Transmissão online do julgamento de ex-dirigente chinês foi encenação grosseira
Apesar de ter sido algo inédito, a transmissão online do julgamento do ex-líder do Partido Comunista chinês, Bo Xilai, que acabou ontem, segunda-feira, após cinco dias, foi parcial e ocultou muitos detalhes importantes do processo.
Antes que começasse o julgamento do protagonista do maior escândalo político da China em décadas, na última quinta-feira, as autoridades comunistas garantiram que ele seria "público".
Essa informação deixou muitas dúvidas sobre a divulgação do caso, já que esse não foi o "modus operandi" do julgamento dos outros dois principais atores do melodrama, a esposa de Bo, Gu Kailai, e seu ex-braço direito, Wang Lijun, há quase um ano.
Apesar de a imprensa oficial ter se vangloriado pela "transparência" do sistema -"o público considera as transcrições do julgamento em tempo real uma amostra dos esforços do Partido Comunista para combater a corrupção", dizia a agência oficial "Xinhua"-, vários indícios sugerem que o método não foi nada além de uma encenação grosseira.
Em primeiro lugar, é quase impossível contrastar o que foi emitido com o julgamento em si, já que apenas 19 jornalistas da imprensa oficial chinesa puderam entrar na sala, enquanto os mais de 200 repórteres credenciados se resignavam a cobri-lo desde as portas do tribunal através de seus smartphones.
Ex-dirigente chinês assume responsabilidade por desvio
Também não houve nenhuma confirmação oficial sobre a informação publicada no jornal "South China Morning Post" (SCMP), de Hong Kong, de que Wang Lijun foi testemunhar em uma cadeira de rodas depois de sofrer um acidente vascular cerebral há dois meses.
Além disso, o ritmo das publicações das atas foi diminuindo ao longo dos dias e algumas - com temas presumivelmente "delicados"- foram postadas em uma rede social chinesa e apagadas minutos depois.
Outra particularidade suspeita é que, apesar de a conta do tribunal ser "trending topic" -o tema mais comentado- desde que começou o julgamento e ter mais de 500 mil seguidores, há apenas cerca de 70 comentários, predominantemente negativos, em relação a Bo.
Seria estranho, por outro lado, que uma rede controlada pelo rígido aparelho censor do país asiático, não tenha "filtrado" as publicações de um tema tão delicado para o governo.
O "SCMP" publicava hoje, citando três fontes da corte, que as transcrições deixaram de fora comentários positivos feitos por Bo sobre Gu, que está presa pelo assassinato do empresário britânico Neil Heywood, ou aqueles que deixavam o regime em alguma saia justa.
"Minha vida foi uma tragédia... Também a de Gu", teria dito Bo à promotoria, segundo o "SCMP", sobre a desgraça que começou quando Wang Lijun, então seu chefe de polícia, tentou refugiar-se em um consulado dos Estados Unidos em fevereiro de 2012, onde delatou os crimes do ex-líder em Chongqing e incriminou Gu pela morte de Heywood.
"Espero que vocês possam interromper esta investigação e assim deixar o último pedaço que fica vivo da minha família", implorava um Bo muito mais "humano" que o que supostamente ficou chamando a esposa de "louca" dias atrás.
Também omitiram, segundo o jornal, as cinco cartas que o ex-líder escreveu ao partido, pedindo que sua mulher fosse perdoada pelo assassinato, ou suas descrições sobre as táticas de persuasão "pouco sutis" do corpo anticorrupção do PC, nas quais explicava como um acusado confesso sobreviveu enquanto outro, que negou os delitos, foi executado.
No entanto, Bo não aceitou as acusações de corrupção e abuso de poder, algo que poderia ser utilizado pela promotoria - que já exigiu que ele seja "severamente castigado"- contra si.
À espera da sentença, cuja data é desconhecida, há poucos detalhes espontâneos em um julgamento com uma melodramática "trama que nem a pior telenovela poderia ter", segundo supostas palavras de Bo durante sua alegação final.
Nem sequer os policiais que escoltaram o ex-líder na sala eram autênticos.
Aparentemente, um dos oficiais, especialmente alto para os padrões chineses, era um ex-jogador de basquete usado para "ofuscar" a imponente figura do "príncipe" deposto.