"Perdemos tudo naquele dia": um ano após explosão no porto de Beirute, Líbano ainda tenta se recuperar
Esta quarta-feira, 4 de agosto, marca um ano das explosão do porto de Beirute. A catástrofe tirou a vida de mais de 200 pessoas e deixou mais de seis mil feridos, além de uma população traumatizada até hoje por uma tragédia que se soma a uma crise política e econômica pré-existentes e intensificada desde então. A comunidade internacional se mobiliza para tentar ajudar os libaneses.
"Quando eu entrei no serviço de emergência do hospital, havia feridos por toda a parte, médicos por toda a parte, sangue por toda a parte. E cacos de vidro por tudo, pois o hospital também foi atingido", relata o médico Naji Hayek, que se recorda do 4 de agosto 2020 como se fosse hoje. "Eu examinei pessoas na rua, no caminho do hospital, como se fosse um médico de guerra. Foi assustador, assustador", desabafa.
Como ele, boa parte da população libanesa relembra o momento das explosão, mas também os parentes e amigos mortos na tragédia. "Todo mundo perdeu alguém. Nós perdemos tudo naquele dia", afirma o militante Maraoum Karam.
Junto com o luto, os moradores também alimentam uma sensação de injustiça. Principalmente porque a gigantesca explosão foi causada por um incêndio em um depósito que armazenava centenas de toneladas de nitrato de amônio desde 2014, mas nenhum responsável foi julgado até agora.
Tragédia anunciada
A ONG Human Rights Watch (HRW) acusa as autoridades libanesas de negligência criminosa. Em um relatório de 126 páginas divulgado esta semana, a entidade documentou as inúmeras violações por parte dos políticos e das instâncias de segurança do país na gestão desse depósito de materiais perigosos.
"Os responsáveis libaneses sabiam o risco que representava o nitrato de amônio. Ao não adotarem nenhuma medida para proteger a população, eles aceitaram tacitamente esse risco", declarou em entrevista à RFI Aya Majzoub, uma das redatoras do relatório. "No direito internacional, isso constitui violação do direito à vida. Além disso, segundo a lei libanesa, essa atitude pode ser considerada como um homicídio que pode ser visto como voluntário", ressalta.
Segundo ela, a inércia nas investigações se deve ao fato de que "a classe política libanesa não está acostumada a prestar contas" e que a cultura da impunidade reina no país. "Os políticos não serão importunados pela justiça enquanto a nomeação dos juízes continuar sendo algo político. O governo tem muito peso na escolha dos magistrados", explica. "No passado, nós revelamos vários casos de interferência política, que tentavam impedir que funcionários de alto escalão fossem julgados. E observamos o mesmo fenômeno agora com a investigação sobre a explosão no porto", analisa.
Do lado da população, a irritação aumenta. "Nós queremos justiça", lança Maraoum Karam, que participa de um protesto previsto para esta quarta-feira. "Vamos para uma manifestação pacífica que sai de três locais para chegar ao porto às 18h. Em seguida vamos para o Parlamento e quando chegarmos lá não sei o que pode acontecer", avisa.
As autoridades temem que a mobilização popular termine em violência.
Bloqueio político
A reconstrução das zonas atingidas avança lentamente, organizada principalmente por associações e com a ajuda da diáspora. Dois dias após a explosão, o presidente francês, Emmanuel Macron, desembarcou em Beirute e, após se reunir com políticos locais, tentou pressionar os dirigentes para acelerar as obras, assim como as investigações. No entanto, as disputas internas emperraram qualquer tipo de intervenção, já que a comunidade internacional pedia um mínimo de estabilidade política em troca de uma possível ajuda.
O Líbano está sem governo desde a renúncia de Hassan Diab e sua equipe, em 10 de agosto de 2020. O presidente Michel Aoun acaba de nomear o milionário Najib Mikati como primeiro-ministro. Mas ele já é o terceiro candidato a tentar, sem sucesso, formar um governo.
Mobilização internacional
A França sediará, nesta quarta-feira, uma nova conferência internacional de apoio ao Líbano. Sob mediação de Emmanuel Macron e do secretário-geral da ONU, António Guterres, o evento reunirá, por videoconferência, representantes de cerca de 40 Estados e organizações internacionais. Entre eles, são esperados o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, o chefe de Estado egípcio, Abdel Fatah al Sissi, o rei jordaniano, Abdullah II, e o presidente libanês, Michel Aoun.
Os organizadores pretendem levantar uma ajuda emergencial de pelo menos US$ 350 milhões. "O objetivo é ajudar novamente a população do Líbano", após uma primeira conferência em agosto de 2020 que arrecadou ? 280 milhões, anunciou o Palácio do Eliseu, sede da presidência francesa na segunda-feira (2).
Depois dos encontros de 9 de agosto de 2020 e de 2 de dezembro de 2020, esta terceira conferência internacional tratará apenas da ajuda de emergência, e não da ajuda estrutural de que o país necessita. Esta última continua condicionada à formação de um governo capaz de realizar reformas fundamentais.
Os participantes da conferência "reafirmarão a necessidade de formar rapidamente um governo capaz de implementar as reformas estruturais que os libaneses esperam", insistiu a presidência francesa. "Continuaremos a aumentar a pressão e, junto com nossos parceiros europeus, tomaremos medidas mais importantes, se o bloqueio político continuar", garantiu o Palácio do Eliseu.
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