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Inelegível, Bolsonaro faz primeiro comício do ano eleitoral

Um ano e dois meses depois do tsunami bolsonarista que assolou o país, o ex-presidente inelegível até 2030 e investigado por crime de golpe de Estado (fracassado no 8 de janeiro), promove hoje o primeiro comício fora de época do ano eleitoral.

Como pode? Se não é para pedir votos, qual é a finalidade? É para continuar nas manchetes dos jornais, das TVs e das capas das revistas, manter o rebanho de fiéis mobilizado. A micareta política de Jair Bolsonaro não é apenas mais uma anomalia praticada pelo ex-capitão, mas um claro desafio às instituições democráticas.

Qual é o sentido de um ato convocando seus devotos para a avenida Paulista, em São Paulo, no momento em que ele e sua gangue de golpistas se vê cercada pela Justiça e pela Polícia Federal, a não ser criar mais confusão e emparedar o Supremo Tribunal Federal?

Chega a ser uma afronta, um escárnio, Bolsonaro anunciar que quer apenas se defender, assim como o Estado democrático de Direito, "sem atacar ninguém", justamente ele, que passou seus quatro anos de governo conspirando contra a democracia. Quem ainda pode acreditar nisso e apoiar um golpista juramentado, que nunca escondeu seus objetivos nem as provas dos seus crimes de lesa-pátria?

O pior é que tem muitos, como mostram as pesquisas. Ainda há um considerável contingente de brasileiros em todas as latitudes dispostos a seguir o Mito de fancaria. Essa é a pior sequela deixada pelo bolsonarismo em marcha por militares e civis que bancaram e levaram o ex-deputado do baixo clero ao poder, em 2018, sabendo quem ele era, sem se preocupar com o país. Agora, todo mundo sabe, não há mais desculpas.

Pensaram em reviver o golpe de 1964, mas criaram apenas uma seita fundamentalista que orava por uma intervenção militar nos acampamentos diante de quartéis, movida por mentiras, delírios, ameaças e uma usina de fake-news, cujos efeitos tóxicos ainda perdurarão por muito tempo. Derrotados no 8 de janeiro, o ápice do movimento, eles não aprenderam nada e não desistem, resistem a largar o osso.

Basta ver a atual composição do Congresso Nacional e o palanque montado para o comício, com tantos parlamentares, governadores e outros notáveis devotos, que precisaram alugar mais um trio elétrico. O que o ex-presidente quer é apenas uma fotografia verde e amarela de apoiadores para "mostrar ao Brasil e ao mundo" como ele ainda é poderoso e popular, e assim evitar ou postergar a iminente prisão dele e de seus comparsas, ao final dos processos. Enquanto isso não acontecer, não viveremos em paz. Nossa democracia continuará ameaçada.

Como não têm mais defesa possível, diante de tantos vídeos, áudios, mensagens, delações e documentos incriminadores, o ex-capitão renegado pelo Exército, bem como seus generais, só podiam mesmo permanecer em obsequioso silêncio durante os depoimentos de quinta-feira na Polícia Federal. Quem cala, consente, se dizia antigamente.

Nuvens negras pairam sobre o comício, e não só por causa das fortes chuvas previstas para o domingo à tarde pelos institutos de meteorologia. Para Claudio Langroiva, professor de processo penal da PUC-SP, a mera convocação do ato feita por Bolsonaro é "arriscada" e pode motivar a prisão preventiva, segundo matéria da Folha de sexta-feira.

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"No caso específico dele, como está sendo investigado num inquérito policial de crimes gravíssimos contra o Estado democrático de Direito e tentativa de golpe, essas atitudes se tornam relevantes para o inquérito, podendo incidir numa prisão preventiva nos termos do artigo 312 [do Código de Processo Penal]", adverte Langrovia.

Se tudo der errado, e a Paulista não lotar, Bolsonaro poderá botar a culpa na chuva. Esse é, porém, o menor risco que ele corre, a julgar pelo elenco incendiário que convocou para o comício quando resolveu partir para o tudo ou nada. Qualquer desatenção pode ser a gota d´água, como diz o verso do Chico Buarque, muito lembrado nos últimos dias.

O risco maior quem corre com os desatinos do ex-presidente somos todos nós e a jovem democracia brasileira.

Vida que segue.

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Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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