Após um ano, como guerra afetou economia e testou neutralidade do Brasil
Um ano atrás, a Rússia invadiu a Ucrânia, dando início a uma guerra cujos efeitos geopolíticos e econômicos são sentidos não só na Europa, mas também em países sem qualquer relação direta com o conflito, como o Brasil.
Os primeiros efeitos que surgiram para o Brasil, logo após o início da guerra, foram econômicos. A guerra elevou os preços dos combustíveis e da energia - a Rússia, afinal, é o maior exportador mundial de gás natural e o segundo maior exportador de petróleo.
O barril de petróleo logo passou de US$ 100, para alcançar o pico de US$ 130, o que se refletiu também na elevação dos preços dos combustíveis, pressionando, assim, a inflação em todo o mundo, inclusive no Brasil.
No outro lado, a alta internacional do petróleo ao longo de 2022 elevou os lucros das empresas petrolíferas, entre elas a Petrobras, que, assim como outras petrolíferas, registrou lucros exorbitantes: R$ 145 bilhões nos três primeiros trimestres do ano passado, quase o dobro do mesmo período de 2021.
Esse valor extraordinário fez com que a política de preços para os combustíveis praticada pela estatal se tornasse um dos temas da campanha eleitoral do ano passado.
Num cenário que já era de crescimento baixo e inflação alta, a elevação nos preços dos combustíveis contribuiu para um aumento ainda maior da taxa de juros pelo Banco Central. A autoridade monetária, que já vinha subindo a taxa básica de juros desde março de 2021, elevou-a para 13,75% ao ano até o fim de 2022.
E é nesse patamar que ela está hoje, sob críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para quem juros altos, aliados a uma meta de inflação baixa, dificultam o crescimento econômico.
Mas muitos economistas afirmam que a atuação do Banco Central foi decisiva para controlar a inflação no Brasil, que fechou 2022 bem abaixo dos índices vistos em países ricos: 5,79%, o que, ainda assim, é superior à meta de 3% estipulada pelo BC.
Além da elevação dos juros pelo BC, o que contribuiu para conter a inflação brasileira em 2022 foi a isenção de tributos federais para combustíveis e energia, iniciada no governo Jair Bolsonaro e mantida no governo Lula.
Com a isenção, os preços dos combustíveis começaram a cair no Brasil, espantando em parte o temor no início da guerra. Em dezembro, os preços da gasolina e do etanol caíram mais de 25%, e a energia elétrica residencial recuou 19%.
Porém, com a isenção de tributos, o governo está deixando de arrecadar impostos, o que eleva o rombo nas contas públicas, que deverá chegar a R$ 230 bilhões em 2023.
Hidrogênio verde
A restrição à energia russa devido à guerra na Ucrânia acelerou a busca de países europeus por alternativas limpas, e uma delas é o hidrogênio verde, um dos substitutos dos combustíveis fósseis na obtenção de energia limpa. E justamente o Brasil pode se tornar um grande exportador de hidrogênio verde. O tema foi abordado pelo presidente Lula e pelo chanceler federal alemão, Olaf Scholz, na recente visita deste à Brasília.
Trata-se de um mercado ainda incipiente, mas de grande potencial. Um estudo da consultoria alemã Roland Berger estimou que o mercado mundial de hidrogênio verde deverá movimentar mais de US$ 1 trilhão em venda direta do combustível ou derivados. De acordo com a consultoria alemã, o Brasil irá liderar essa corrida, transformando-se em um grande exportador global. A grande vantagem brasileira é o baixo custo de produção.
Prós e contras para o agronegócio
Quem também sentiu os efeitos da guerra na Ucrânia foi o agronegócio brasileiro - efeitos vantajosos e desvantajosos.
Um dos principais nós dos produtores, o custo de produção, explodiu por causa da alta nos preços dos fertilizantes. Os produtores brasileiros nunca gastaram tanto com fertilizantes como em 2022 - para comprar bem menos do que em anos anteriores.
Em 2022, 38 milhões de toneladas custaram quase US$ 25 bilhões de. Um ano antes, 41 milhões de toneladas haviam custado US$ 15 bilhões. A Confederação Nacional da Agricultura já afirmou que a safra de 2022/23 é a mais cara da história.
A Rússia é um dos grandes fornecedores no mercado mundial de fertilizantes, em especial de potássio, que é extremamente importante para a agricultura do Brasil. O Brasil importa 98% do cloreto de potássio que usa de nações como Rússia, Belarus, Canadá e China.
Mesmo assim, a agropecuária brasileira teve uma contribuição positiva para a balança comercial: o saldo do setor passou de US$ 46,5 bilhões em 2021 para US$ 65,8 bilhões em 2022, e a balança comercial brasileira, como um todo, teve superávit de US$ 61,9 bilhões, pouco acima dos US$ 61,4 bilhões de 2021 - com uma contribuição decisiva justamente do setor agrícola.
A explicação para isso também está na guerra da Ucrânia: os preços das commodities agrícolas, assim como os do petróleo, também dispararam com o início do conflito, elevando os ganhos dos produtores brasileiros.
Por exemplo o trigo: tanto a Rússia como a Ucrânia são grandes produtoras e desempenham papéis fundamentais no mercado internacional desse grão. Do início até meados de 2022, o trigo subiu 27% no Brasil.
Isso teve um impacto positivo na produção brasileira, com aumento da área plantada, safra recorde e forte aumento nas exportações. A atual safra chegou a quase 10 milhões de toneladas, alta de mais de 27% em comparação com a temporada passada.
Em 2022, o Brasil exportou 3 milhões de toneladas de trigo, o triplo do ano anterior. E importou 15% menos: 5,7 milhões de toneladas.
O consumidor brasileiro sentiu os efeitos com o aumento no preço da farinha de trigo e do pão francês, ao longo de 2022. Mas, no início de 2023, a alta nos preços deu uma trégua - por causa da boa safra do grão.
Efeito semelhante pôde ser observado na produção de milho, do qual a Ucrânia é uma das principais exportadoras mundiais. A atual safra brasileira deverá chegar a 125 milhões de toneladas, mais de 10% da produção mundial, com exportações de 50 milhões de toneladas.
Com isso, o Brasil deverá liderar as exportações mundiais de milho, à frente dos Estados Unidos. Isso não se deve apenas à queda nas exportações da Ucrânia, mas sobretudo à seca nos Estados Unidos e na Argentina.
Neutralidade testada
Mas a guerra teve um impacto não apenas econômico no Brasil. Como potência regional, o país também se viu obrigado a adotar posições políticas internacionais - e isso tem se mostrado um exercício de equilíbrio diplomático. Bolsonaro chegou a visitar Putin nas vésperas do início do conflito e se disse solidário aos russos, sem citar a Ucrânia. No entanto, o Brasil seguiu neutro na disputa.
De um lado, o Brasil é uma democracia, o que o alinha, por exemplo, aos Estados Unidos e à União Europeia. Por outro, é também uma potência emergente e, como tal, participa do grupo de países do Brics, ao lado de nações como a Rússia - não exatamente um modelo de democracia.
Não desagradar nem a um lado nem ao outro tem se mostrado a principal tarefa da diplomacia brasileira desde o início do conflito - se há um ponto no qual tanto Bolsonaro quanto Lula concordam é sobre a importância da Rússia, como exportadora de fertilizantes, para o agronegócio brasileiro.
Isso ficou claro mais uma vez durante a visita do chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz, a Brasília. Lá, ele ouviu de Lula uma negativa ao envio de munição à Ucrânia e - sobre a guerra - a observação de que, quando um não quer, dois não brigam.
A relativização da culpa da Rússia pelo conflito, algo comum na esquerda brasileira, é um disparate para qualquer político alemão do campo democrático.
Semanas depois, no encontro de Lula com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, o tema guerra na Ucrânia voltou a ser sensível. A imprensa brasileira noticiou que o Brasil cedeu aos Estados Unidos e aceitou um linguajar mais duro em relação à Rússia no comunicado final.
Tanto para Scholz como para Biden, Lula expôs sua ideia de um grupo para negociar a paz entre Rússia e Ucrânia, formado por países como Brasil, China e Índia. Lula vê a neutralidade brasileira como uma vantagem para essa negociação, mas a proposta parece não ter sido levada muito a sério pelos dois líderes ocidentais.
Até aqui, Lula, assim como seu antecessor, Bolsonaro, tem descartado qualquer apoio político ou militar aos ucranianos. Ao mesmo tempo, o governo brasileiro evita melindrar americanos e europeus. Os desdobramentos da guerra deverão colocar à prova essa posição de neutralidade brasileira.
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