Um ano após explosão em Beirute, política obstrui investigação do caso
Um ano após a explosão mortal no porto de Beirute, e apesar da escala desta tragédia que traumatizou o Líbano, nenhum responsável foi levado à Justiça, e a investigação não avança, prejudicada pela política.
Em 4 de agosto de 2020, bombeiros foram enviados ao porto para apagar um incêndio. No fim do dia, o balanço desta explosão que devastou bairros inteiros da capital era de 214 mortos e mais de 6.500 feridos.
Naquela mesma noite, as autoridades atribuíram a tragédia a 2.750 toneladas de nitrato de amônio, abandonadas "sem medidas de precaução" por mais de seis meses no porto.
Um ano depois, a opinião pública ainda aguarda as conclusões da investigação libanesa e denuncia a interferência política que obstruiu o caso. Muitas questões permanecem sem resposta.
O que causou a explosão? Por que o nitrato foi deixado no porto, apesar dos perigos? Quem estava ciente do armazenamento irregular, entre autoridades políticas e de segurança?
Alguns temem que a Justiça nunca seja feita neste caso. O juiz de instrução Tarek Bitar busca indiciar vários ex-ministros e altos funcionários, mas a imunidade que os protege retarda o andamento dos processos.
"Estão apenas tentando escapar da Justiça", disse o advogado Youssef Lahoud, que representa mais de 1.000 vítimas da explosão.
Apesar dos obstáculos, "75% da investigação está concluída", disse à AFP uma fonte judicial próxima ao processo.
O juiz Bitar espera anunciar suas conclusões "até o final do ano".
Cargueiro cheio de nitrato
Em novembro de 2013, o navio "Rhosus", de bandeira da Moldávia, que partiu da Geórgia com destino a Moçambique, fez escala em Beirute com um carregamento de nitrato de amônio a bordo.
Naquela época, e como resultado de um obscuro processo judicial contra seu dono, o navio foi imobilizado. A remessa foi descarregada em 2014 e armazenada no depósito nº 12, com manutenção precária. Abandonado, o "Rhosus" acabou afundando em 2018.
Uma empresa privada moçambicana, a Fabrica de Explosivos de Mocambique (FEM), explicou à AFP em 2020 que tinha encomendado nitrato de amônio à Geórgia em 2013, mas que o carregamento nunca foi entregue.
De acordo com Lahoud, a investigação revelou a identidade de várias partes envolvidas, incluindo o nome do proprietário da companhia marítima responsável pelo transporte da carga e o nome do banco moçambicano que financiou a operação.
"Os tribunais determinaram as responsabilidades em relação à parte que transportou o nitrato de amônio para Beirute, e as razões pelas quais foi descarregado, como foi armazenado, por que não foi destruído, ou enviado" para o exterior, acrescenta.
"Mas a investigação ainda não determinou se outras partes" estavam por trás da viagem do "Rhosus", continuou Lahoud, referindo-se a países, ou grupos, estrangeiros.
A investigação local incluiu ainda informações de imprensa sobre ligações entre três empresários de nacionalidade síria e russa com a empresa Savaro Limited. Esta companhia especializada no comércio de produtos químicos havia sido contratada pela empresa moçambicana.
Savaro Limited tem um endereço em Londres, mas a identidade de seus verdadeiros proprietários é desconhecida.
Causa do incêndio
O "ponto fraco" da investigação, segundo Lahoud, é que o motivo da explosão ainda não foi determinado.
Foi o incêndio? "Se foi assim, como começou?", questiona o advogado, para quem nada permite afastar a hipótese de uma "sabotagem", ou mesmo de "atentado".
Imediatamente após o drama, fontes da segurança citaram trabalhos de soldagem que poderiam ter causado o incêndio. Alguns observadores não estão convencidos dessa hipótese.
O juiz Bitar quer fazer uma reconstrução dos acontecimentos no local da explosão para determinar as razões do incêndio. Também pediu a cooperação de vários países na questão da origem da carga. Além disso, solicitou França, Estados Unidos e Itália, por exemplo, para obter imagens de satélite do porto, na esperança de ver o que aconteceu ali em 4 de agosto de 2020.
A França disse não ter satélites sobre o Líbano no dia da explosão, segundo fontes judiciais.
A ausência de tais imagens também torna difícil saber se quantidades de nitrato de amônio foram retiradas do depósito nos últimos anos, acrescenta Lahoud.
Porque, segundo os especialistas, e dado o tamanho da explosão, a quantidade de nitrato de amônio no porto deveria ter sido de algumas centenas de toneladas, e não 2.750 como inicialmente anunciado.
As autoridades rejeitam categoricamente qualquer investigação internacional. A França abriu, no entanto, seu próprio processo, já que vários de seus cidadãos estão entre as vítimas.
Em meados de junho, cerca de 50 ONGs pediram uma investigação da ONU, citando uma "flagrante interferência política, a imunidade de altos funcionários políticos" e "violações do procedimento regular".
Para grande parte da opinião pública, toda República deve ser responsabilizada.
Em 20 de julho de 2020, poucos dias antes da tragédia, o presidente Michel Aoun e o primeiro-ministro Hassan Diab receberam um alerta dos serviços de Inteligência.
Em um relatório interno consultado pela AFP, preparado vários meses antes da explosão, a Agência de Segurança Nacional Libanesa apontou que o depósito continha "materiais perigosos" e alertava sobre o risco de que um "grande incêndio" pudesse "destruir o porto".
Até o momento, Hassan Diab foi indiciado, e 18 pessoas estão detidas, incluindo o diretor da Alfândega, Badri Daher, e o diretor do porto, Hassan Koraytem.
O juiz Bitar pediu ao Parlamento a suspensão da imunidade de três deputados que ocuparam cargos ministeriais *— Ali Hassan Khalil (Finanças), Ghazi Zaayter (Obras Públicas e Transportes) e Nouhad al-Machnouk (Interior) — para processá-los. Também quer indiciar funcionários da Inteligência.
Segundo uma fonte judicial, as denúncias dizem respeito aos responsáveis, "para os quais ficou comprovado, por meio de documentos e testemunhas, que tinham conhecimento da presença do nitrato de amônio e seus perigos".
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