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Por que anúncios com modelos de olhos puxados vêm causando polêmica na China

29.abr.2020 - Foto de arquivo: bandeira da China em Pequim - Thomas Peter/Reuters
29.abr.2020 - Foto de arquivo: bandeira da China em Pequim Imagem: Thomas Peter/Reuters

Waiyee Yip*

Da BBC News

05/01/2022 18h37

"Não mereço ser chinesa só porque tenho olhos puxados?"

Foi o que a modelo chinesa Cai Niangniang escreveu em um post recente nas redes sociais, depois que fotos antigas dela viralizaram e causaram polêmica sob acusação de "perpetuar estereótipos".

Durante vários dias, ela foi atacada online por ser "deliberadamente ofensiva" e "antipatriótica", devido a uma série de anúncios em que apareceu para a marca de salgadinhos chinesa Three Squirrels.

Seu "crime"? Ter olhos puxados.

Alguns usuários ficaram tão indignados que a empresa acabou removendo os anúncios online e se desculpou por fazer as pessoas "se sentirem desconfortáveis" com eles.

Mas Cai disse que não sabia o que tinha feito para ser vítima de bullying virtual e destacou que estava "apenas fazendo meu trabalho" como modelo.

"Herdei minha aparência dos meus pais", escreveu a jovem de 28 anos na plataforma Weibo, o Twitter chinês.

"Insultei a China no dia em que nasci só devido à minha aparência?"

Os anúncios, originalmente filmados em 2019, foram desenterrados por internautas nacionalistas em meio a um período de alta sensibilidade online no país em relação à forma como os chineses são retratados.

Em novembro, uma importante fotógrafa de moda chinesa se desculpou por sua "ignorância" depois que uma foto que ela tirou para a marca de luxo francesa Dior gerou uma reação adversa. Era uma modelo chinesa de olhos puxados.

Nos últimos dias, houve outros incidentes que causaram polêmica nas redes sociais por causa de anúncios da Mercedes-Benz e Gucci que mostravam mulheres chinesas com olhos puxados.

Em meio a um crescente sentimento de nacionalismo online e antiocidental na China, alguns consideraram esses anúncios como exemplos de racismo contra o povo chinês. Ao apresentar modelos com olhos puxados, os críticos dizem que essas empresas estão perpetuando os estereótipos ocidentais de rostos chineses.

Muitos perguntaram por que esses anúncios não apresentavam o tipo de modelo mais comumente visto em anúncios chineses que têm pele clara e olhos grandes e redondos, que são normalmente considerados características de beleza ideais na China.

Um editorial recente no jornal China Daily destacou como "por muito tempo, os critérios ocidentais de beleza dominaram a estética". Isso incluía retratar mulheres asiáticas em anúncios como tendo olhos puxados.

"O Ocidente não tem mais uma palavra absoluta sobre tudo", dizia o artigo de opinião.

"O povo chinês não precisa seguir seus padrões sobre o que constitui beleza e que tipo de mulher é considerada bonita."

Por ser uma marca chinesa, a Three Squirrels "deveria conhecer a sensibilidade dos consumidores chineses em relação à forma como são retratados em anúncios", acrescentou.

No cerne da controvérsia está a percepção de que tais representações invocam o estereótipo de "olhos puxados" dos asiáticos que surgiu na cultura ocidental no século 19 e que é considerado extremamente ofensivo por muitos hoje.

Em Hollywood, o vilão asiático por excelência Fu Manchu foi retratado com olhos pequenos e puxados. O personagem personificava e perpetuava o "perigo amarelo", a ideia racista de que as culturas asiáticas ameaçavam a sociedade ocidental.

"De fato, há uma longa história no uso de 'olhos puxados' para discriminar os asiáticos", diz Liu Wen, da Academia Sinica de Taiwan, ao serviço de notícias em chinês da BBC.

Rejeição do pluralismo estético

Mas a insistência entre alguns chineses em um ideal de beleza específico também contrasta marcadamente com o atual debate global sobre diversidade e a pressão por uma representação mais ampla de rostos asiáticos na mídia.

Observadores dizem que, embora seja compreensível que alguns consumidores fiquem ofendidos com os anúncios, o clamor também é muito simplista, pois rejeita a ideia de que a aparência chinesa não é única.

"Rejeitar os 'olhos puxados' é um fenômeno muito perigoso, porque é a rejeição do pluralismo estético", diz Luwei Rose Luqiu, da Universidade Batista de Hong Kong.

"É uma beleza sufocante que não atende a um determinado padrão."

Os especialistas também apontaram que os padrões tradicionais de beleza na China favoreciam os olhos puxados. Por exemplo, pinturas do que é amplamente considerado como a idade de ouro da China para a arte e cultura, o período da Dinastia Tang de 618 a 907 d.C., apresentavam mulheres com olhos longos e puxados de maneira proeminente.

"Apesar de algumas variações nas diferentes dinastias, olhos mais puxados eram preferidos na China antiga", diz Jaehee Jung, um especialista em comportamento do consumidor na Universidade de Delaware, nos Estados Unidos.

E, ironicamente, a preferência atual por olhos grandes e redondos pode ser um fenômeno recente influenciado pelo Ocidente.

Alguns especialistas acreditam que a última mudança nos padrões de beleza começou por volta do final dos anos 1970, graças à exposição à publicidade e entretenimento estrangeiros quando a China abriu suas portas para o mundo.

"As mulheres na China contemporânea parecem endossar muitos dos padrões ocidentais para os ideais de beleza feminina difundidos nas imagens da mídia", diz Jung.

Hoje em dia, os olhos grandes e redondos são tão valorizados que não é incomum que as jovens chinesas usem maquiagem ou mesmo se submetam a procedimentos de cirurgia estética para fazer seus olhos parecerem maiores, como criar um vinco de "pálpebra dupla".

Mas Cai, a modelo no centro da última polêmica, espera que as pessoas possam ser "mais gentis" com aqueles que parecem diferentes.

Em sua postagem no Weibo, ela disse que não havia necessidade de atacá-la, mesmo que alguns não gostassem de seu visual particular.

"Meus olhos são assim, na verdade, eles são ainda menores na vida real (do que nos anúncios) ... Todo mundo tem seu próprio charme!"

*Colaborou Sylvia Chang do serviço de notícias em chinês da BBC