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Saída de Trump para acenar a apoiadores tem impacto incerto nas eleições

Donald Trump acena para os apoiadores após deixar o hospital Walter Reed Medical Center - ALEX EDELMAN / AFP
Donald Trump acena para os apoiadores após deixar o hospital Walter Reed Medical Center Imagem: ALEX EDELMAN / AFP

Ligia Hougland

De Washington (Estados Unidos)

05/10/2020 06h30

A menos de um mês das eleições presidenciais, a campanha para a reeleição de Donald Trump sofre o choque da hospitalização do presidente americano infectado pelo coronavírus, o que pode mudar toda a dinâmica de uma disputa já bastante acirrada com o democrata Joe Biden. Apesar das turbulências causadas pela pandemia e apenas cerca de 5% dos eleitores estarem indecisos, muitas variáveis ainda podem mudar o curso da eleição de 3 de novembro.

Ontem, Trump parecia já estar com um quadro da covid-19 razoavelmente controlado. O presidente americano chegou a dar uma volta de carro para acenar aos seus apoiadores que fazem vigília, desde sexta-feira (2), em frente ao hospital militar Walter Reed, no estado de Maryland. Depois da saída inusitada, ele retornou para o hospital. Não falta ânimo ao grupo e, deste a internação de Trump, a presença de seus fãs é constante, exibindo bandeiras e cartazes da campanha para a reeleição. Pouco antes de se aventurar fora do centro médico, Trump havia divulgado um vídeo agradecendo o apoio e dizendo que faria uma visita surpresa aos "patriotas", como se refere aos seus eleitores. Em seguida, as redes sociais foram inundadas de vídeos com imagens do republicano dentro de um carro preto do serviço secreto saudando seus apoiadores.

O desfile surpresa incomodou os jornalistas que cobrem o presidente, pois, no início do dia, a Casa Branca havia dito que nada estava programado para o domingo. Assim, não havia imprensa a postos para registrar a aparição presidencial de improviso. Não é improvável que isso até possa ter dado uma certa satisfação a Trump, que não esconde sua animosidade pela imprensa americana. Enquanto os apoiadores do presidente vibravam e compartilhavam imagens do seu ídolo fora do hospital, também não faltaram críticas a esse comportamento polêmico, pois o passeio foi visto por alguns como irresponsável. O espetáculo insólito foi batizado de "Parada da covid-19". O deputado democrata Eric Swalwell, da Califórnia, acusou Trump de "negligência criminosa".

Alguns médicos alertaram que o desfile dentro de um veículo fechado, mesmo com o presidente usando máscara, tinha colocado em risco a vida dos agentes do serviço secreto que o acompanhavam. A Casa Branca disse que foram tomadas todas as precauções e que o passeio tinha sido aprovado pela equipe médica responsável pelo tratamento do presidente. Outro fato que gerou preocupação e críticas foi Trump ter visitado militares internados no hospital Walter Reed, segundo informação divulgada pelo próprio presidente no comunicado que fez por vídeo no domingo. Trump não deixa de fazer campanha nem enquanto está hospitalizado.

Tanto os eleitores do republicano quanto seus críticos foram pegos de surpresa ao ver o presidente - que faz parte de um grupo de pacientes da covid-19 com risco mais alto, por ter 74 anos e estar acima do peso - desfilando pelas ruas. Afinal, na sexta (2) a notícia de que ele seria hospitalizado obrigou todos a refletirem sobre a situação que envolve uma doença que pode começar moderada e, subitamente, se tornar muito grave.

Teatro político

A doença de Trump serviu para mostrar que teoria da conspiração é um fenômeno que pode ser encontrado em qualquer grupo, independentemente de afiliação partidária. Muitos democratas e inclusive jornalistas da grande imprensa lançaram suspeitas de que o presidente estava apenas fingindo ser vítima do coronavírus para conseguir atenção. Enquanto isso, republicanos - que incluíam até grandes nomes como Tucker Carlson, que tem o programa político de maior audiência em TV a cabo nos Estados Unidos - discutiam a possibilidade de Trump e membros de sua campanha terem sido infectados propositalmente pela campanha rival ou pelo governo chinês. Além disso, o fato de o médico de Trump, Sean Conley, ter admitido, no domingo, que o republicano tinha precisado receber oxigênio suplementar, porque queria se manter em forma, deu força às acusações dos jornalistas de Washington quanto à falta de transparência da Casa Branca ao divulgar informações sobre a saúde do presidente.

Apesar dos comunicados oficiais de sexta (2) afirmarem que Trump não apresentava um quadro preocupante, a imprensa dizia que um assessor do presidente tinha dito que seus sinais vitais não eram bons. Mas não há como negar que, para um idoso infectado pelo coronavírus, Trump, até agora, está reagindo excepcionalmente bem. Nesse fim de semana, mesmo internado, o republicano estava mais interativo com seus eleitores do que Biden pelo Twitter. O candidato democrata tem sido testado com frequência e, até esse domingo, não tinha sido infectado, apesar de ter divido um palco com Trump na terça-feira passada, um dia antes do presidente testar positivo para o vírus.

Os médicos dizem que, se tudo correr bem, o presidente poderá receber alta nesta segunda (5). Mas ele ainda terá de ficar em quarentena por cerca de dez dias e só poderá voltar a interagir socialmente depois de receber três testes negativos. Com isso, muitos dos grandes eventos da sua campanha - que são verdadeiros shows e, geralmente, atraem até eleitores não registrados no Partido Republicano - ficarão suspensos. Enquanto isso, Biden, que até recentemente era motivo de chacota para a campanha de Trump, por somente participar de eventos online, está viajando mais e interagindo com seus simpatizantes.

Efeito incerto

Ainda não há como saber qual será o impacto da doença de Trump sobre seus eleitores. O presidente pode ser visto com mais simpatia ao demonstrar que é vulnerável e, especialmente, se mostrar que agora leva a pandemia mais a sério. No entanto, sua negligência pode ser mais salientada, o que seria prejudicial para sua campanha, dado que a pandemia é um tema central desta eleição presidencial. Biden continua liderando na maioria das pesquisas, mas as sondagens mais recentes apontam resultados díspares. Algumas indicam 52% das intenções de voto para Biden contra apenas 39% para Trump, enquanto que outras mostram praticamente um empate, com 49% para Biden e 47% para Trump. No entanto, são os colégios eleitorais que garantem a vitória.

Em alguns estados decisivos, como a Pensilvânia e Wisconsin, a disputa está praticamente empatada. Os apoiadores de Trump juram que as pesquisas estão erradas e que a vitória dele desta vez será mais expressiva do que em 2016, quando disputou com Hillary Clinton. Muitos simpatizantes de Trump dizem que se recusam a participar das pesquisas e, quando participam, não falam a verdade sobre seu voto. Os apoiadores de Biden também estão pedindo que os eleitores não confiem nas pesquisas que indicam a vitória do democrata, insistindo que é preciso que todos realmente votem, seja pelo correio ou comparecendo às urnas. Por outro lado, nesta eleição, as pesquisas parecem estar mais precisas ao apontarem 5% de eleitores indecisos contra cerca de 20%, na mesma época, em 2016.

Ainda há muitas variáveis em jogo para fazer uma previsão segura de quem ocupará a Casa Branca a partir de janeiro de 2021. No momento, não é possível sequer garantir que os próximos dois debates presidenciais já agendados serão realizados. A única previsão que pode ser feita com segurança é que o resultado desta eleição será bastante contestado, não importa quem, oficialmente, saia vitorioso.