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Chegada de Bolsonaro à presidência gera dúvidas na Argentina

31/12/2018 20h56

Natalia Kidd.

Buenos Aires, 31 dez (EFE).- A chegada de Jair Bolsonaro à presidência do Brasil gera incógnitas na Argentina sobre a evolução da relação comercial e política com seu principal parceiro regional e o futuro do Mercosul, bloco do qual ambos países são sócios.

Especialistas consultados pela Agência Efe veem como um mau sinal que o presidente argentino, o conservador Mauricio Macri, não esteja presente amanhã à posse de Bolsonaro para desfrutar suas férias no sul da Argentina.

Para o analista Patricio Giusto, da empresa de consultoria Diagnóstico Político, a ausência de Macri "é um gesto que seguramente vai ser lido de maneira muito ruim" no Brasil e "um erro de política externa".

"Do lado político, vejo complicada essa relação", declarou o analista sobre os vínculos que deverão "construir" duas personalidades tão diferentes como as de Macri e Bolsonaro.

O governante argentino falou por telefone com Bolsonaro em meados de dezembro e os dois combinaram então uma reunião em Brasília para o dia 16 de janeiro.

Segundo o olhar dos analistas, Bolsonaro seguramente tentará recuperar a liderança natural do Brasil como referência regional e que, em parte, Macri ostentou nestes últimos três anos.

"Macri deveria tentar desenvolver um vínculo de confiança e racionalidade com Bolsonaro no que for possível, porque senão a Argentina vai pagar consequências", afirmou o analista Jorge Arias, da empresa de consultoria Polilat.

Para o especialista, o novo presidente brasileiro, frente ao complexo cenário internacional, deverá adotar medidas em defesa dos postos de trabalho, o que poderia implicar eventualmente em restrições comerciais para a Argentina.

No entanto, não há um consenso entre os analistas a respeito deste ponto.

Para Marcelo Elizondo, diretor da empresa de consultoria DNI, "o mais provável é que haja muita fluência na relação comercial".

"Eu não vejo o governo de Bolsonaro com uma política de restrição comercial, razão pela qual o fluxo de livre-comércio entre os dois países deveria estar consolidado e garantido", opinou Elizondo.

O futuro dos intercâmbios com o Brasil é um assunto central para a Argentina, cuja economia debilitada em 2018, necessita recuperar impulso e somar receitas com exportações.

O Brasil é o principal parceiro comercial da Argentina, já que é seu maior mercado de exportações e também o seu principal fornecedor, com um déficit comercial que, com suas oscilações, é estrutural para a Argentina.

Segundo dados da Câmara de Comércio, Indústria e Serviços Argentino-Brasileira da Argentina, nos primeiros dez meses de 2018 a Argentina registrou um déficit comercial com o Brasil de US$ 4,819 bilhões, 32% a menos que no mesmo período de 2017.

A economia argentina é também altamente sensível à evolução do Brasil e, normalmente, quando a atividade se ressente no Brasil - o que ocorreu em 2015-2016 -, o país vizinho sente os efeitos.

"Se Bolsonaro tiver sucesso com as reformas que pensa em impulsionar e se a economia brasileira começa a se sair melhor, isso terá uma repercussão positiva na Argentina. Nesse sentido, a relação econômica pode melhorar e vai nos beneficiar", observou Giusto.

No entanto, o capítulo que desperta mais dúvidas para os analistas no futuro da relação entre Macri e Bolsonaro é o Mercosul, bloco integrado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.

"O Mercosul vai ser um tema crítico porque Bolsonaro quer revisá-lo e Macri tem uma postura mais conservadora", considerou Giusto.

Bolsonaro deixou claro que quer mudanças na união aduaneira, que tem uma tarifa externa comum elevada e que obriga os sócios do Mercosul a negociar como grupo acordos de livre-comércio ou de preferências tarifárias com terceiros países ou blocos.

Elizondo afirmou que podem surgir "diferenças" neste ponto porque Bolsonaro poderia impulsionar uma "flexibilização" nas regras para permitir aos membros do bloco negociar de forma independente acordos bilaterais com terceiros, algo que o Uruguai reivindica há muito tempo diante da negativa dos demais sócios.

"Até agora a Argentina disse que está disposta a modernizar o Mercosul. Entendo que o governo argentino está admitindo que a tarifa externa do Mercosul é alta demais e deve ser revisada, mas até agora a Argentina não disse que aceitaria uma flexibilização para permitir acordos bilaterais", ressaltou Elizondo. EFE