Violência policial contra população negra está 'naturalizada' no Brasil
Após os atos mundiais contra violência policial decorrentes da morte de George Floyd nos Estados Unidos, brasileiros lembram que a polícia brasileira é a mais letal do mundo. Entre 2015 e 2019, 25 mil brasileiros foram assassinados pela polícia.
No domingo do dia 12 de julho, um vídeo mostrando uma mulher negra com a cabeça sendo pisada por um policial militar, no sul de São Paulo, não levou os brasileiros para a rua. O vídeo foi gravado cinco dias após a morte de George Floyd, no final do mês de maio. Uma prova de que a violência policial contra a população negra está "naturalizada" no Brasil, segundo Kléber Rosa, investigador da polícia civil há 20 anos na Bahia.
Esse episódio "escancara que a violência policial contra a população negra está para além de qualquer suspeita de ação criminosa", continua o integrante do movimento nacional dos policiais antifascistas. "O tratamento desumano e violento não é para "bandidos", é para toda a população negra." Ele lembra que a mulher do vídeo, de 51 anos, saiu do seu bar para tentar socorrer um amigo dela que estava sendo agredido por um policial.
O Brasil produz casos como o do George Floyd quase diariamente. Na mesma semana, outro vídeo espalhou-se na rede mostrando policiais agredindo um motoboy em São Paulo. "A polícia brasileira mata, e mata muito", lembra Humberto Adami, advogado da Ordem dos advogados brasileiros e presidente da Comissão nacional da verdade da escravidão negra no Brasil.
"Mata muito mais do que a polícia americana! Só no Rio de Janeiro, em um mês, a polícia militar matou mais do que a americana em um ano, esclarece o advogado. E na maioria das vezes, são negros que são assassinados. É incrível como o que chamamos de 'balas perdidas' acham corpos negros!" Ítallo, Kauã, Joao Pedro...são alguns nomes de crianças atingidas por essas "balas perdidas" da polícia militar durante intervenções no Rio de Janeiro esse ano. Até agora, em 2020, seis crianças morreram.
Recorde de mortes em 2020
Desde o início do ano, 741 pessoas foram assassinadas pela polícia militar no Rio de Janeiro. Um recorde desde que as estatísticas começaram a ser compiladas na cidade, em 1998. São Paulo também teve recorde esse ano, com 442 mortos pela PM.
Para o policial negro Kléber Rosa, a violência policial no Brasil se explica pelo racismo que estrutura a instituição desde a sua criação. Segundo ele, a instituição policial é "estratégica" para manter a sociedade racista, da forma que essa sociedade foi pensada pelas elites. "Em última instância, é ela que garante a política de exclusão pensada para a população negra", continua o policial.
O fato dos atos de violência policial acontecerem muitas vezes em plena luz do dia, como o caso do vídeo da mulher sendo pisada por um PM, mostra também que os policiais não temem ser investigados pelos atos violentos que cometem.
Existe uma "garantia de impunidade" explica José Vicente, reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares em São Paulo. Ele ressalta o peso do racismo estrutural no Brasil, "fruto da trajetória de 350 anos de escravidão". Um racismo que "por não ser reconhecido, não é combatido e continua produzindo todos seus efeitos na atualidade", conclui o reitor.
Racismo negado
O racismo estrutural se esconde em todos os aspectos da sociedade brasileira. Na imprensa por exemplo, pretos e pardos representam apenas 13,5% dos jornalistas do estado de São Paulo, segundo levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. Logo depois do episódio da morte de George Floyd, a cobertura do evento em jornais nacionais foi feita exclusivamente por jornalistas brancos.
"A maneira como a mídia brasileira trata desses episódios de racismo no Brasil faz parte do racismo que estrutura a sociedade brasileira, analisa o advogado Humberto Adami. O racismo é negado. E é muito mais difícil combater algo cuja existência é negada", diz.
Para explicar a negação do racismo sistêmico no Brasil, Sara Branco, advogada e ativista do movimento negro, lembra que no Brasil existe um "mito da democracia racial". "Criou-se essa ideia de que não existem negros nem brancos no Brasil, que só existe brasileiros, explica a ativista. É uma imagem que tem que ser desconstruída."
A advogada observou que as manifestações antirracistas após a morte de George Floyd, no Brasil, se transformaram rapidamente em atos antifascistas e contra o Governo. "Tem uma disputa de narrativas no Brasil", suspira Sara Branco. "Quando eles dizem que o problema do Brasil é o fascismo, o autoritarismo do Estado, quando no início a gente estava falando da gente mesmo, do racismo que a gente sofre, não do fascismo."
Ela viu esse desvio de pauta como uma tentativa de "silenciar a população negra" que estava denunciando a violência policial diária no país. Sara Branco faz parte da coalizão negra, que lançou um manifesto chamado "Enquanto houver racismo, não haverá democracia". O manifesto lembra que a população negra, que representa 55% da população brasileira, é a mais vulnerável nesse período de pandemia.
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