O que se sabe até agora sobre o "míssil monstro" da Coreia do Norte
A Coreia do Norte segue aprimorando sua tecnologia militar, a despeito de pressões e sanções internacionais que foram incapazes de impedir o desenvolvimento de armas mais capazes e mortíferas por Pyongyang. O país já realizou mais de uma dúzia de testes de armas neste ano, e o lançamento de um míssil balístico intercontinental (ICBM) na quinta-feira (24/03) parece ter estabelecido um novo marco.
O míssil testado chama-se Hwasong-17, foi apelidado de "míssil monstro" por analistas militares e é o maior do tipo já disparado por Pyongyang.
"Se for lançado em uma trajetória normal, ele alcançaria toda a parte continental dos Estados Unidos, e com alguma folga", afirma Ankit Panda, especialista em segurança da Ásia e do Pacífico do Carnegie Endowment for International Peace, à DW.
A Coreia do Norte não testava um míssil balístico intercontinental desde 2017, e o ditador Kim Jong-un havia dito em abril de 2018 que Pyongyang "não precisava mais" testar mísseis de longo alcance e armas nucleares, antes de se reunir duas vezes com o então presidente americano Donald Trump.
Cinco anos depois, Kim acompanhou pessoalmente o lançamento de um ICBM, com propaganda sobre o evento sendo transmitida na mídia estatal e elogiando uma "nova arma estratégica (...) que confirma a modernidade de nossa força estratégica".
Pyongyang disse que o lançamento do Hwasong-17 "mostrará claramente o poder de nossa força estratégica para todo o mundo mais uma vez", e que a Coreia do Norte estava "totalmente pronta" para "conter quaisquer tentativas militares por parte dos imperialistas americanos".
A Coreia do Norte já havia sido proibida pela ONU de testar armas balísticas, e os Estados Unidos anunciaram sanções em resposta ao novo teste. Porém, o regime de Kim considera a capacidade de dissuasão militar mais importante para a sua sobrevivência do que qualquer dano que sanções possam provocar.
"Cada teste produz dados úteis para os norte-coreanos sobre como melhorar a credibilidade de sua dissuasão nuclear", disse Panda.
O que sabemos sobre o Hwasong-17?
O Hwasong-17 foi revelado pela primeira vez em um desfile militar em outubro de 2020, mas foi disparado pela primeira vez em um teste apenas nesta semana, de acordo com o 38 North, um think tank sediado nos EUA.
Um ICBM é um míssil guiado projetado para carregar ogivas nucleares com um alcance de 5.500 a 16.000 quilômetros, embora também possa levar outras cargas. Os ICBMs são muito mais rápidos e têm um alcance muito maior do que outros tipos de mísseis balísticos.
A mídia norte-coreana informou que o Hwasong-17 chegou a uma altitude de mais de 6.200 quilômetros, em um voo que durou 67 minutos e alcançou uma distância de 1.090 quilômetros até atingir um alvo no mar. O Japão e a Coreia do Sul também relataram dados similares. O 38 North estima que o míssil tenha um diâmetro de 2,5 metros.
Análises de imagens do teste de quinta-feira indicam que foi a primeira vez que a Coreia do Norte disparou um ICBM a partir de um veículo lançador eretor transportador (TEL), um equipamento caro e produzido na China. De acordo com Panda, o Hwasong-17 é provavelmente o maior míssil com propulsor de combustível líquido já lançado de um transportador rodoviário.
A característica mais preocupante do míssil, porém, é a sua capacidade potencial de transportar mais de uma ogiva nuclear, o que dificulta bastante a defesa contra um ataque.
Com base no que foi visto em desfiles e exibições anteriores, o analista Vann Van Diepen, do 38 North, escreveu antes do teste que a principal qualidade do novo míssil era sua maior capacidade de carga, o que poderia facilitar o lançamento de várias ogivas, ogivas maiores ou mais recursos para penetrar sistemas de defesa antimíssil.
"Acho que ninguém está realmente surpreso com o fato de [o teste] ter sido levado a cabo. Eles claramente vinham trabalhando para isso nos últimos lançamentos, e já havia uma expectativa crescente de que eles iriam usá-lo para lançar o satélite de reconhecimento, que indicaram que estará ponto em breve", disse Jenny Town, diretora do 38 North, à DW.
Autoridades em Seul e Washington disseram que os testes de lançamento feitos pela Coreia do Norte em 27 de fevereiro e 5 de março provavelmente envolveram componentes do sistema do Hwasong-17, o que poderia ter sido uma preparação para o teste completo visto na quinta-feira.
Na época, Pyongyang disse que tinha lançado mísseis balísticos de alcance não identificado, que afirmou terem sido usados para testar componentes de um satélite de reconhecimento em altitudes operacionais, de acordo com o 38 North.
Primeiro ICBM norte-coreano desde 2017
Os mísseis balísticos intercontinentais da Coreia do Norte são chamados "Hwasong", palavra que significa "Marte" em coreano. Vários lançamentos realizados em 2017 envolveram os mísseis Hwasong-15, que chegaram a uma altitude de 4.500 quilômetros.
O alcance estimado do Hwasong-15 de 13 mil quilômetros, quando disparado em uma trajetória padrão, poderia colocar qualquer parte dos Estados Unidos continental sob sua mira.
Além disso, o 38 North estima que o Hwasong-17 possa transportar uma carga útil de cerca de 1.700 quilos, contra os 1.000 quilos dos Hwasong-15. A maior capacidade de carga útil poderia permitir que diferentes artefatos atingissem múltiplos alvos.
A ampliação da capacidade dos mísseis da Coreia do Norte tem o objetivo de dissuadir os EUA. Entretanto, Pyongyang indicou recentemente que suas armas de curto e médio alcance também seriam eficazes contra alvos no Japão e na Coreia do Sul.
Outros testes recentes com mísseis norte-coreanos incluíram um míssil balístico submarino (SLBM) da classe Pukguksong e vários veículos planadores hipersônicos. Pyongyang também possui um arsenal de mísseis Scud de menor alcance e mísseis de cruzeiro.
Como o novo míssil afeta as conversas com EUA e Coreia do Sul?
A comunidade internacional foi rápida em condenar o novo lançamento, mas é improvável que Pyongyang pretenda usar seus testes de armas como moeda de troca a curto prazo.
"Não chamaria isso de 'mudança de jogo', já que os norte-coreanos não têm respondido às aberturas para retomar as conversas com os Estados Unidos e a Coreia do Sul há algum tempo", disse Town.
"É bastante claro a partir das declarações e iniciativas norte-coreanas que eles não tinham muita confiança de que novas negociações levariam a resultados no curto prazo", acrescentou.
Entram nesse cálculo o retorno dos Estados Unidos a uma posição política mais "tradicional" sob o presidente Joe Biden, e a próxima administração presidencial conservadora na Coreia do Sul sob Yoon Suk-yeol, que prometeu uma linha mais dura a respeito de Pyongyang.
"Com o aumento das tensões entre Estados Unidos e China, e a piora das relações com a Rússia, há uma sensação crescente que os blocos políticos e ideológicos estão se refazendo e que o Conselho de Segurança da ONU está agora efetivamente paralisado", disse Town.
Ela acrescentou que há uma corrida armamentista acelerada no nordeste da Ásia, com países como a Coreia do Sul testando mísseis e todos os atores regionais fortalecendo alianças e construindo novos pactos de segurança. "Esse não é realmente o tipo de ambiente de segurança no qual se espera que a Coreia do Norte esteja disposta a negociar limites para o desenvolvimento de suas próprias armas", disse.
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