O território russo na Europa que pode ser 'cercado' por países da Otan
'O mar Báltico será efetivamente convertido em um lago da Otan', segundo declarou recentemente Andrey Kortunov, chefe do Conselho de Assuntos Internacionais da Rússia, um centro de estudos sediado em Moscou.
Após a invasão militar russa na Ucrânia, dois países nórdicos tradicionalmente neutros reverteram sua política e pediram para ingressar na Otan, a aliança militar do Ocidente: Finlândia e Suécia.
Alguns analistas acreditam que a decisão é um "desastre" para Moscou, que sempre considerou a expansão da aliança uma ameaça para sua segurança.
Mas o presidente russo, Vladimir Putin, surpreendeu a muitos em maio de 2022, ao afirmar que não há "nenhum problema", desde que os novos membros da Otan não abriguem infraestrutura militar no seu território, especialmente armas nucleares.
O que ficou claro é que o mapa estratégico da região será totalmente diferente quando a Finlândia e a Suécia ingressarem na Otan.
"O mar Báltico será efetivamente convertido em um lago da Otan", segundo declarou recentemente Andrey Kortunov, chefe do Conselho de Assuntos Internacionais da Rússia, um centro de estudos sediado em Moscou, afiliado ao Ministério das Relações Exteriores russo.
De fato, com a Suécia e a Finlândia passando a integrar a Otan, a Rússia conservará cerca de 200 km no litoral do mar Báltico. Já os países da aliança ocuparão 90% dos outros 8.000 km de costa: Estônia, Letônia, Lituânia, Polônia, Alemanha, Dinamarca e os novos membros, Suécia e Finlândia.
Mas, incrustado entre a Polônia e a Lituânia, fica o oblast de Kaliningrado - um exclave, região russa ladeada por outras nações.
Com pouco menos de um milhão de habitantes, Kaliningrado tornou-se um ponto estratégico nas divisões cada vez mais profundas entre o Ocidente e a Rússia.
Existem analistas que garantem que esse pequeno território é fundamental, tanto para a ofensiva de Moscou contra a Ucrânia, quanto para garantir suas defesas contra eventuais hostilidades dos países da Otan. E há até relatos de que a Rússia já instalou armas nucleares no local.
De Königsberg a Kaliningrado
Kaliningrado é atualmente um dos 46 oblasts da Rússia, mas é o único que não tem fronteira terrestre com o país. Além da sua importância estratégica e militar, Kaliningrado tem grande importância histórica, tanto para a Europa, quanto para a Rússia.
As origens históricas do território remontam a muito tempo atrás e apresentam estreita relação com o destino da Prússia Oriental e sua capital, Königsberg. A antiga cidade foi fundada em 1255 pelos Cavaleiros Teutônicos - uma cruzada católica de origem alemã que governou a Prússia.
Quando a Prússia Oriental se separou da Alemanha após a Primeira Guerra Mundial, o território seguiu sendo parte da Alemanha até princípios de 1945. No final da Segunda Guerra Mundial, ele foi conquistado pelo Exército Vermelho da União Soviética.
A Conferência de Yalta definiu a divisão do território entre a Polônia e a URSS, que foi formalizada em Potsdam, em 1945. Seu nome russo é derivado de Mikhail Kalinin, que foi um dos principais membros do movimento comunista bolchevique e chefe de Estado da União Soviética entre 1922 e 1946.
Entre a Rússia e o Ocidente
Kaliningrado abriga o único porto do mar Báltico livre de gelo durante todo o ano. Por isso, a cidade portuária é fundamental, tanto para a Rússia quanto para os Estados bálticos, para garantir o transporte e o comércio em toda a região, onde as temperaturas costumam ficar abaixo de zero durante grande parte do inverno.
Mas, além do transporte e do comércio, Kaliningrado é uma região estrategicamente vital para a Rússia, devido à sua posição geográfica no mar Báltico e sua proximidade com a Otan. Ela abriga a Frota Báltica da Rússia e é o território mais ocidental de Moscou, perto do coração da Europa.
Em maio de 2022, a Frota Báltica anunciou que realizaria uma série de ataques com mísseis simulados do seu sistema Iskander, que possui capacidade nuclear. O sistema de mísseis Iskander foi introduzido pela primeira vez na região em 2016 e atualizado em 2018, como parte de uma estratégia russa para contrabalançar o desenvolvimento de um escudo de defesa antimísseis balísticos na Europa pela Otan.
Exercícios militares regulares com a participação da Frota Báltica vêm ocorrendo em Kaliningrado desde a invasão da Ucrânia.
"Kaliningrado é um ponto central das preocupações de segurança da Rússia desde que foi anunciada a primeira onda de ampliação da Otan, na década de 1990", segundo Ruth Deyermond, professora de segurança pós-soviética do Departamento de Estudos da Guerra do King's College de Londres.
"Inevitavelmente, nos períodos em que aumentam as tensões entre a Rússia e a Otan, também aumentam as preocupações sobre Kaliningrado", declarou ela à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC.
Kaliningrado já é fortemente militarizada há anos, mas a presença militar russa na região foi reforçada depois da anexação da Crimeia pela Rússia em 2014. E, quanto mais se deterioram as relações entre a Rússia e o Ocidente, mais reforçada é a presença militar das duas partes na região.
"Não surpreende que essa região, que provavelmente é a parte da Europa com maior concentração de forças da Rússia e da Otan, seja agora o foco de maiores preocupações de segurança por ambos os lados", afirma Deyermond.
Os riscos
A Rússia não desmente, nem reconhece, que tenha instalado armas nucleares em Kaliningrado e costuma usar linguagem vaga sobre essas acusações.
"A instalação desta ou daquela arma, o deslocamento de unidades militares etc. em território russo são exclusivamente assuntos de soberania da Federação Russa", afirmou em 2018 o porta-voz do Kremlin Dmitry Peskov.
Mas algumas autoridades, como o presidente da Lituânia, Gitanas Naus?da, garantem que Moscou já instalou armas nucleares naquela região estratégica do Báltico.
Analistas militares acreditam que, se a Otan interviesse no conflito atual na Ucrânia ou se Moscou apontasse suas armas para outras ex-repúblicas soviéticas, como a Lituânia, Kaliningrado poderia ser uma plataforma de lançamento para um ataque da Rússia a esses países.
Mas Stefan Wolff, professor de segurança internacional da Universidade de Birmingham, no Reino Unido, não acredita que este seja atualmente um cenário provável.
"Não tenho a impressão de que a Rússia esteja considerando seriamente uma escalada, nem que detenha os recursos para fazê-lo no momento", afirmou ele à BBC News Mundo. "Mas é uma possibilidade a longo prazo. Por isso, seria importante fortalecer agora as capacidades defensivas da Otan para dissuadir qualquer movimento da Rússia no futuro."
Os especialistas concordam que, quando a Suécia e a Finlândia passarem a ser membros da aliança, é provável que a Rússia fortaleça sua posição militar em Kaliningrado. Mas isso, segundo Ruth Deyermond, "deve ser provavelmente compreendido mais como algo de caráter defensivo. A Rússia estará protegendo seu território contra a Otan, e não se preparando para atacar a Polônia ou os estados bálticos."
Não se sabe quanto tempo pode demorar o processo de ratificação da inclusão da Suécia e da Finlândia no Otan. Normalmente, esse tipo de processo dura menos de um ano, mas já se afirmou que, neste caso, alguns membros da aliança poderiam pressionar para acelerar esse trâmite, como os Estados Unidos.
Enquanto isso, os especialistas acreditam que o território fortemente militarizado de Kaliningrado poderia tornar-se um ponto fundamental para a ofensiva da Rússia contra a Ucrânia.
"Ainda não é fundamental, mas sua importância pode aumentar se houver uma escalada entre a Rússia e a Otan ou se a Rússia iniciar operações de desestabilização nos Estados bálticos ou na Polônia", destaca Stefan Wolff.
Para Ruth Deyermond, o risco mais grave não é uma invasão deliberada, nem o uso intencional de armas nucleares. "O risco mais grave no Báltico é um erro de cálculo ou um mal-entendido que provoque uma escalada que ninguém deseja."
"A região é pequena, o terreno não oferece barreiras naturais significativas e há muito pessoal militar, muito próximos uns dos outros. Isso fornece condições favoráveis para que um acidente saia de controle", explica ela.
"Mas, enquanto todas as partes estiverem conscientes dessa possibilidade, como acredito que estejam, o risco pode ser administrado", assegura a especialista do King's College.
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