Sentimento de ser vencedor muda a percepção do que é justo

Sarah Green

Harvard Business School Publishing Corp

  • Getty Images

Nossas crenças sobre justiça, habilidade e confiança mudam dependendo de nos sentirmos vencedores ou perdedores?

Sim, segundo uma nova pesquisa de Jazmin L. Brown-Iannuzzi, Kristjen B. Lundberg e B. Keith Payne, da Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill, e Aaron C. Kay, da Universidade Duke. Para explorar essas questões, os pesquisadores utilizaram um jogo online para perguntar sobre uma questão particularmente acalorada: redistribuição de renda.

Os pesquisadores realizaram uma série de experimentos para seu novo artigo, um deles particularmente interessante. Eles criaram um jogo online baseado no mercado de ações e deram aos participantes 40 centavos para investir em até seis "empresas" diferentes, supostamente baseadas em companhias reais.

Para fazer o jogo parecer realista, os pesquisadores deram aos participantes descrições de cada empresa, desempenho das ações no passado, relações preço/ganhos e guias para ajudá-los a interpretar toda a informação. Os pesquisadores disseram aos participantes que, após terem feito suas opções de investimento, o computador realizaria seis meses de atividade do mercado de ações de fato.

O que realmente aconteceu é que os ganhos e perdas foram atribuídos aleatoriamente.

Todavia, os pesquisadores disseram a um terço dos participantes que o desempenho deles foi "melhor do que 89% de todos os jogadores até o momento", enquanto para outro terço foi dito que o desempenho deles foi "pior do que 89% de todos os jogadores até o momento". Para o terço final, um grupo de controle, não foi dito nada a respeito do desempenho deles.

Finalmente, os maiores ganhadores tiveram seus ganhos reduzidos em 20% para compensar as perdas daqueles com pior desempenho, enquanto aqueles com pior desempenho receberam um bônus equivalente a 25% de seus ativos.

Depois de tudo isso, foi pedido aos participantes do jogo que recomendassem mudanças na forma como os ganhos eram redistribuídos. Eles recomendariam que os vencedores mantivessem mais de seus ganhos... ou dessem mais? Qual o tamanho do bônus que os perdedores deveriam receber?

Como se poderia esperar, os vencedores apresentaram maior probabilidade de se oporem à redistribuição. Os perdedores, entretanto, estiveram longe de se tornarem socialistas; a maioria deles pareceu aceitar a manutenção do status quo. Quanto ao grupo de controle, eles ficaram em uma posição intermediária, porém mais próxima dos vencedores.

Os pesquisadores também pediram aos "investidores" para avaliar o quanto o jogo e o sistema econômico americano eram justos. Os vencedores apresentaram uma probabilidade significativamente maior do que os perdedores de considerar tanto o jogo falso quanto o sistema econômico americano real como sendo justos. De novo, o grupo de controle tendeu a se inclinar mais na direção do grupo de status alto.


Claramente, nossas crenças mudam dependendo de termos vencido ou perdido (e se sabemos o resultado). Mas vencer ou perder muda a forma como interpretamos as crenças dos outros?

Para descobrir, os pesquisadores realizaram o experimento de novo, desta vez descartando o grupo de controle (já que se comportava como os vencedores) e pedindo desta vez aos participantes que avaliassem as recomendações do grupo anterior e a tendência deles.

O que descobriram –após muita matemática– foi que os jogadores que recomendaram a redistribuição de mais riqueza foram vistos como mais motivados pelo interesse próprio. Mas isso ocorreu apenas na visão dos vencedores.

Já os jogadores que quiseram reduzir a redistribuição foram vistos como relativamente menos tendenciosos e, de forma interessante, isso tanto na visão dos ganhadores quanto na dos perdedores.

E, importante, os pesquisadores documentaram –por meio de dois outros estudos– que não é objetivamente ser um vencedor ou perdedor que muda nosso ponto de vista e nos faz suspeitar que os outros sejam tendenciosos. É apenas se sentir subjetivamente assim.

Talvez esse estudo possa ajudar a explicar por que, apesar da enorme desigualdade de renda nos Estados Unidos, os eleitores permanecem contrários a uma maior redistribuição de renda.

Então, temos o seguinte cenário: estar no topo torna você contrário a compartilhar e com maior probabilidade de ver aqueles que discordam de você como sendo tendenciosos. Enquanto isso, as pessoas na metade inferior em grande parte concordam com o status quo. Já aqueles que não sabem qual posição têm na hierarquia agem basicamente como as pessoas no topo.

Simultaneamente, todos suspeitam mais das pessoas que querem aumentar a redistribuição de renda do que daqueles que querem diminui-la.

Sendo assim, 60 anos de redução de impostos feitas pelos vários governos dos Estados Unidos, de repente, não me parecem tão estranhos.

(Sarah Green é uma editora associada sênior da "Harvard Business Review".)

Tradutor: George El Khouri Andolfato

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