Suicídio entre crianças migrantes na Grécia: MSF relata horrores dos campos de refugiados
A belga Caroline Willemen tem 33 anos e um diploma em Relações Internacionais. Mas sua vida, como a de muitos profissionais europeus de sua geração, tem sido dedicada ao trabalho, muitas vezes voluntário, em diversas ONGs humanitárias pelo mundo. Em 2019, Willemen se tornou coordenadora da MSF (Médicos sem Fronteiras) na Ilha de Lesbos, na Grécia, e testemunhou a situação crítica da superlotação de famílias e crianças vindas especialmente de países como Afeganistão, Síria, Iraque e Somália.
Entre os sintomas do estresse pós-traumático, as automutilações e as tentativas de suicídio entre menores, vem soando o alerta vermelho para profissionais que atuam no local, como relata a ativista nesta entrevista à RFI.
Segundo Caroline Willemen, o espectro de doenças mentais que atinge as crianças migrantes nos campos de refugiados é muito amplo.
"São crianças de todas as idades, de três anos até a adolescência. Entre os principais sintomas, nossos psicólogos e médicos notam crianças que mudam radicalmente de comportamento e que, do nada, se tornam agressivas. Há também crianças que parecem desistir da vida, que se tornam muito quietas, não interagem mais, param de comer, beber e não dormem, e aquelas que aos 10, 12 anos voltam a fazer xixi na cama, um sintoma clássico", conta a coordenadora dos MSF.
"Vemos crianças que se automutilam, algumas que falam sobre se automutilar e outras que efetivamente tentaram colocar um fim em suas vidas. É importante lembrar que esses casos extremos são uma minoria, mas eles refletem a ponta de um iceberg muito mais profundo", avalia.
"Vemos com frequência comportamentos limítrofes inquietantes, o que significa basicamente que estas crianças não estão bem. São crianças que fugiram de zonas de guerra, como a maioria dos que vivem hoje no campo de Moria [na ilha de Lesbos], elas estão profundamente traumatizadas. Somam-se a isso os últimos oito quilômetros que elas atravessaram para chegar aqui num barco lotado, no escuro absoluto, de noite, sendo que muitas crianças não sabem nadar, é terrível, extremamente assustador", diz.
Cinco vezes mais pessoas do que a capacidade
O tema do suicídio entre crianças migrantes na ilha de Lesbos foi abordado pela primeira vez numa carta divulgada pelo presidente internacional da MSF, Christos Christou, e publicada pela imprensa europeia. Nela, Christou relata tentativas de suicídio "semanais" em Lesbos. Segundo números atualizados, mais de 40 mil pessoas se amontoam hoje em dia em tendas nos campos insalubres de Lesbos e quatro outras ilhas do Mar Egeu.
Apenas no campo de Moria, em Lesbos, existem no momento cerca de 17 mil migrantes, mesmo sua capacidade sendo de apenas 3.000 refugiados. Desde a assinatura do acordo entre a Turquia e a União Europeia em 2016, esses campos tornaram-se uma espécie de "área de espera" para solicitantes de asilo que esperam meses ou até anos até que a solicitação seja processada. A MSF e outras ONGs solicitam a "evacuação de emergência" de crianças e outros migrantes vulneráveis que sobrevivem nesses campos em condições "desumanas" e "miseráveis".
"Ninguém espera luxo ou coisas maravilhosas quando chega a um campo de refugiados", diz Caroline Willemen. "Mas eles também não esperam viver numa tenda coberta de lama. Isso é muito difícil e estressante para os pais de crianças e tem um efeito direto sobre elas. São crianças que não vão para a escola, que não têm nada para fazer o dia todo e dividem seu espaço com várias outras famílias, sem privacidade", lembra.
"Em média, cerca de 40% das pessoas que chegam à ilha têm menos de 18 anos. Dos 17 mil migrantes em Moria, posso dizer que 8.000 são crianças. Desses, mais de mil se encontram completamente sozinhos, por diferentes razões. Alguns se perderam dos pais no caminho, outros perderam os pais de fato, porque algumas pessoas não conseguem sobreviver à fuga, que é muito perigosa. Outros são meninos afegãos entre 14 e 18 anos que não suportavam mais viver em zonas devastadas pela guerra e decidiram fugir a qualquer preço, sozinhos. São muitos motivos diferentes que levam ao isolamento das crianças, não existe uma história única", afirma a coordenadora.
"Um banheiro para 65 pessoas"
Caroline Willemen lembra que existe "um banheiro para 65 pessoas, uma ducha para 90 pessoas".
"Não se trata de um desastre natural, de uma epidemia. É uma escolha política da União Europeia que força as pessoas a viver nessas circunstâncias", diz. Segundo ela, o novo governo grego que tomou posse em julho está endurecendo e dificultando o acolhimento de migrantes em seu país. "Uma coisa é o governo, outra é o povo grego. Só tenho elogios e agradecimentos para o que a população grega tem feito pelos refugiados. A situação é traumática não apenas para quem chega, mas também para quem acolhe os migrantes", lembra.
ONGs como a MSF organizaram nas ilhas gregas um sistema básico de acolhimento destinado a tomar conta das crianças desacompanhadas. "No entanto, não tem sido suficiente na maioria dos casos. E agora, com tantas crianças sozinhas, ficou impossível. Dentro dos campos existe o que chamamos de 'Zonas de Proteção', específica para menores sem acompanhamento. Eles deveriam contar com uma vigilância específica, mas sabemos que, por exemplo, os guardas não ficam lá a noite inteira. Há espaço para 200 crianças, mas hoje cerca de mil estão lá", relata. "Isso é muito problemático. Alguns menores são obrigados a viverem sozinhos no meio dos adultos, sem proteção. Como garantir que eles tenham acesso à comida, mesmo com uma distribuição duas vezes por dia? Imagine 17 mil, às vezes a fila é interminável e brigas explodem. Às vezes a comida não é suficiente", explica.
Caroline conta que a primeira ação que tomava, no caso de crianças que tentaram o suicídio, era isolá-las para "não ficarem expostas". "Todos querem cuidar de crianças com esse perfil. Mas sempre deixei os casos mais severos nas mãos de meus colegas dos Médicos sem Fronteiras, muito mais qualificados do que qualquer pessoa para lidar com esse tipo de situação", relata.
"Acordo com a Turquia é tentativa de evitar que cheguem à Europa"
"Nunca houve uma solução decente para o afluxo de refugiados na Europa", diz Willemen. "O acordo entre a Turquia e a União Europeia foi vendido como uma solução para esta tal 'crise dos migrantes'. Na verdade, o acordo da UE com os turcos foi apenas uma maneira de tentar evitar que as pessoas viessem", analisa.
"Estas pessoas estão fugindo da guerra. É uma completa ilusão achar que haverá menos pessoas chegando aqui. As pessoas continuarão tentando atravessar enquanto houver conflitos em seus países. Acho muito cínico que os líderes europeus considerem o acordo com a Turquia um sucesso", analisa.
"Um dos problemas é que as pessoas não são removidas das ilhas. O fato de que as pessoas permaneçam nas ilhas gregas também faz parte do acordo com os turcos, desta chamada 'política de contenção'. Isso quer dizer que, se um refugiado chega a uma ilha grega, ele precisa ficar lá, ele não tem autorização para deixar a ilha. O procedimento de análise do asilo político na Grécia é longuíssimo, e isso é também a causa dessa superpopulação. Além disso, poucas pessoas conseguem asilo em outros países europeus, e isto é também uma questão chave", observa a especialista.
"Acontece que a Grécia está na ponta da Europa, e os outros países europeus apontam o dedo e dizem: 'Ah, você tem que resolver esse problema, porque vocês estão localizados onde as pessoas chegam'. Mas isso não é responsabilidade da Grécia, mas da Europa. As pessoas vêm para a Europa. Deveríamos compartilhar essa responsabilidade. A Itália e a Espanha se encontram na mesma posição geográfica. Qualquer sopro de solidariedade na Europa deveria partir daí", diz.
"Os migrantes que chegam à Grécia estão nada mais nada menos que exercendo seu direito, presente na lei internacional, de procurar proteção internacional", observa.
Segundo Willemen, os refugiados que têm seu pedido de asilo aceito pela Grécia mudam-se para a parte continental do país.
"Se eles não são aceitos, tudo depende das circunstâncias, de acordo com o acordo selado com a Turquia. Em caso de rejeição, a grande questão é saber se a Turquia será um país seguro para eles. Se a reposta for positiva, mandarão as pessoas rejeitadas pela Grécia para lá", explica.
A maior parte dos naufrágios fatais de pequenos barcos superlotados com migrantes acontece nos cerca de 30 km que separam a costa da Turquia das praias orientais da ilha grega de Lesbos, em pleno mar Egeu, e se devem à tentativa desesperada de refugiados de chegarem às portas da Europa.
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