que vai apurar o aparente enclausuramento da princesa Latifa Al Maktoum, filha do governante de Dubai, junto aos Emirados Árabes Unidos (Emirados Árabes Unidos).

A princesa Latifa acusou seu pai de mantê-la como refém em Dubai desde que ela tentou fugir da cidade, em 2018.

Em vídeos gravados secretamente e compartilhados com a BBC, a princesa Latifa disse temer por sua vida.

A filmagem gerou apelos globais para uma investigação da ONU, enquanto o Reino Unido disse que os vídeos eram "profundamente preocupantes".

"Estamos preocupados com isso", afirmou o chanceler britânico, Dominic Raab, na quarta-feira (17/2).

Ele disse que os vídeos mostram "uma jovem em profunda angústia", acrescentando que o Reino Unido observaria qualquer movimento da ONU "muito de perto".

Mas, quando questionado se as sanções poderiam ser impostas, Raab disse: "Não está claro para mim que haveria evidências para apoiar essas medidas".

O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, também disse que o governo estava "preocupado", mas iria "esperar para ver como [a ONU] vai progredir" com sua investigação.

O Escritório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos disse que em breve questionará os Emirados Árabes Unidos sobre a princesa Latifa.

"Certamente vamos levantar esses novos desdobramentos com os Emirados Árabes Unidos", disse o porta-voz Rupert Colville. "Outras partes do sistema de direitos humanos da ONU com mandatos relevantes também podem se envolver, uma vez que tenham analisado o novo material".

Enquanto isso, um porta-voz disse que o Grupo de Trabalho da ONU sobre Detenção Arbitrária poderia lançar uma investigação assim que os vídeos da princesa Latifa fossem analisados.

"Esperamos que [uma investigação da ONU] seja decisiva para finalmente libertar a princesa Latifa", disse Rodney Dixon, advogado que apresentou o caso à ONU.

"A ONU precisa ter uma reunião muito séria diretamente com aqueles que estão prendendo a princesa para garantir um acordo que a liberte", disse ele.

Dixon acrescentou: "A ONU, como organismo internacional responsável pela implementação do direito internacional, pode garantir que seja exatamente isso o que aconteça".

O pai da princesa Latifa, o xeque Mohammed bin Rashid Al Maktoum, é um dos chefes de Estado mais ricos do mundo, governante de Dubai e vice-presidente dos Emirados Árabes Unidos.

Os Emirados Árabes Unidos têm relações estreitas com vários países ocidentais, incluindo os Estados Unidos e o Reino Unido, que os consideram um aliado estratégico.

O xeque Mohammed construiu uma cidade de enorme sucesso, mas ativistas de direitos humanos dizem que não há tolerância para a dissidência política e que o sistema judicial discrimina as mulheres.

Com a ajuda de amigos, a princesa Latifa tentou fugir de Dubai para começar uma nova vida, em fevereiro de 2018.

"Não tenho permissão para dirigir, não tenho permissão para viajar ou sair de Dubai", disse ela em um vídeo gravado antes de sua fuga.

Mas, dias depois, a princesa foi capturada em um barco no oceano Índico. Ela foi levada de volta para Dubai, onde acredita-se que permaneça desde então.

Seu pai disse que estava agindo tendo em vista o melhor interesse dela. Dubai e os Emirados Árabes Unidos disseram anteriormente que a princesa Latifa estava segura aos cuidados de sua família.

Quais são os direitos das mulheres nos Emirados Árabes?

Análise de Ashitha Nagesh, da BBC News

As mulheres nos Emirados Árabes Unidos podem dirigir, votar, trabalhar, possuir e herdar propriedades, tornando o país o segundo melhor no Oriente Médio e Norte da África (Mena) em igualdade de gênero, de acordo com o Fórum Econômico Mundial.

Mas, para contextualizar, a região de Mena teve a pontuação mais baixa de todas as regiões. Os Emirados Árabes Unidos ficaram em 120º lugar no mundo, entre 153 países.

Ainda existem aspectos da vida pessoal de uma mulher no país que são controlados por um "tutor" homem — geralmente um cônjuge ou outro parente homem.

Embora os Emirados Árabes Unidos não sejam tão rígidos quanto a vizinha Arábia Saudita, as mulheres ainda precisam da permissão de seu tutor para se casar.

O divórcio também é muito mais difícil para as mulheres; os homens não precisam de permissão, mas as mulheres devem solicitar uma ordem judicial. E, embora os Emirados Árabes Unidos tenham uma lei antidiscriminação, sexo e gênero não estão incluídos em suas categorias protegidas.

Algumas leis mudaram nos últimos anos, pelo menos na superfície. Uma permissão explícita para violência doméstica foi removida do código penal em 2016. A exigência da lei de estatuto pessoal para que as mulheres "obedecessem" a seus maridos foi revogada em 2019, e a lei foi alterada para tornar sua linguagem mais neutra em termos de gênero. Em março passado, uma nova lei que permite o acesso das mulheres a ordens de proteção — como medidas de restrição — entrou em vigor.

No entanto, a nova lei define violência doméstica como abuso ou ameaças que "excedem a tutela, jurisdição, autoridade ou responsabilidade [de um indivíduo]", o que significa que, em última análise, cabe aos juízes decidir se os homens foram além de sua "autoridade" ou não. Na prática, as proteções para vítimas de abuso ainda são fracas.

O xeque Mohammed tem uma grande empresa de corridas de cavalos e frequentemente participa de grandes eventos como o Royal Ascot, onde foi retratado com a Rainha Elizabeth 2ª.

Ao mesmo tempo, ele enfrentou severas críticas sobre o tratamento dispensado à princesa Latifa e sua madrasta, a princesa Haya Bint Al Hussain, que fugiu para Londres em 2019 com seus dois filhos.

"Não há acusações. É puro castigo", disse Matthew Hedges, o acadêmico britânico preso por espionagem nos Emirados Árabes Unidos em 2018. "Não há ninguém cuidando dela. Isso traz [minhas experiências] de volta de forma bastante dramática", afirmou à BBC, quando questionado sobre o caso da princesa Latifa.

Os vídeos da princesa Latifa foram obtidos pelo programa Panorama, da BBC, que verificou de maneira independente os detalhes de onde ela foi detida.

Os vídeos foram gravados ao longo de vários meses em um telefone que ela recebeu secretamente cerca de um ano após sua captura e retorno a Dubai. Ela os gravou em um banheiro, pois era a única porta que ela poderia trancar.

Nas mensagens, ela detalhou como:

- lutou contra os soldados que a tiraram do barco, "chutando e lutando" e mordendo o braço de um agente dos Emirados até que ele gritou

- depois de ser tranquilizada, ela perdeu a consciência ao ser transportada para um jato particular e não acordou até que pousou em Dubai

- ela estava sendo mantida sozinha, sob vigilância policial, sem acesso à ajuda médica ou jurídica em uma vila com janelas e portas trancadas.

O relato da princesa Latifa sobre sua captura e detenção foi revelado por sua amiga Tiina Jauhiainen, seu primo materno Marcus Essabri e o ativista David Haigh, que estão todos por trás da campanha Latifa Livre.

Eles disseram que divulgaram as mensagens preocupados com a segurança da princesa.