Guerra só acabará se Putin aceitar que não pode ganhá-la, diz especialista
Leon Panetta conhece o governo dos EUA por dentro e ocupou cargos importantes.
Foi chefe de gabinete do presidente Bill Clinton, diretor da agência de inteligência CIA e secretário de Defesa do governo de Barack Obama.
No comando da CIA, ele foi responsável por supervisionar a operação que levou à localização e morte de Osama bin Laden.
Como chefe do Pentágono, ele teve que assumir o sistema de alianças de segurança que os EUA têm com países de diferentes partes do mundo, a começar pela Otan, que agora desempenha um papel central na guerra na Ucrânia.
Panetta é um crítico da invasão da Ucrânia pelo presidente russo, Vladimir Putin, e vê o conflito atual como uma "guerra por procuração" (um conflito realizado por terceiros) entre EUA, Otan e a Rússia.
Nesta entrevista à BBC News Mundo (serviço de notícias em espanhol da BBC), Panetta afirma que Putin só entende o recado da força, portanto esse é o caminho que a Ucrânia deve seguir para viabilizar as negociações de paz.
BBC News Mundo - Você disse que a diplomacia não vai a lugar nenhum a menos que os ucranianos tenham a capacidade de influenciar as negociações. O que a Ucrânia pode fazer para obter essa capacidade e como o Ocidente pode ajudá-la a alcançar isso?
Leon Panetta - O mais importante para os ucranianos é continuar vencendo a guerra contra os russos. Essa é a vantagem mais importante que eles têm. Obviamente, até agora eles conseguiram impedir que os russos capturassem sua capital, Kiev, e agora estão em guerra para garantir que os russos não assumam o controle da área do Donbas.
Mas quanto melhor os ucranianos enfrentarem os russos no campo de batalha, mais poder terão nas negociações.
BBC News Mundo - Esse seria o melhor caminho para alcançar a paz?
Panetta - Correto. Há apenas um recado que Putin entende: a força.
BBC News Mundo - Quando você era secretário de Defesa, os EUA voltaram sua atenção da Europa para a Ásia, embora Putin já tivesse travado uma guerra contra a Geórgia. Você acha que essa mudança de atenção em direção à Ásia foi um erro?
Panetta - Não, porque ao mesmo tempo em que implantávamos navios de guerra adicionais no Pacífico, também aumentamos nossa presença de tropas na Europa para manter um forte apoio à Otan.
BBC News Mundo - Você diria que a Rússia é atualmente a maior ameaça à segurança dos EUA e à ordem mundial?
Panetta - Eu acho que a realidade é que estamos enfrentando uma série de ameaças no século 21. A Rússia está agora no topo da lista por causa da guerra na Ucrânia que eles travaram.
A mensagem enviada à Rússia sobre o preço que teria que pagar por sua invasão é a mesma mensagem que os EUA e seus aliados devem enviar à China, Coreia do Norte e Irã, para que eles entendam que pagarão um preço se decidirem entrar em guerra.
BBC News Mundo - Você disse que o que está acontecendo na Ucrânia é uma guerra por procuração contra a Rússia. Você poderia explicar por que você pensa assim?
Panetta - Os EUA e nossos aliados da Otan se uniram em oposição à invasão da Ucrânia por Putin. E é claro que por causa dessa aliança eles estão trabalhando para garantir que a Rússia pague um preço por essa invasão.
Eles implementaram severas sanções econômicas contra a Rússia. Eles estão fornecendo armas aos ucranianos para ajudá-los a combater a invasão russa e estão reforçando os países da Otan para deixar claro que resistirão a qualquer nova invasão russa.
Os EUA e seus aliados da Otan tomaram uma decisão muito importante de apoiar a Ucrânia em seus esforços para se defender. É evidente que esses países democráticos que se uniram estão fazendo tudo o que podem para impedir Putin e a Rússia.
BBC News Mundo - Portanto, seria o nível de envolvimento e intenção da aliança ocidental que faria disso uma "guerra por procuração"...
Panetta - Sim, quero dizer, na medida em que os EUA e nossos aliados estão fazendo tudo o que podem para apoiar a Ucrânia em sua guerra contra a Rússia, você pode dizer que isso é o equivalente a uma guerra por procuração.
BBC News Mundo - Alguns especialistas argumentam que o Ocidente não está usando a Ucrânia como "proxy" (um terceiro país que faz guerra contra a Rússia no lugar dos EUA e da Europa), mas que eles estão simplesmente ajudando um governo legítimo a se defender...
Panetta - Bem, isso depende da sua definição de "proxy". Está claro pelo que o presidente Biden disse e pelo que o secretário de Defesa Lloyd Austin disse nas últimas semanas que o objetivo aqui é enfraquecer a Rússia.
[Nota da BBC: após esta entrevista, Biden negou que o que está acontecendo na Ucrânia seja uma guerra por procuração contra a Rússia].
BBC News Mundo - Se o que os EUA e a Otan travam for mesmo uma guerra por procuração, com o secretário de Defesa dos EUA dizendo que quer ver a Rússia enfraquecida, é possível que Moscou sinta que tem o direito de levar a guerra para além da fronteira da Ucrânia?
Panetta - Putin e Moscou decidiram pela guerra, invadindo uma democracia soberana. São eles que devem arcar com as consequências de sua invasão, e a melhor maneira de acabar com esse conflito é Putin e a Rússia decidirem deixar a Ucrânia. Essa é a conclusão.
BBC News Mundo - Você foi secretário de Defesa e também diretor da CIA. Como você avalia a estratégia inicial de Biden de compartilhar publicamente informações sobre os planos de Putin sobre a guerra na Ucrânia?
Panetta - Acho que foi uma estratégia muito eficaz fornecer informações ao público sobre o que a Rússia estava fazendo em seus planos de invadir a Ucrânia. A Rússia continuou negando, Putin continuou negando que eles iriam invadir a Ucrânia, enquanto todas as evidências e informações mostravam claramente que eles estavam planejando a invasão.
Acho importante que o público entenda a hipocrisia que Putin e a Rússia demonstraram ao mentir para o mundo sobre quais eram suas verdadeiras intenções.
BBC News Mundo - Alguns argumentam que, ao fazer isso, Biden poderia ter colocado em risco alguns ativos de inteligência?
Panetta - Acho que hoje em dia existem várias fontes de inteligência, sejam elas tecnológicas ou humanas. Existem fontes diferentes e algumas delas não colocam as pessoas em risco, então tenho certeza que eles foram cuidadosos com a inteligência que divulgaram.
BBC News Mundo - Em relação à expansão da Otan, você acha que a aliança foi longe demais na inclusão de novos membros ou deveria ter ido ainda mais longe enquanto ainda tinha a oportunidade de se expandir?
Panetta - Eu acho que a decisão sobre a Otan é uma decisão tomada por países independentes e soberanos e se esses países decidiram que querem fazer parte da Otan — como, por exemplo, a Finlândia e a Suécia, que estão considerando essa possibilidade hoje — então eu acho que é uma decisão que esses países deveriam tomar.
Eu acredito que alianças são absolutamente essenciais para enfrentar nossos adversários como a Rússia e outros.
BBC News Mundo - Mas geralmente as grandes potências se sentem ameaçadas se houver uma aliança poderosa ao seu redor...
Panetta - A melhor maneira de a Rússia não ser ameaçada é se tornar parte da família internacional de nações, engajando-se no comércio, engajando-se em relações financeiras, engajando-se com outros países para tentar promover a paz e a prosperidade. É assim que você protege sua segurança. Não com guerra.
BBC News Mundo - Como você acha que essa guerra vai acabar?
Panetta - Eu rezo para que acabe logo. Eu acho que Putin deve entender que não pode alcançar a vitória na Ucrânia, não importa o quanto ele destrua, não importa quantos inocentes ele mate. Quando ele estiver disposto a entender isso, acho que só então teremos uma chance de acabar com essa guerra.
BBC News Mundo - Quão perto estamos desse ponto?
Panetta - Eu acho que as próximas semanas nos dirão muito sobre se podemos chegar a esse ponto em breve ou se essa guerra se arrastará ainda mais no futuro.
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