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Egito põe fim à "Primavera Árabe" com libertação de Mubarak

24/03/2017 14h41

Francesca Cicardi e Isaac J. Martín.

Cairo, 24 mar (EFE).- O ex-presidente do Egito Hosni Mubarak foi libertado nesta sexta-feira após quase seis anos de prisão, desde que foi derrubado pelos protestos populares da "Primavera Árabe" em 2011, o que para muitos simboliza o fim da revolução e suas reivindicações de justiça social.

O ditador octogenário saiu do hospital das forças armadas de Maadi, no sudeste da capital egípcia, às 8h30 locais (3h30 de Brasília) e se dirigiu a sua residência no bairro de Heliópolis, no nordeste da cidade, confirmou à Agência Efe seu advogado, Farid al Dib.

Mubarak foi recebido lá por toda sua família, com quem tomou o típico café da manhã egípcio composto por "fuul e taameya" (purê de favas e falafel), segundo o jornal local "Al Masry Al Youm", que detalhou em seu site que alguns amigos também compareceram para dar as boas-vindas ao "rais".

A casa para onde o ex-mandatário voltou é o palacete onde ele residia quando era presidente do país e que sua mulher, Suzanne Mubarak, supostamente adquiriu do Estado egípcio em 2002, em uma transação obscura, segundo uma investigação do jornal egípcio independente "Mada Masr".

A ex-primeira-dama, de 76 anos, chegou a um acordo com a Justiça egípcia pouco depois da queda em desgraça de seu marido e aceitou devolver ao Estado mais de 20 milhões de libras egípcias (mais de US$ 3 milhões naquela época) e a vila de Heliópolis, em troca de sua liberdade.

Segundo o "Mada Masr", Suzanne Zabet (seu nome de solteira), nunca entregou esse montante, nem o palacete, onde seguiu residindo e para onde Mubarak retornou hoje, fechando assim um ciclo da história recente do Egito.

A liberdade do "faraó", que governou Egito com mão de ferro durante 30 anos (1981-2011), chega após sua absolvição no início do mês por seu suposto envolvimento na morte de 239 manifestantes durante os protestos que acabaram com seu mandato entre janeiro e fevereiro de 2011.

A Procuradoria Geral do Egito ordenou no dia 13 de março a libertação de Mubarak, depois que ele foi declarado inocente e por considerar que já tinha cumprido a condenação - ditada em maio de 2015 e confirmada em janeiro de 2016 - a três anos de prisão por apropriação de recursos públicos reservados aos palácios presidenciais.

O ditador foi mantido em prisão preventiva de abril de 2011 - quando foi detido pelas autoridades egípcias no meio da euforia pós-revolucionária - até o dia de hoje, por isso esse período em que esteve sob custódia foi descontado de sua pena confirmada em 2016.

Em todo este tempo, Mubarak passou breves temporadas na prisão de Tora, nos arredores da capital egípcia, mas seu delicado estado de saúde e sua idade avançada, assim como uma opinião pública cada vez menos hostil ao presidente deposto e odiado, permitiram sua "aposentadoria" no hospital das forças armadas, onde gozava de um regime privilegiado.

Para a professora de Ciência Política da Universidade Americana do Cairo (AUC, sigla em inglês), Rabab al Mahdi, a libertação de Mubarak é só um dos muitos sinais que indicam o fim da onda de protestos de 2011.

Mesmo assim, a coautora do livro "A Primavera Árabe no Egito. A Revolução e Além", assegurou à Efe que isto não quer dizer que não vão ocorrer mais protestos populares no país.

Para Mahdi, os problemas vividos no Egito - grave crise econômica, insegurança, falta de liberdades - podem levar a novos protestos no futuro, pelo acúmulo do descontentamento popular ao longo dos anos.

Além disso, a professora considerou que Mubarak foi libertado neste momento porque "já não representa uma ameaça para o regime" egípcio, que encarcerou os jovens em seu lugar.

Nos últimos anos, desde o golpe de Estado de 2013 liderado pelo atual presidente Abdul Fatah al Sisi, os ativistas e movimentos que se levantaram contra Mubarak sofreram uma brutal perseguição e milhares de jovens acabaram na prisão, entre eles alguns rostos conhecidos da revolta de 2011.

Além disso, os revolucionários e as ONGs locais e internacionais denunciaram o retorno da ditadura no Egito e, inclusive, uma maior repressão - com detenções arbitrárias, tortura e desaparições forçadas - sob o governo de Sisi.

Para o analista político do Instituto Tahrir para a Política no Oriente Médio, com sede em Washington, Bradley Youngblood, a libertação de Mubarak demonstra "a falta de compromisso do atual regime com os princípios da revolução de 2011", que se resumiu em "pão, liberdade e justiça social", como cantavam os manifestantes na Praça Tahrir no Cairo.

No entanto, o especialista em transições políticas no Oriente Médio considerou que "a Primavera Árabe não termina com a libertação de Mubarak, mas simplesmente evolui para uma luta diferente".