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Quais os riscos de tomar hidroxicloroquina sem estar doente e por prevenção, como Trump?

Rafael Henrique/SOPA Images/LightRocket via Getty Images
Imagem: Rafael Henrique/SOPA Images/LightRocket via Getty Images

19/05/2020 12h12

O presidente americano, Donald Trump, fez uma revelação surpreendente ontem ao afirmar que está tomando hidroxicloroquina, um medicamento antimalária que divide os especialistas sobre sua eficácia no combate à infecção pelo novo coronavírus. O líder republicano garante que não está doente, mas resolveu usar o remédio como prevenção.

Trump diz que está tomando a droga derivada da cloroquina "há cerca de uma semana e meia". Ao ser questionado do porquê desta decisão, respondeu: "Porque eu acho que é bom. Ouvi muitas boas histórias".

"O que há a perder?", questionou o presidente americano.

A resposta é: muito, segundo especialistas e organizações de regulamento de medicamentos.

A começar pela indicação específica da hidroxicloroquina, que fornece um aumento da resposta imune do organismo para tratar doenças como o lúpus eritematoso sistêmico e discoide, a artrite reumatoide e juvenil, doenças fotossensíveis e a malária. A droga não tem eficácia comprovada contra o novo coronavírus.

Além disso, os efeitos colaterais da hidroxicloroquina ou da cloroquina são consideráveis. Os mais graves são possíveis reações cardiovasculares, como arritmias e paradas cardíacas, além de alterações do sistema nervoso central, que podem resultar em sensação de confusão, convulsões e até coma. Outros pacientes que utilizaram o medicamento também relatam cefaleia (dor de cabeça), irritações gastrointestinais, distúrbios visuais e urticárias.

O FDA, a agência americana para medicamentos, publicou recentemente um documento onde ressalta que não há provas de que a hidroxicloroquina ou a cloroquina sejam "seguras ou eficazes para o tratamento e a prevenção da covid-19".

Na França, a Agência Nacional da Segurança do Medicamento e dos Produtos de Saúde preveniu, em 14 de maio, que a molécula ingerida por Trump "pode aumentar problemas neuropsiquiátricos", especialmente sintomas agudos de psicose e tentativas de suicídio. Além disso, o órgão alerta que a droga não deve "em nenhum caso" ser utilizada por conta própria e sem acompanhamento médico.

Até o momento, o governo francês autoriza a utilização da cloroquina contra o coronavírus nos hospitais e apenas para pacientes em estado grave.

A contestada eficácia da cloroquina contra a covid-19

Desde o início da pandemia de covid-19, a cloroquina e seu derivado ganharam fortes defensores. Além de Trump, o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro (sem partido), insiste na utilização do remédio, o que teria sido a causa da saída de Nelson Teich da pasta da Saúde, quatro semanas após a demissão de Luiz Henrique Mandetta.

No Brasil, a prescrição do medicamento foi liberada pelo Conselho Federal de Medicina para situações específicas, se o médico estiver de acordo e sob o consentimento do paciente. No entanto, não há consenso na classe médica sobre a utilização geral da cloroquina e da hidroxicloroquina para tratar pacientes contaminados pelo coronavírus.

Na França, o remédio foi administrado em experimentos realizados pelo médico Didier Raoult no hospital de Marselha, sul do país, para revolta geral da classe médica. Raoult defende os resultados positivos da cloroquina, associada ao antibiótico azitromicina, em doentes contaminados pelo coronavírus.

No entanto, para o Conselho Nacional da Ordem dos Médicos da França, o especialista "coloca em risco seus pacientes (...) com tratamentos que não foram validados cientificamente". Diversos representantes da comunidade científica do país pedem que o medicamento seja rigorosamente testado e validado, o que ainda não é caso.

Na semana passada, dois estudos científicos publicados pela revista britânica BMJ concluíram que a hidroxicloroquina é pouco eficaz contra o coronavírus. A primeira pesquisa, realizada por um grupo de cientistas de hospitais parisienses, mostrou que a molécula não reduz os riscos de morte e de casos graves.

Um segundo estudo, realizado por uma equipe de cientistas chineses, apontou que a hidroxicloroquina não elimina o vírus mais rapidamente que outros tratamentos tradicionais utilizados para tratar versões leves ou moderadas da covid-19.

Declaração de Trump surpreende imprensa americana

O anúncio do presidente sobre a automedicação surpreendeu a imprensa americana. No canal de TV Fox News, partidário de Trump, o apresentador Neil Cavuto se mostrou intrigado com a revelação.

"Essa é uma decisão que não deve ser tomada por acaso, por aqueles que estiverem nos assistindo em casa, assumindo que, se o presidente dos Estados Unidos está fazendo isso, é porque está correto", declarou.

Cavuto ainda se justificou, afirmando que seu objetivo não era incitar um debate político. "Mas isso é uma questão de vida ou morte. Sejam muito, muito cuidadosos", recomendou o apresentador.

Vários jornais e sites americanos de notícias também reagiram à decisão de Trump de tomar hidroxicloroquina por precaução. O site do jornal The New York Times publicou uma matéria com todas as possíveis dúvidas dos leitores sobre a utilização da droga.

"Não há evidências de que a hidroxicloroquina possa prevenir contaminações por coronavírus", afirma o texto.

O jornal lembra que o remédio é aprovado pela agência americana de regulação de medicamentos, "mas para malária, lúpus e artrite reumatoide, não para covid-19".

Atualmente, nos Estados Unidos, "essa droga só deve ser utilizada em testes clínicos ou hospitais onde os pacientes podem ser rigorosamente monitorados por problemas cardíacos", finaliza a matéria.