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Barra Torres contraria Bolsonaro, ataca cloroquina e defende veto à Sputnik

Luciana Amaral, Hanrrikson de Andrade e Rayanne Albuquerque*

Do UOL, em Brasília e em São Paulo

11/05/2021 04h00Atualizada em 11/05/2021 20h01

Em depoimento hoje à CPI da Covid, o diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antonio Barra Torres, afirmou ser contra aglomerações e criticou o uso da cloroquina no tratamento da covid-19, para o qual não tem eficácia comprovada. Ele fez questão de deixar claro que, nesses pontos, sua conduta é diferente da adotada pelo presidente Jair Bolsonaro.

Na fala aos senadores, Barra Torres confirmou que houve uma reunião no Palácio do Planalto, no ano passado, em que foi discutida uma mudança na bula da cloroquina para que seu uso no tratamento da covid passasse a constar no papel.

Ele também defendeu a análise da vacina russa Sputnik V feita pela Anvisa. Até o momento, a agência tem rejeitado dar o aval para a importação ou o uso do imunizante no Brasil alegando questões técnicas e a falta de toda a documentação necessária.

Barra Torres foi indicado por Bolsonaro (sem partido) e teve o nome aprovado pelo Senado — ele não pode ser demitido do cargo para o qual tem mandato de cinco anos. Na CPI, o médico e contra-almirante afirmou que a Anvisa é uma agência de Estado, não de governo.

Mudança da bula da cloroquina

A discussão sobre uma eventual mudança na bula da cloroquina em reunião no Palácio do Planalto havia sido mencionada pelo ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta na CPI na semana passada. Mandetta citou ter visto inclusive um papel "não timbrado" que propunha essa mudança.

Barra Torres confirmou a existência da reunião e, assim como Mandetta, afirmou ter rechaçado a ideia de modificação.

No mundo todo, os estudos apontam a não eficácia comprovada [da cloroquina]. Até o momento, as informações vão contra a possibilidade do uso na covid-19"
Antonio Barra Torres, diretor-presidente da Anvisa

O diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, em depoimento à CPI da Covid - Jefferson Rudy/Agência Senado - Jefferson Rudy/Agência Senado
O diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, em depoimento à CPI da Covid
Imagem: Jefferson Rudy/Agência Senado

O dirigente da Anvisa explicou que bulas de medicamentos só podem ser modificadas a pedido das empresas detentoras do registro e, mesmo assim, depois de cumprir várias etapas de análises e apresentar um "pesado dossiê". A alteração é de competência do órgão regulador do país no qual o medicamento foi registrado.

Barra Torres afirmou não saber quem foi o autor da ideia, mas disse que a imunologista Nise Yamaguchi parecia "mobilizada". A médica é defensora do uso da cloroquina contra o coronavírus e tem atuado como uma espécie de conselheira informal do Planalto.

Segundo Barra Torres, ao ouvir comentário de Nise sobre o documento, ele reagiu de forma "até um pouco deseducada e deselegante".

"Quando houve uma proposta de uma pessoa física fazer isso, isso me causou uma reação um pouco mais brusca. Eu disse: 'Olha, isso não tem cabimento, isso não pode'", disse, enfatizando ter ficado indignado com a sugestão. A reunião teria sido encerrada logo depois.

Ele negou que a Anvisa tenha aprovado um protocolo de uso da cloroquina para tratamento de pacientes com covid e disse que a agência não trabalha com "off label", termo em inglês relativo à prescrição médica de um remédio para uso diferente do que indica a bula.

Sputnik

Barra Torres disse que o veto à liberação das vacinas Sputnik V e Covaxin não se deu por preciosismo da agência. Segundo ele, a rejeição se deu pela falta de todos os documentos necessários, como relatório técnico que explique pontos importantes para a comprovação da qualidade e segurança dos imunizantes.

Quanto à Sputnik V, o médico afirmou haver dados apresentados pelos russos que são conflitantes, como em relação à presença de adenovírus replicante. Ele afirmou que a agência está à disposição dos responsáveis pelas vacinas e esperar que as informações pendentes sejam apresentadas.

No momento, a análise [da Sputnik] encontra-se parada para que a União Química forneça as informações"
Antonio Barra Torres

Em sua avaliação, a atual situação, porém, não deve levar a pensamentos negativos sobre Sputnik V. "Isso faz parte do processo. Infelizmente, uma série de acusações e questionamentos feitos pelo próprio desenvolvedor nos obrigou a colocar de maneira mais clara os motivos desse nosso indeferimento", disse.

Na sessão, o senador Rogério Carvalho (PT-SE) perguntou se a falta de autorização para o imunizante não seria devido a um preconceito ideológico contra a Rússia, por ser um país ex-comunista. Barra Torres ressaltou as lacunas de informações técnicas. Disse também não conhecer representantes do corpo diplomático dos Estados Unidos, ao ser questionado se havia tratado da vacina com norte-americanos.

Estímulo à vacinação

Aos senadores o chefe da Anvisa disse ainda que seu empenho é para que as pessoas "briguem para se vacinar" e para convencer a maior parcela possível a buscar a vacinação "a todo custo".

Para Barra Torres, uma eventual obrigatoriedade da vacinação não teria efeitos práticos, pois "sempre vai haver algum escapismo para isso". Defendeu a adesão à vacinação pelo convencimento, com campanhas de informação, por exemplo.

O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), leu uma série de declarações negacionistas e críticas a vacinas feitas por Bolsonaro. Quando questionado sobre o impacto desse posicionamento na vacinação, Barra Torres afirmou que [o posicionamento do presidente] "vai contra tudo o que nós temos preconizado em todas as manifestações públicas" da Anvisa.

Ainda assim, Barra Torres disse que nunca sofreu qualquer tipo de pressão por parte do governo federal para dificultar a aprovação de vacinas, especialmente a CoronaVac, de origem chinesa e encampada pelo governador de São Paulo, João Doria, hoje adversário político de Bolsonaro.

Em outro momento, o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), fez referência à declaração do ex-ministro Eduardo Pazuello de que "um manda, o outro obedece", dada durante crise relativa à compra da CoronaVac pelo governo federal, e perguntou a Barra Torres se ele compartilhava dessa opinião no enfrentamento à pandemia.

"Não. De maneira nenhuma. Qualquer ação de saúde é pautada por ciência. A questão hierárquica é uma outra questão. Não tem nada a ver com isso", respondeu o chefe da Anvisa.

À CPI ele afirmou não concordar com a tese da imunidade de rebanho, também ao contrário do que ao já declarado pelo presidente da República.

Contra o 'tratamento precoce'

Barra Torres se colocou contra a indicação de "tratamento precoce", amplamente defendido por Bolsonaro e, por meses, pelo Ministério da Saúde.

O chefe da Anvisa defendeu a testagem e o diagnóstico precoce, junto ao tratamento de sintomas sentidos pelo paciente, sem incluir a cloroquina.

Afirmou ainda que não fez uso de cloroquina para se tratar da covid quando foi diagnosticado com a doença, em maio do ano passado.

Aglomeração com Bolsonaro

Em 15 de março de 2020, no início da pandemia, Bolsonaro descumpriu as recomendações de isolamento social e, na companhia de Barra Torres, participou de um protesto em frente ao Palácio do Planalto.

Bolsonaro chegou a fazer selfies com o rosto colado e tocou a mão de apoiadores que estavam no local. Na transmissão do encontro pela internet, o gestor da Anvisa apareceu filmando os cumprimentos entre Bolsonaro e os eleitores.

Hoje, Barra Torres alegou que não pretendia participar do ato e que estava no Planalto para uma conversa particular com o presidente. Disse não ter refletido sobre a imagem negativa que passaria à época e defendeu que, depois do episódio, não se comportou mais daquela maneira.

Destarte a amizade que tenho pelo presidente, a conduta do presidente difere da minha nesse sentido. As manifestações que faço têm sido todas no sentido do que a ciência determina"

Para ele, a aglomeração com motociclistas, incentivada pelo presidente Bolsonaro, no último domingo (9), foi um evento "sanitariamente inadequado".

Barra Torres afirmou que a agência orientou ministérios a aplicar medidas de barreira sanitária no Brasil, como o fechamento de aeroportos para estrangeiros. O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), no entanto, rebateu dizendo que "outros países [é] que fecharam fronteiras para a gente".

Petistas querem reconvocar Queiroga

No início da sessão, o senador Humberto Costa (PT-PE) anunciou ter apresentado um requerimento de reconvocação do atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que falou à CPI na última quinta-feira (6). A iniciativa conta com o apoio do senador Rogério Carvalho.

Ele avaliou que o ministro foi "lacônico" em diversos pontos e o depoimento, até "contraditório", como quanto à promoção do uso da hidroxicloroquina para o tratamento da covid.

O governista Marcos Rogério (DEM-RO) se colocou contra a possibilidade e avaliou parecer haver um movimento por parte da oposição de focar a investigação no governo federal e de tentar blindar prefeitos e governadores.

Não há previsão de quando o requerimento será votado.

*Com a colaboração de Ana Carla Bermúdez e Lucas Valença

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.