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CPI da Covid: possível ingerência política de Bolsonaro é alvo em depoimento do chefe da Anvisa

Presidente da Anvisa falará à CPI da Covid sobre vacinas na terça-feira - Agência Senado
Presidente da Anvisa falará à CPI da Covid sobre vacinas na terça-feira Imagem: Agência Senado

11/05/2021 07h05Atualizada em 11/05/2021 10h19

A CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Covid recebe hoje o presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antonio Barra Torres, para depor como testemunha. A possível ingerência política de Bolsonaro sobre a Anvisa deverá ser o foco do depoimento.

A agência, responsável por autorizar o uso de vacinas no país, esteve algumas vezes no centro de polêmicas ao analisar os imunizantes contra covid-19, sofrendo acusações de possível ingerência política por parte do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

No início da pandemia, em 15 de março do ano passado, Barra Torres chegou a participar de ato a favor do governo no Palácio do Planalto, ao lado de Bolsonaro. Ambos sem máscara interagiram com apoiadores do presidente, atitude que contribuiu para arranhar a imagem de independência da Anvisa.

Segundo o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), a autonomia da agência será o principal tema abordado pela CPI.

"Seguramente, o foco será esclarecer a informação sobre interferência política ou não na Anvisa. E as dificuldades que eles estão enfrentando no tocante à (autorização da) vacina Sputnik e que enfrentaram no passado na relação com o Butantan (para autorização da CoronaVac). São os três pontos mais relevantes", ressaltou ele à BBC News Brasil.

A Sputnik V é uma vacina desenvolvida pelo instituto russo Gamaleya que teve recentemente sua autorização para importação rejeitada pela Anvisa. O órgão vem sendo pressionado a rever essa decisão por governos estaduais que têm contrato para compra de 66 milhões de doses.

Já a Coronavac é a vacina desenvolvida pelo Instituto Butantan (órgão estadual paulista) em parceria com o laboratório chinês Sinovac. Seu uso foi autorizado após muita controvérsia devido a sucessivas declarações de Bolsonaro contra a vacina.

Isso porque o imunizante era visto como um trunfo político para o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), adversário do presidente.

Em outubro de 2020, o presidente chegou a desautorizar o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, após ele anunciar que iria fechar contrato para compra de 46 milhões de doses da CoronaVac.

"A vacina chinesa de João Doria, qualquer vacina antes de ser disponibilizada à população, deve ser comprovada cientificamente pelo Ministério da Saúde e certificada pela Anvisa. O povo brasileiro não será cobaia de ninguém. Minha decisão é a de não adquirir a referida vacina", disse Bolsonaro na ocasião.

Pouco depois, em novembro, a Anvisa foi alvo de críticas ao suspender a fase três dos testes da CoronaVac após a morte de um dos voluntários. O Butantan disse que isso não era necessário porque a causa do óbito não tinha qualquer relação com a vacina (tratava-se de um suicídio).

A agência, por sua vez, argumentou que o instituto paulista não disponibilizou todas as informações necessárias para que fosse descartada qualquer ligação entre a morte e o uso da CoronaVac. A retomada do estudo clínico foi liberada um dia depois.

Quando houve a paralisação, porém, Bolsonaro chegou a comemorar a decisão.

"Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o Doria queria obrigar a todos os paulistanos tomá-la. O presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha", escreveu o presidente em sua página no Facebook.

Diante da pressão pela vacinação no país, o contrato entre Ministério da Saúde e Butantan acabou sendo firmado em 7 de janeiro —dez dias depois a Anvisa autorizou o uso da CoronaVac. A vacina do Butantan hoje responde por cerca de 80% das aplicações contra covid-19 no Brasil.

"O mais importante (no depoimento do Barra Torres) é o fato de que em vários momentos o presidente da República tomou posições contra a aprovação da vacina CoronaVac, questionando sua qualidade", afirmou à reportagem o senador Humberto Costa (PT-PE).

"Houve momentos que ele disse que não iria comprar essa 'vacina chinesa'. Então, nós queremos saber se de alguma forma essa visão dele resultou em algum tipo de pressão sobre a Anvisa. Se ele tentou de alguma maneira interferir nas ações da Anvisa", reforça.

Anvisa diz que decisões são técnicas

Diante das críticas, Barra Torres tem respondido que as decisões da Anvisa são técnicas. A recente recusa à importação da Sputnik V foi inclusive defendida por especialistas independentes nas redes sociais.

"Infelizmente, não há condições para a Anvisa autorizar a importação da vacina Sputnik V da Rússia no momento. Faltam muitos dados. É totalmente compreensível a pressa de governadores, mas a Anvisa tem obrigação de garantir a qualidade da vacina e não há como fazer isso hoje", escreveu no Twitter, após a decisão da agência, o médico e advogado sanitarista Daniel Dourado, pesquisador do Centro de Pesquisa em Direito Sanitário da USP.

Segundo o órgão, a autorização foi negada porque os documentos submetidos à Anvisa sobre a Sputnik indicavam "ausência ou insuficiência de dados de controle de qualidade, segurança e eficácia".

No centro da polêmica está a presença ou não de vírus capazes de se replicar na vacina russa. Os responsáveis pelo imunizante negam que ela tenha esse problema, mas foi um dos principais motivos de a agência negar a importação, porque isso poderia trazer riscos à saúde.

"Uma das informações preocupantes com relação à avaliação dos dados disponíveis até o momento é que as células onde os adenovírus são produzidos para o desenvolvimento da vacina permitem sua replicação. Isso pode acarretar infecções em seres humanos, podendo causar danos e óbitos, especialmente em pessoas com baixa imunidade e problemas respiratórios, entre outros problemas de saúde", diz comunicado do governo federal sobre a decisão da Anvisa.

A recusa à importação ocorreu em 26 de abril, quando a Anvisa analisou pedido para compra de 66 milhões de doses da Sputnik V feito por nove Estados (Bahia, Acre, Rio Grande do Norte, Maranhão, Mato Grosso, Piauí, Ceará, Sergipe, Pernambuco e Rondônia).

Na sexta-feira (7), a Comissão Temporária da Covid-19 do Senado (órgão paralelo à CPI) realizou uma audiência com a participação de representantes da Anvisa, dos estados e da União Química, laboratório brasileiro que fechou parceria com o instituto russo Gamaleya.

Segundo o representante da União Química, Fernando Marques, um novo pedido para liberação da Sputnik V no Brasil vai ser apresentado à agência.

"Eu tenho muita confiança na qualidade técnica do corpo funcional da Anvisa, confio muito nas decisões deles. Agora, eu acho que tem que ser levado em consideração o momento que a gente está vivendo, a inexistência de vacina (suficiente contra covid-19). Temos que trabalhar para construir um consenso técnico mínimo", defende o senador Humberto Costa.

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.