Rússia x Ucrânia: o enfurecido discurso de Putin que tenta reescrever história da região
O discurso televisionado do presidente russo Vladimir Putin direto do Kremlin na segunda-feira (21/2) foi marcado por raiva, queixas históricas e desafios ao Ocidente.
Sarah Rainsford, correspondente da BBC no Leste Europeu, e Paul Adams, correspondente diplomático da BBC que está em Kiev, na Ucrânia, analisam os detalhes do discurso.
Sarah Rainsford: 'Parece uma tentativa de concorrer à presidência da Ucrânia'
Este foi o discurso de um Putin irritado, impaciente e diretamente ameaçador. Parecia que o presidente da Rússia estava desabafando uns 20 e tantos anos de dor no peito e ressentimentos.
"Vocês não quiseram que fôssemos amigos, mas vocês não precisavam fazer de nós um inimigo", disse, num claro recado para o Ocidente.
Já ouvimos muitas coisas parecidas antes, mas que foram repaginadas para esse momento em que ele sabe que tem atenção máxima.
Com esse discurso, Putin claramente não estava cedendo terreno em suas principais demandas de segurança: a expansão da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) deve ser revertida, e a adesão ucraniana é uma linha vermelha. Ele reclamou que as preocupações da Rússia foram ignoradas como irrelevantes por anos e acusou o Ocidente de tentar "conter" o país como uma força global ressurgente.
O foco de Putin na Ucrânia parecia obsessivo, como um homem que só pensa num único assunto. Às vezes, lembrava uma tentativa de concorrer à presidência da Ucrânia, de tão detalhado que foi seu discurso.
E, claro, houve um movimento de reescrever a história da Ucrânia, para afirmar que o local nunca foi realmente um Estado. No contexto atual, isso tem conotações profundamente ameaçadoras.
Reconhecer as duas regiões separatistas da Ucrânia pode significar que as tropas russas entrarão abertamente, muito em breve - convidadas como "pacificadoras". Ou pode haver uma pausa, enquanto o líder da Rússia espera para ver o próximo movimento de seus oponentes.
Independentemente de qual for o caminho, a Ucrânia é o campo de batalha. Mas também é um jogo de agressividade entre a Rússia e o Ocidente, evoluindo rapidamente para um confronto.
A reunião anterior do Conselho de Segurança da Rússia foi uma peça de teatro em que todos tiveram um papel e um roteiro.
Os mais altos funcionários da Rússia sentaram-se em um semicírculo de aparência estranha diante de Vladimir Putin, chamados um a um para se aproximar do microfone e dizer o que ele queria ouvir.
Na história que eles contaram, a Rússia estava sendo compelida a intervir para proteger o povo de Donbas - muitos deles agora cidadãos russos - da ameaça mortal representada por Kiev, dando reconhecimento formal às regiões separatistas.
A palavra genocídio foi pronunciada mais uma vez, e o governo da Ucrânia acabou descrito como "fantoche do Ocidente".
Paul Adams: 'Uma Ucrânia de um sonho febril'
Grande parte do discurso de Vladimir Putin sobre a Ucrânia soou como um sonho febril. Uma visão de pesadelo de um país economicamente paralisado, totalmente corrupto, inclinado a desenvolver bombas nucleares ou outras armas de destruição em massa e ingrato por toda a atenção generosa dispensada pela Rússia desde a independência.
Esse discurso não foi inédito. O presidente russo escreveu um longo artigo no verão passado em que utilizou muitos dos mesmos argumentos.
Mas isso não tornou o discurso menos chocante de ouvir. Ele sublinhou, para qualquer pessoa com alguma dúvida, que Putin está falando de um lugar muito diferente. Esta não é apenas uma visão diferente da história. Às vezes, parecia até um universo paralelo.
Mas há lições também para o Ocidente? Por que, perguntou ele, a Otan se tornou inimiga da Rússia?
A aliança ocidental certamente nunca se propôs a fazer tal coisa. Mas o discurso do líder russo sublinhou, mais uma vez, que o Kremlin continua profundamente ressentido com a forma como a história se desenrolou. O vitória da Otan foi, na visão de mundo de soma zero de Putin, a derrota da Rússia.
O presidente francês Emmanuel Macron falou em abordar "os erros do passado" depois de se encontrar com Putin, em Moscou, há duas semanas. Ele sugeria, talvez, que o Ocidente tem alguma responsabilidade por permitir que esse relacionamento azede tanto.
Se e quando a crise sobre a Ucrânia estiver resolvida, como a Otan e a Rússia poderão juntar os pedaços?
Em um floreio final, Putin disse que primeiro refletiria sobre o que ouviu, e depois daria seus próximos passos - o que pareceu um desafio para os EUA tentarem detê-lo.
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